"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



05/01/2017

Jurisprudência (524)


Extinção da execução;
embargos de executado; subsistência


1. O sumário de RE 22/9/2016 (71/13.0TBETZ-A.E1) é o seguinte:


I - Pretendendo o embargante com a oposição à execução colocar em causa o próprio título executório, visando a improcedência total ou parcial da execução, a inutilidade superveniente da sua pretensão só ocorre se, por via de um comportamento concludente como é o pagamento voluntário da quantia exequenda, aceita o direito do credor talqualmente este se encontra representado no título executivo (artigo 849.º, n.º 1, alínea a) do CPC).
 
II - Se, porém, a execução for extinta por qualquer uma das demais razões que a lei actualmente consagra, designadamente por não ser possível encontrar bens ou porque os encontrados não são suficientes para a satisfação do interesse do credor, podendo a instância executiva ser posteriormente renovada, não se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto aos embargos de executado tempestivamente deduzidos, devendo os autos prosseguir para apreciação do respectivo mérito, como for de direito.
 

2. Tem interesse conhecer esta parte da fundamentação do acórdão:

"[...] como claramente resulta dos n.ºs 4 e 5 do artigo 732.º do CPC, a oposição à execução mediante embargos é dependência do processo executivo, daí que a procedência dos embargos extinga a execução, no todo ou em parte, constituindo a decisão de mérito proferida nos embargos à execução, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.

O efeito principal dos embargos consiste, pois, na extinção definitiva da execução, no todo ou em parte, por efeito do caso julgado formado pela decisão proferida neste enxerto de carácter declarativo, situação diversa da extinção da execução que não tem aquele alcance, podendo ser renovada a execução nas situações contempladas na lei, sendo que no actual regime do processo executivo tal extinção nem sequer ocorre por via de despacho judicial. 

Relembramos esta distinção entre a acção executiva e a natureza dos embargos enxertados na mesma, porquanto a mesma tem que estar necessariamente subjacente na decisão do caso vertente.

Como vimos, a instância de embargos foi julgada extinta por inutilidade superveniente da lide, na sequência da extinção da execução pela Senhora Agente de Execução.

Porém, apesar de o processo de oposição à execução estar funcionalmente ligado ao processo executivo, de que constitui apenso, e consequentemente, a extinção da instância num deles poder determinar a extinção do outro, nem sempre tal pode acontecer, sendo esta conclusão evidente se tivermos presente o sobredito quanto à natureza de um e outro processo.

Assim, se a procedência dos embargos extingue a execução no todo ou parte (artigo 732.º, n.º 4, do CPC), tornando inútil o respectivo prosseguimento, já a extinção da execução só torna supervenientemente inútil a oposição por embargos que à mesma tenham sido deduzidos, quando tal extinção seja definitiva por ter ocorrido o pagamento da quantia exequenda, em qualquer uma das modalidades possíveis (artigos 795.º, n.º 1, e 846.º do CPC), ou seja, por ter sido conseguida a satisfação do credor [...]


Em reforço do que acabamos de concluir note-se que, mesmo a situação relativa à desistência do exequente, que é outra causa de extinção da execução, se estiverem pendentes embargos de executado, depende da aceitação do embargante (artigo 848.º do CPC), ou seja, o legislador deixa na esfera deste a apreciação da manutenção ou não do respectivo interesse no prosseguimento dos embargos.

Na verdade, pretendendo o embargante com a oposição à execução colocar em causa o próprio título executório, visando a improcedência total ou parcial da execução, a inutilidade superveniente da sua pretensão só ocorre se, por via de um comportamento concludente como é o pagamento voluntário da quantia exequenda, aceita o direito do credor talqualmente este se encontra representado no título executivo (artigo 849.º, n.º 1, alínea a) do CPC).

Se assim não for, ou seja, se a execução for extinta por qualquer uma das demais razões que a lei actualmente consagra, designadamente por não ser possível encontrar bens ou porque os encontrados não são suficientes para a satisfação do interesse do credor (artigos 797.º e 750.º, n.º 2, do CPC), podendo a instância executiva ser posteriormente renovada caso venham a ser encontrados e indicados bens penhoráveis que possam satisfazer integral ou parcialmente o referido desiderato (artigos 850.º, n.º 5 e 849.º, n.º 1, alíneas c), d) e e), do CPC), então não se vê como se preenche o pressuposto da inutilidade superveniente da lide quanto aos embargos que pretendem precisamente definir se o direito representado no título existe ou se existe com a extensão que lhe foi atribuída pelo credor. [...]

[...] na situação dos autos, a manutenção do litígio que opõe exequente e executado é mais evidente porquanto houve concretização da penhora em bens do executado, ainda que estes sejam insuficientes para satisfazer no imediato a dívida exequenda.

Como é sabido, nos termos do artigo 735.º, n.º 1, do CPC, estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida exequenda. Daí que a concretização da penhora retire da esfera de disponibilidade material e jurídica do devedor os bens necessários a tornar efectiva a obrigação exequenda, que aquele voluntariamente não cumpriu, desta feita pelo valor que os bens de que o devedor é desapossado representem ou pela apreensão de quantias que alcancem o valor correspondente, ainda que obtidas fraccionadamente.

Portanto, no caso vertente, o património do executado já foi atingido pela diligência de penhora, concretizando-se o respectivo desapossamento com vista à satisfação do credor, adjudicando-se-lhe o valor penhorado, o que irá continuar a acontecer no futuro.

Desta sorte, tendo o executado deduzido tempestivamente oposição à execução, não pode manifestamente considerar-se que a mesma ficou supervenientemente inútil com a extinção condicional da execução, até porque os descontos no vencimento do executado mantêm-se e prosseguirão até ao limite mencionado na matéria de facto."


3. [Comentário] O acórdão da RE (de que foi relatora a Des. Albertina Pedroso) é um daqueles casos em que se patenteia uma evidência que, afinal, ainda estava por descobrir.

Os embargos de executado cumprem uma função de oposição a uma execução pendente, mas, como o acórdão mostra, também podem cumprir a função de prevenir a renovação de uma execução entretanto extinta. Assim, se a oposição à execução deduzida pelo executado puder obstar à renovação de uma execução extinta (o que apenas é possível saber em função do concreto fundamento alegado pelo executado), essa oposição não se torna inútil com a extinção da execução. Pelo contrário: a oposição à execução deve subsistir, embora apenas com a finalidade de prevenir a eventual renovação da execução.

Sob o ponto e vista formal (que não é o mais relevante na situação em análise), importa referir que, como decorre do disposto nos art. 779.º, n.º 5, e 850.º, n.º 5, CPC (e, em especial, da remissão para o art. 850.º, n.º 4), a execução extinta e a execução renovada são uma e mesma execução.

MTS