"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



26/06/2017

Jurisprudência (649)



Título executivo; cheque prescrito;
requisitos



1. O sumário de RE 23/2/2017 (2428/13.7TBPTM-A.E1) é o seguinte:

Prescrita a obrigação cartular incorporada no cheque ( art.º 52.º da L. U. C), este mantém a sua natureza de título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, nos termos do pretérito art.º 46.º /1, al. c) do C. P. Civil e atual art.º 703.º/1, al. c), desde que no requerimento executivo se mencionem os factos constitutivos da relação subjacente ou causal.

2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:
 
"Quanto aos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, tal como quanto a qualquer outro documento particular, nas mesmas condições, há que distinguir consoante a obrigação a que se reportam emerja ou não dum negócio jurídico formal. No primeiro caso, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não poderá constituir título executivo (arts. 221º-1 CC e 223º-1 CC). No segundo caso, porém, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime do reconhecimento da dívida (art. 458º-1 CC) levam a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa da obrigação dever ser invocada na petição executiva e poder ser impugnada pelo executado”; mas, se o exequente não a invocar, ainda que a título subsidiário, no requerimento executivo, não será possível fazê-lo na pendência do processo, após a verificação da prescrição da obrigação cartular e sem o acordo do executado (art. 272º), por tal implicar alteração da causa de pedir”.
 
A recorrente não discorda deste entendimento, como flui das suas conclusões, assentando a sua divergência apenas na circunstância de que o recorrido haja alegado essa relação causal no requerimento executivo.
 
Assim sendo, podemos concluir, tal como na decisão recorrida, que os cheques dados á execução valem como simples quirógrafos da obrigação causal ou fundamental que lhe está subjacente, sendo título executivo bastante, desde que se invoque no requerimento executivo os respetivos factos constitutivos dessa obrigação, da relação subjacente ou causal.
 
Ora, a verdade é que o exequente alegou no requerimento executivo a relação causal ou subjacente à emissão dos mencionados cheques.
 
Com efeito, aí afirmou que a executada subscreveu três cheques, cujo titular é o seu pai JC: um no valor de €10.000,00 (dez mil euros), datado de 10.10.2010, outro no valor €11.180,00 (onze mil cento e oitenta euros), datado de 30.10.2010 e outro no valor de €6.740,00 (seis mil setecentos e quarenta euros), datado de 10.11.2010, tendo sido tais cheques entregues à exequente para pagamento dos preços devidos nos Contratos designados por "Contrato de Exploração de Apartamento" e "Contrato de Aluguer de Móveis", em que o referido JC subscreveu ambos, na qualidade de fiador.
 
Assim, urge concluir que o exequente alegou os factos constitutivos da relação subjacente no seu requerimento executivo relativamente aos cheques prescritos e dados à execução. 
 
A simples menção dessa causa ou fundamento no requerimento executivo é suficiente para esse efeito, ou seja, que os cheques foram subscritos pela executada e que lhe foram entregues para pagamento dos preços devidos nesses contratos, os quais foram também por ela assinados, na qualidade de fiadora, bem como representante legal da 2.ª Outorgante (… - Sociedade Imobiliária, Turística e Hoteleira Ld.ª) e de onde decorre a obrigação de pagamento anual de €19.000,00 pela exploração do apartamento e €9.431,00 pela exploração dos móveis, pagamentos a efetuar parcialmente nos meses de junho, agosto e setembro de cada ano, como decorre desses contratos.
 
Como se refere na decisão recorrida, “resulta assente que os cheques foram entregues ao exequente para pagamento das obrigações decorrentes dos contratos juntos aos autos, o que a executada acaba por assumir em sede de embargos quando invoca o vício da nulidade dos próprios contratos”. 
 
Acresce que a recorrente não questiona a sua assinatura nos cheques, sua entrega ao exequente e subscrição dos contratos em causa na qualidade de fiadora e única responsável pelo pagamento das quantias (rendas) mencionadas nesses contratos, reconhecendo que nas referidas datas manifestou junto do exequente a intenção de pagar as quantias que no mesmo constam. 
 
Decorrentemente, os citados cheques, enquanto documentos particulares, mostram-se assinados pela recorrente, importando o reconhecimento de dever as quantias pecuniárias aí inscritas, ou seja, foi devidamente individualizada a obrigação subjacente, causal ou fundamental – pagamento das rendas mencionadas nos contratos identificados.
 
Assim, não tem razão a recorrente ao afirmar que o exequente não fez “qualquer alegação concreta e detalhada dos factos por detrás da emissão daquele documento de reconhecimento de dívida”.

Resumindo, os cheques dados à execução constituem documentos particulares revestidos das características indicadas no artigo 46º, nº 1, alínea c) do C. P. Civil, ou seja, têm a natureza de título executivo e a necessária exequibilidade.

E deles decorre igualmente a legitimidade da recorrente para a execução, tendo presente o disposto no art.º 55.º/1 do C. P. Civil, pois que a execução foi instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor."
 
[MTS]