Embargo de obra nova;
requisitos
I – Estabelecendo o artigo 397.º, n.º 1, do CPC, entre os fundamentos do embargo, como um dos requisitos do respetivo decretamento, que o ato iniciado – obra, trabalho ou serviço – seja novo, é de rejeitar a peticionada ratificação de embargo realizado por via extrajudicial de obra que não apresenta inovação relativamente à situação preexistente;
II – A rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto importa se considere prejudicada a apreciação de questão de direito suscitada na apelação, se solução preconizada se baseia na peticionada modificação de determinado facto considerado indiciariamente assente;
III - A improcedência da apelação deduzida, com a consequente manutenção da decisão recorrida, importa se considere prejudicada a apreciação das questões que integram a ampliação do objeto do recurso requerido pelo recorrido.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Está em causa, no presente recurso, embargo extrajudicial de obra nova realizado pelos requerentes, cuja ratificação foi rejeitada pela decisão recorrida, por se ter entendido que a matéria de facto indiciariamente apurada não preenche os requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida.
Considerou a 1.ª instância que não decorre da matéria de facto tida por indiciariamente assente que os trabalhos iniciados pelo requerido, cujo embargo extrajudicial foi realizado, constituam uma obra nova, pelo que se concluiu não se encontrarem preenchidos os requisitos de que depende a ratificação de tal embargo.
No que respeita aos motivos pelos quais assim se entendeu, extrai-se da decisão recorrida o seguinte:
(…) considera-se que in casu falece o pressuposto da «obra nova».O requerido afasta este pressuposto sustentando que a intervenção realizada no prédio dos autos não configura inovação, mas apenas e só uma intervenção destinada a conservar e recuperar o património já existente.Neste conspecto, apurou-se indiciariamente que, o requerido removeu o portão existente na frente do prédio e demoliu um dos pilares laterais que o suportavam, assim como demoliu parte do muro da frente. Na parte de trás do prédio, o requerido iniciou a construção de duas sapatas. Este, o estado da obra no momento em que foi comunicado o embargo.Ressuma, ainda, da matéria de facto indiciada que a obra que o requerido pretendia realizar no prédio, na parte de trás, era a colocação de um portão sustentado em dois postes metálicos, facilmente amovíveis, que assentariam em duas sapatas, e tanto assim que isso mesmo veio a executar, colocando o portão que existia na parte da frente (e que substituiu por um novo) na parte de trás.Já na parte da frente do prédio, o requerido pretendia substituir o portão existente por um novo, e restaurar o muro e os pilares – e isso mesmo veio a concluir – sendo que esse portão encontrava-se velho, enferrujado e degradado, e o muros e os pilares, por seu turno, apresentavam aspecto envelhecido, rachas profundas e extensas, e algumas fracturas.Assim sendo, é manifesto que, na parte da frente, não há novidade nenhuma: o que o requerido pretendeu fazer, e veio a concluir de facto, ressume-se a uma mera obra de conservação e restauração de infra-estruturas já existentes: o muro, os pilares e o portão.Relativamente à obra levada a cabo na parte de trás, não se vê como a colocação de um portão (com aproveitamento do portão substituído na parte da frente) sustentado em dois postes metálicos, facilmente amovíveis – e portanto sem que se possa sequer concluir que estão incorporados no prédio, e ainda considerando que o acesso ao prédio se fazia habitualmente pelo portão da frente – tenha relevância suficiente para constituir uma inovação para efeitos da presente providência cautelar.Para que esta providência cautelar possa ser decretada é, pois, necessário que esteja em causa uma obra, trabalho ou serviço efectivamente novo, ou seja, que implique uma modificação substancial da coisa (v.g. a abertura de novas portas ou janelas, demolição de paredes ou remoção de cobertura, ou reconstrução de um edifício em ruínas com diferente volumetria ou com novos pisos).O embargo de obra nova não está ao alcance dos interessados para interferir com obras de meras modificações superficiais (em que incluímos a colocação de um portão nas traseiras, facilmente amovível) ou a mera reconstrução de uma situação pré-existente, em que não há inovação alguma, ou seja, quando se trate de reprodução ou repetição, pura e simples, de facto anterior […].Com este fundamento, impõe-se julgar improcedente a presente providência cautelar e, em consequência, prejudicado fica o conhecimento dos demais pressupostos legais da providência sub iudice, assim como de todas as demais questões suscitadas pelas partes.
Discordando deste entendimento, os apelantes sustentam, quanto à obra em curso na parte da frente do prédio, que a lei não faz depender o decretamento da providência requerida da existência de uma inovação relativamente à situação preexistente e, quanto à construção iniciada nas traseiras do imóvel, que as sapatas e os postes metálicos que suportam o portão aí colocado, após remoção da parte da frente do prédio, não são facilmente amovíveis, conforme se consignou, defendendo se considere preenchido o pressuposto da ratificação do embargo extrajudicial tido por não verificado.
Vejamos se lhe assiste razão.
O procedimento cautelar de embargo de obra nova encontra-se regulado nos artigos 397.º a 402.º do CPC.
Permite o n.º 1 do artigo 397.º, àquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente; acrescenta o n.º 2 do preceito que o interessado pode também fazer diretamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar; esclarece o n.º 3 que o embargo previsto no número anterior fica, porém, sem efeito se, dentro de cinco dias, não for requerida a ratificação judicial.
Visando suspender a execução de obra, trabalho ou serviço que cause ou ameace causar prejuízo ao requerente, até à decisão definitiva do litígio no âmbito da ação principal, o embargo de obra nova consiste numa providência cautelar de natureza conservatória, destinada a evitar a ofensa do direito do requerente ou o agravamento do respetivo prejuízo.
Da análise do n.º 1 do citado artigo 397.º decorre que são requisitos cumulativos do decretamento desta providência cautelar especificada os seguintes: i) encontrar-se em curso obra, trabalho ou serviço novo; ii) ofensa do direito de propriedade, singular ou comum, de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou da posse do requerente, em resultado daquela obra; iii) verificação de prejuízo ou ameaça de prejuízo causado pela obra.
Face ao objeto do recurso, cumpre aferir, antes de mais, se a factualidade indiciariamente assente preenche o primeiro dos indicados requisitos, isto é, se permite concluir que se encontrava em curso, aquando da realização do embargo extrajudicial, no prédio rústico identificado no ponto 2 de 2.1.1., obra, trabalho ou serviço novo.
Encontra-se indiciariamente assente que, aquando da realização do embargo extrajudicial, o requerido: i) havia removido o portão existente na frente do prédio, demolido um dos pilares laterais que o suportavam e demolido parte do muro da frente; ii) na parte de trás do prédio, iniciara a construção de duas sapatas destinadas a suportar dois postes metálicos para albergar um portão.
Mais se apurou que, após o embargo, o requerido prosseguiu os trabalhos, tendo: i) na parte da frente do prédio, reconstruído o muro e o pilar que havia demolido, bem como substituído o portão removido por um portão novo; ii) colocado na parte de trás o portão que removera da parte da frente, sustentado em dois postos metálicos facilmente amovíveis.
No que respeita à parte da frente do prédio, decorre desta factualidade que o requerido removeu o portão aí colocado, que substituiu após o embargo extrajudicial por um portão novo, bem como demoliu um dos pilares que o suportavam e parte do muro, os quais veio a reconstruir depois do embargo, assim concluindo a obra iniciada.
Extrai-se dos pontos 8 e 9 de 2.1.1. que o portão substituído se encontrava velho, enferrujado e degradado, sendo que o muro e os pilares que existiam na parte da frente do prédio apresentavam aspecto envelhecido, rachas profundas e extensas, e algumas fraturas. Consta do ponto 11, por seu turno, que o prédio rústico em causa tem sido usado pelo requerido, para cultivo, desde há 30 anos aproximadamente, na sequência de lho ter o seu pai disponibilizado para o efeito.
A análise que a 1.ª instância efetuou destes elementos mostra-se acertada, ao considerar que se trata de uma mera obra de conservação e restauro de infraestruturas já existentes – o muro, os pilares e o portão – e não de uma obra nova, nos termos previstos no artigo 397.º, n.º 1, do CPC.
Os apelantes, sem colocarem em causa a ausência de inovação relativamente à situação preexistente, defendem que a lei não faz depender de tal requisito o decretamento da providência requerida.
Não lhes assiste, porém, razão, dado que a posição que defendem não tem em conta os fundamentos do embargo constantes do n.º 1 citado artigo 397.º, na parte em que estabelece como requisito do respetivo decretamento que o ato iniciado – obra, trabalho ou serviço – seja novo.
Esclarece Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, Coimbra, Almedina, 2001, pág. 228) o seguinte: «A ‘novidade’ que entra na qualificação do procedimento implica que apenas possam ser embargadas obras que impliquem uma modificação substancial da coisa e não se traduzam em meras modificações superficiais ou na mera reconstrução de uma situação preexistente».
Em anotação ao aludido artigo 397.º, explicitando o sentido da previsão legal, no que respeita à referência a «obra, trabalho ou serviço novo», José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 166) afirmam: «Para que possa ser considerada nova, a obra tem de inovar relativamente ao estado anterior. Assim não pode ser tida por obra nova a retomada da extração de minério (…), a reconstituição dum edifício destruído por incêndio (…) ou a reparação de paredes e a substituição de telhados e pisos».
No mesmo sentido, afirma Marco Carvalho Gonçalves (Providências Cautelares, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 282) o seguinte: «(…) para que possa ser decretado o embargo de obra nova, torna-se ainda necessário que esteja em causa uma obra, trabalho ou serviço efetivamente “novo”, isto é, que implique “uma modificação substancial da coisa”, não sendo, por isso, admissível o recurso a este meio cautelar para o embargo de uma obra que se traduza em “meras modificações superficiais ou na mera reconstrução de uma situação preexistente”. Com efeito, o embargo de obra nova só pode ser requerido contra a execução de “obras relevantes”, encontrando-se excluídas as “meramente secundárias, os acabamentos ou o aproveitamento de obras anteriores” (por exemplo, substituição de um telhado, reparação de uma parede ou reconstrução de um edifício).
Assente que os atos iniciados na parte da frente do prédio – remoção do portão, demolição de um dos pilares laterais que o suportavam e demolição de parte do muro da frente –, visando a substituição do portão, que se encontrava enferrujado e degradado, por um portão novo, bem como a reconstrução de um dos pilares que suportavam o portão e de parte do muro, que apresentavam aspecto envelhecido, rachas e fraturas, não configuram uma inovação relativamente à situação preexistente, tal impede se considere preenchido o aludido pressuposto de que depende a ratificação judicial do embargo extrajudicial, no que se reporta a tais atos, conforme decidiu a 1.ª instância.
No que respeita à parte de trás do prédio, decorre da factualidade apurada que, aquando da realização do embargo extrajudicial, o requerido havia iniciado a construção de duas sapatas destinadas a suportar dois postes metálicos para albergar um portão, o que veio a concluir após o embargo, colocando nas traseiras do prédio o portão que removera da parte da frente, sustentado em dois postos metálicos facilmente amovíveis.
Considerou a 1.ª instância que, relativamente à obra levada a cabo na parte de trás, não se vê como a colocação de um portão (com aproveitamento do portão substituído na parte da frente) sustentado em dois postes metálicos, facilmente amovíveis – e portanto sem que se possa sequer concluir que estão incorporados no prédio, e ainda considerando que o acesso ao prédio se fazia habitualmente pelo portão da frente – tenha relevância suficiente para constituir uma inovação para efeitos da presente providência cautelar. Pelo motivo exposto, foi considerado não preenchido o requisito em apreciação, de que depende a ratificação judicial do embargo extrajudicial.
No que respeita à construção iniciada nas traseiras do imóvel, os apelantes baseiam a solução que preconizam na alteração da factualidade considerada indiciariamente assente, por via da modificação do ponto 7 de 2.1.1. – com a redação: Concretamente, para concluir a obra, o requerido reconstruiu o muro e o pilar que havia demolido, e substituiu o portão existente na parte da frente do prédio por um novo, e na estrema das traseiras do prédio, colocou o portão removido da parte da frente, sustentado em dois postes metálicos facilmente amovíveis –, preconizando lhe seja atribuída a redação seguinte: «Concretamente, para concluir a obra, o requerido reconstruiu o muro e o pilar que havia demolido, construiu um novo pilar para assentar o portão da frente do prédio aumento a área da entrada em, pelo menos, um metro linear e substituiu o portão existente na parte da frente do prédio por um novo, e na estrema das traseiras do prédio, colocou o portão removido da parte da frente, sustentado em dois postes metálicos assentes em sapatas, não removíveis».
Rejeitada a modificação da decisão de facto, designadamente do aludido ponto da matéria tida por indiciariamente assente, mostra-se prejudicada a apreciação da solução defendida pelos apelantes, no que respeita aos atos executados nas traseiras do prédio.
Efetivamente, a solução que os recorrentes defendem para esta parte do litígio assenta na alteração da factualidade considerada indiciariamente assente, por via da modificação da redação do ponto 7; rejeitada tal modificação da matéria de facto, não defendem qualquer alteração da matéria de direito, no que respeita à questão indicada, a apreciar na hipótese de se manter a factualidade fixada pela 1.ª instância.
Verifica-se, assim, que a não alteração da factualidade considerada indiciariamente assente importa se considere prejudicada a apreciação da questão da verificação dos pressupostos do decretamento da providência requerida, no que respeita aos atos executados nas traseiras do prédio.
Como tal, cumpre considerar acertada a decisão recorrida, ao ter como não preenchido o aludido requisito necessário ao decretamento da providência requerida."
MTS
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