"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/06/2017

Jurisprudência (651)


Execução para prestação de facto;
oposição; factos supervenientes


1. O sumário de STJ 14/2/2017 (108/10.4TBPTG.1.E1.S1) é o seguinte:

I - A inexistência ou insubsistência da obrigação exequenda, em matéria de oposição à execução fundada em sentença ou equiparada, restringe-se aos factos não precludidos pelo caso julgado, isto é, aos factos modificativos ou extintivos da obrigação, desde que posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração, que se provem por documento, a menos que se trate da prescrição do direito ou da obrigação, que pode ser provada, por qualquer meio, pelo que, sendo anteriores, mesmo que o executado deles não tenha conhecimento ou não disponha do documento necessário para os demonstrar, não podem servir de fundamento de oposição à execução.

II - Tratando-se de oposição à execução baseada em sentença ou outro título judicial, não podem invocar-se, em oposição à execução, sem qualquer limite temporal, todas as causas impeditivas ou extintivas do direito do exequente, toda a defesa que ao executado era lícito apresentar na ação declarativa, ou seja, defesa por impugnação e defesa por exceção, sob pena de violação do princípio da autoridade do caso julgado.

III - Admitindo ter deixado de ocorrer a situação de facto subjacente à decisão judicial transitada e que agora é objeto de execução, verifica-se a adaptação do título executivo, por via da procedência da ação de alteração da servidão de passagem, hipótese em que inexiste violação do caso julgado, por motivo de erro de previsão ou por desaparecimento dos pressupostos em que assentou a decisão exequenda.

IV - Porém, a adaptação do título executivo ao facto superveniente, entretanto, surgido, não demanda o recurso à oposição à execução, por embargos de executado, que só se justificaria quando o facto posterior tenha provocado a cessação definitiva da situação duradoura nele reconhecida, o que não acontece quando a servidão predial continua a existir, e os executados, apenas, pretendem alterar o seu modo de exercício, e ainda quando tal facto não atinge os efeitos futuros da situação duradoura, mas, tão só, os seus efeitos passados.

V - A faculdade do executado, nas execuções para prestação de facto negativo, em oposição à execução mediante embargos, impugnar o pedido de demolição, fundado no facto de esta representar para si prejuízo, consideravelmente, superior ao sofrido pelo exequente, hipótese em que a execução é logo suspensa, após a realização da perícia, independentemente de caução, nos termos do disciplinado pelo art. 876.º, n.os. 2 e 4, do CPC, constitui uma resposta no sentido de permitir aos réus-executados, em nova ação, suscitar factos supervenientes, respeitantes a necessidade de mudança da servidão, anteriormente, constituída, sem que tal implique a violação do princípio do caso julgado.

2. Na fundamentação do acórdão diz-se o seguinte:

"I. 3. A presente execução para prestação de facto negativo, a que alude o artigo 876º, nº 1, do CPC, baseada em sentença, destinada à destruição dos muros de vedação e à retirada do portão de entrada do prédio dos executados, conheceu a oposição destes, que a pretendem ver suspensa, com a propositura de uma ação de mudança de servidão.

A questão suscitada pelos exequentes da violação do princípio da autoridade do caso julgado formado pela sentença exequenda, contende com os limites temporais do caso julgado material, que se constitui com referência à situação de facto existente no momento do encerramento da discussão, de acordo com o prescrito pelo artigo 611.º, n.º 1, do CPC[3].

O caso julgado material que se forma nas acções contempla a defesa, efetivamente, apresentada pelo réu, de modo a impedir a reapreciação das questões que já tenham sido decididas, quanto ao mérito, mas, também, os factos que o réu teria podido deduzir, no processo declarativo, mas que, de facto, acabou por omitir.

Pode, assim, discutir-se se os executados deveriam ou não, na contestação da ação declarativa inicial, em que se formou o presente título executivo, ter deduzido toda a defesa, com base no disposto pelo artigo 573º, nº 1, do CPC, sob pena de, não tendo, então, invocado a exceção da mudança de servidão, ficar precludida a faculdade jurídica de a suscitar, ulteriormente, ou antes, se podem ainda, em nova ação, deduzir factos, objetivamente, supervenientes, respeitantes à necessidade de mudança da servidão, anteriormente, constituída, cujos contornos e elementos técnico-científicos só tiveram conhecimento, em momento posterior ao encerramento da discussão, ou factos, subjetivamente, supervenientes, decorrentes da alteração da situação dos prédios, atento o preceituado pelo nº 2 do supracitado normativo legal.

Admitindo ter deixado de ocorrer a situação de facto subjacente à decisão judicial transitada e que agora é objeto de execução, verifica-se a adaptação do título executivo, por via da procedência da ação de alteração da servidão de passagem, hipótese em que inexiste violação do caso julgado, por motivo de erro de previsão ou por desaparecimento dos pressupostos em que assentou a decisão exequenda.

O âmbito da ação modificativa destinada a alterar a servidão, com vista a apurar se importa adaptar o título executivo às novas circunstâncias, confina-se, assim, à matéria relativa à determinação da alteração dessas circunstâncias.

Ora, nas sentenças que podem ser objeto de modificação, como acontece com as sentenças constitutivas de uma servidão predial, o surgimento de um facto posterior importa a aplicação do regime do artigo 619.º, nº 2, do CPC, em particular, da parte final da norma, e não do regime da oposição à execução da respetiva sentença condenatória, porquanto, nas mesmas, ainda que sub-repticiamente, formulou-se um juízo acerca da evolução futura da situação jurídica que reconheceram, ou seja, uma determinada conformação da servidão predial, sendo esse juízo que, devido ao surgimento de um facto novo, é perturbado ou confrontado.

Embora nestas situações se justifique a adaptação do título executivo ao facto superveniente, entretanto, surgido, o recurso à oposição à execução, por embargos de executado, só se justificaria, porém, quando o facto posterior tenha provocado a cessação definitiva da situação duradoura nele reconhecida, o que não acontece, no caso sub iudice, visto que a servidão predial continua a existir, sendo que, apenas, os executados pretendem alterar o seu modo de exercício, e ainda quando tal facto não atinge os efeitos futuros da situação duradoura, mas, tão-só, os seus efeitos passados.

De todo em todo, as instâncias admitiram, concordantemente, a oposição à execução, mediante embargos de executado, determinando a suspensão da execução, até ser prolatada decisão final, com trânsito em julgado, na oposição à execução, em termos de «dupla conformidade», que os exequentes não tentaram ultrapassar, através da via do recurso de revista excecional, nos termos do disposto pelo artigo 672º, do CPC.

Contudo, a faculdade do executado, nas execuções para prestação de facto negativo, como é a presente, em oposição à execução mediante embargos, impugnar o pedido de demolição, fundado no facto de esta representar para si prejuízo, consideravelmente, superior ao sofrido pelo exequente, hipótese em que a execução é logo suspensa, após a realização da perícia, independentemente de caução, atento o disciplinado pelo artigo 876º, nºs 2 e 4, do CPC, constitui uma resposta à questão levantada, no sentido de permitir aos réus-executados, em nova ação, suscitar factos supervenientes, respeitantes à necessidade de mudança da servidão, anteriormente, constituída.

Assim sendo, não ocorre a exceção do caso julgado, nem a violação do princípio da autoridade do caso julgado, como causa de admissibilidade excecional da revista-regra, a que se reporta o artigo 629.º, n.º 2, a), do CPC, de que, consequentemente, se não conhece."


[MTS]