Contrato-promessa;
penhora do bem; incumprimento do contrato
1. O sumário de STJ 2/2/2017 (280/13.1TBCDN.C1.S1) é o seguinte:
I - Em regra, o direito de resolução de um contrato implica a verificação de incumprimento definitivo, valendo este princípio também para a resolução do contrato-promessa bilateral.
II - A jurisprudência do STJ tem considerado que, salvo se da interpretação da vontade negocial resultar diversamente, o não cumprimento da obrigação de contratar constitui o devedor em simples mora, à qual não se aplica, sem mais, o regime da perda/exigência do sinal em dobro previsto no art. 442.º, n.º 2, do CC.
III - Para que tal regime seja aplicável é necessário: (i) que exista mora nos termos do art. 805º do CC; e (ii) que esta se transforme em incumprimento definitivo por uma das vias do art. 808.º do CC: perda do interesse do credor apreciada objectivamente; decurso de um prazo adicional razoável fixado pelo credor (interpelação admonitória).
IV - Além disso, a doutrina e a jurisprudência admitem a relevância de uma declaração antecipada de não cumprimento (expressa ou tácita) por parte do devedor.
V - A penhora do bem prometido vender não produz, por si só, a impossibilidade da obrigação de contratar.
VI - Porém, tendo ficado provado que a promitente-vendedora deixou penhorar o bem imóvel que prometeu vender, sem reacção e sem dar conhecimento à promitente-compradora, induzindo esta em erro acerca do desenvolvimento do processo executivo – quando, nessa data, já se encontrava marcada data para a venda judicial –, é de concluir, à luz da orientação jurisprudencial que tem sido seguida pelo STJ, que se está perante um comportamento concludente, com relevância declarativa, já que a primeira se desligou em definitivo dos compromissos assumidos perante a segunda, deixando patente que o contrato-promessa não era para cumprir.
VII - Demonstrado o incumprimento definitivo desse contrato, imputável à promitente-vendedora, não restava à promitente-compradora outra alternativa que não fosse deduzir reclamação de créditos no processo de execução no qual o bem prometido vender foi penhorado, e, consequentemente, resolver o contrato.
VIII - Ainda que se seguisse orientação distinta – considerando que a conduta da promitente-vendedora não constitui comportamento concludente – a solução sempre seria idêntica: quer porque, na data da reclamação de créditos, a celebração do contrato prometido era já impossível por estar inviabilizada a obtenção de empréstimo bancário por parte da promitente-compradora (condição a que o contrato estava sujeito); quer porque a conduta da promitente-vendedora, constituindo uma grave violação do princípio da boa fé no cumprimento das obrigações, configuraria uma situação de justa causa objectiva de resolução, admitindo-se que esta figura seja aplicável a contratos com as características do contrato promessa dos autos.
II - A jurisprudência do STJ tem considerado que, salvo se da interpretação da vontade negocial resultar diversamente, o não cumprimento da obrigação de contratar constitui o devedor em simples mora, à qual não se aplica, sem mais, o regime da perda/exigência do sinal em dobro previsto no art. 442.º, n.º 2, do CC.
III - Para que tal regime seja aplicável é necessário: (i) que exista mora nos termos do art. 805º do CC; e (ii) que esta se transforme em incumprimento definitivo por uma das vias do art. 808.º do CC: perda do interesse do credor apreciada objectivamente; decurso de um prazo adicional razoável fixado pelo credor (interpelação admonitória).
IV - Além disso, a doutrina e a jurisprudência admitem a relevância de uma declaração antecipada de não cumprimento (expressa ou tácita) por parte do devedor.
V - A penhora do bem prometido vender não produz, por si só, a impossibilidade da obrigação de contratar.
VI - Porém, tendo ficado provado que a promitente-vendedora deixou penhorar o bem imóvel que prometeu vender, sem reacção e sem dar conhecimento à promitente-compradora, induzindo esta em erro acerca do desenvolvimento do processo executivo – quando, nessa data, já se encontrava marcada data para a venda judicial –, é de concluir, à luz da orientação jurisprudencial que tem sido seguida pelo STJ, que se está perante um comportamento concludente, com relevância declarativa, já que a primeira se desligou em definitivo dos compromissos assumidos perante a segunda, deixando patente que o contrato-promessa não era para cumprir.
VII - Demonstrado o incumprimento definitivo desse contrato, imputável à promitente-vendedora, não restava à promitente-compradora outra alternativa que não fosse deduzir reclamação de créditos no processo de execução no qual o bem prometido vender foi penhorado, e, consequentemente, resolver o contrato.
VIII - Ainda que se seguisse orientação distinta – considerando que a conduta da promitente-vendedora não constitui comportamento concludente – a solução sempre seria idêntica: quer porque, na data da reclamação de créditos, a celebração do contrato prometido era já impossível por estar inviabilizada a obtenção de empréstimo bancário por parte da promitente-compradora (condição a que o contrato estava sujeito); quer porque a conduta da promitente-vendedora, constituindo uma grave violação do princípio da boa fé no cumprimento das obrigações, configuraria uma situação de justa causa objectiva de resolução, admitindo-se que esta figura seja aplicável a contratos com as características do contrato promessa dos autos.
2. Na fundamentação do acórdão escreve-se o seguinte:
"Estando em causa um contrato promessa de compra e venda sem fixação de prazo para a celebração do contrato definitivo, ficando a mesma condicionada, por um lado, à obtenção da licença de utilização, e, por outro lado, à concessão de empréstimo bancário à promitente compradora, aqui A., as recíprocas obrigações de contratar revestem a natureza de obrigações puras, dependendo a constituição em mora de interpelação do credor (art. 805º, nº 1, do CC, salvo nas excepções do nº 2, alíneas b) e c), que não se verificam no caso dos autos).
Importa apreciar se, como entendeu a Relação, a conduta da promitente vendedora, aqui 1ª R., configura uma declaração antecipada de não cumprimento juridicamente relevante.
No essencial provou-se: que o contrato promessa foi celebrado em 16/02/2012, enquanto a moradia se encontrava em fase de construção, obrigando-se a promitente vendedora a vender o bem “livre de quaisquer ónus e encargos”; que o imóvel foi entregue à A., promitente compradora, em 01/08/2012, para que nela habitasse juntamente com a sua família; que, em 26/10/2012, “O imóvel foi penhorado no âmbito do processo 1134/11.1TBCBR, em que é exequente o R. CC”; que a promitente vendedora, aqui 1ª R., foi “notificada da penhora do prédio prometido em 26/10/2012, não tendo deduzido oposição nem à execução, nem à penhora, encontrando‐se o processo executivo na fase de venda judicial”; que a A. “tomou conhecimento da penhora por consulta efectuada na Conservatória do Registo Predial, a 7.1.2013, após o que contactou o legal representante da Ré que a informou que a situação se encontrava resolvida.”; que, “Em 27/01/2013, a Autora deduziu reclamação de créditos no âmbito da execução (…) reclamando um crédito no valor de 58.910,00€, sendo que 50.000,00€ correspondem ao dobro do sinal prestado e 8.910,00€ a benfeitorias realizadas no prédio prometido, e invocando um direito de retenção sobre o imóvel prometido e aí penhorado”; que, “Por comunicação datada de 21.01.2013, foi (…) designado o dia 8 de Março de 2013, para abertura de propostas em carta fechada, relativamente à venda do imóvel prometido vender”. Por fim, provou-se ainda que “A Ré Construções não logrou até à data obter licença de utilização para o prédio prometido vender.”
É certo que a penhora do bem prometido vender não produz, por si só, a impossibilidade da obrigação de contratar. Neste sentido, cfr. os acórdãos deste Supremo Tribunal de 23/09/2004 (proc. nº 2089/04, consultável na base de sumários da jurisprudência cível in www.stj.pt) e de 02/12/2008 (proc. nº 2653/08, in www.dgsi.pt).
Contudo, no caso dos autos, não pode deixar de se ter em conta o facto de a promitente vendedora, aqui 1ª R., não ter deduzido oposição à penhora do imóvel, assim como o facto de, não apenas não ter informado a A., promitente compradora, da dita penhora, como lhe comunicado que “a situação se encontrava resolvida” numa data em que fora já notificada da marcação da abertura das propostas na venda judicial.
Trata-se de saber se, como entendeu a Relação, estes factos revelam, com toda a probabilidade, a intenção de não cumprimento da obrigação de contratar (art. 217º, nº 1, 2ª parte, do CC). Saber se, ao desinteressar-se completamente pelo destino do bem prometido vender, não obstante não poder ignorar que assim comprometia o interesse da contraparte no contrato promessa, manifestou a promitente vendedora, aqui 1ª R., de forma clara e inequívoca, a sua intenção de não cumprir definitivamente a obrigação de contratar.
Não se ignora o debate doutrinal em torno das características do elemento interno da declaração negocial, designadamente em torno da exigência da denominada vontade de declaração ou consciência de declaração (cfr. a síntese actualizada deste debate em Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, anotação I ao art. 217º, e anotação II ao art. 246º, da autoria de Evaristo Mendes/Fernando Sá). Contudo – e independentemente da resolução dessa disputa – a orientação da jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sido no sentido de considerar constituírem comportamentos concludentes, atribuindo-lhes relevância declarativa, tanto a não oposição à penhora do bem prometido vender, como a não comunicação dessa informação ao promitente comprador. Assim, em situações idênticas às dos autos, decidiu-se que “O incumprimento não decorre da impossibilidade (culposa ou não) da prestação da promitente vendedora, mas sim, da tácita, mas inequívoca, desvinculação das obrigações decorrentes do contrato-promessa. O incumprimento verificou-se quando a promitente vendedora deixou penhorar a fracção autónoma, sem reacção e sem dar conhecimento ao promitente comprador. Tal como bem se pondera no acórdão sob recurso, é óbvio que, a partir de então, ficou certo que a promitente vendedora se desligou em definitivo dos compromissos assumidos com o autor, de nada passando a interessar a interpelação para o cumprimento.” (acórdão de 16/05/2000 (proc. nº 396/00), consultável na base de sumários da jurisprudência cível in www.stj.pt; e que “O incumprimento resulta, não da impossibilidade da prestação dos promitentes vendedores, ‘mas sim da tácita, mas inequívoca, desvinculação das obrigações decorrentes do contrato-promessa’. Nada tendo feito para erradicar a hipoteca, cujo conhecimento sonegaram à promitente vendedora, e deixando penhorar o prédio, sem reacção, e, de novo, sem a esta fazer a devida comunicação, os réus, promitentes vendedores, fizeram, em definitivo, tábua-rasa dos compromissos assumidos com a autora, deixando patente que, da parte deles, o contrato não era para cumprir, de nada passando a interessar a interpelação para o cumprimento.” (acórdão de 24/01/2008 (proc. nº 3813/07), in www.dgsi.pt). A respeito da relevância objectiva da ocorrência da penhora do bem prometido vender – em casos em que as questões jurídicas não coincidem inteiramente com a dos autos –, ver também os acórdãos de 02/12/2008 (proc. nº 2653/08), e de 20/05/2015 (proc. nº 1311/11.5TVLSB.L1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt.
Seguindo a orientação jurisprudencial deste Supremo Tribunal, considera-se que a conduta da promitente vendedora, aqui 1ª R. – ao não deduzir oposição à penhora, não informar a promitente compradora da penhora e, mais ainda, ao tentar induzi-la em erro acerca do desenvolvimento do processo executivo – constitui um comportamento concludente com relevância declarativa: trata-se de uma declaração tácita, mas clara e inequívoca, da intenção de não cumprir o contrato."