Citação edital;
dupla conforme
A fundamentação do acórdão que confirma, por unanimidade, a sentença do tribunal de 1ª instância, apenas tem fundamentação essencialmente diferente, para efeitos do disposto no artigo 671º n.º 3 do CPC, quando a fundamentação da Relação tenha assentado, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam fundamentado e justificado a sentença da 1ª instância, sendo irrelevantes para esse efeito, discrepâncias marginais e secundárias e o reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada na sentença apelada.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"A questão a decidir [na reclamação apresentada para a conferência] é apenas a de saber se a fundamentação do acórdão recorrido é (ou não) essencialmente diferente da sentença confirmada, sem voto de vencido.
I) O despacho reclamado, na sua parte decisória, apresenta o seguinte teor:
"Considerando ser entendimento pacífico que a fundamentação do acórdão que confirma, por unanimidade, a sentença do tribunal de 1ª instância, apenas tem fundamentação essencialmente diferente, quando a fundamentação da Relação tenha assentado, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam fundamentado e justificado a sentença da 1ª instância, sendo irrelevantes para esse efeito, discrepâncias marginais e secundárias e o mero reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada na sentença apelada, entende-se que, no caso presente, se verifica a dupla conforme ( cf. neste sentido, a título exemplificativo, o recente acórdão do STJ de 10.04.2024, processo n.º 476/10.9TJCBR-AE.C1-A.S1, relator Luís Espírito Santo e os vários nele citados).Na verdade, as decisões da 1ª e 2ª instância, decidiram a questão da regularidade ou não da citação do Embargante, para os termos da ação declarativa onde foi proferida a sentença exequenda, especificamente se na ação declarativa se fez uso indevido da citação edital, tendo ambas decidido, em síntese, que da factualidade julgada provada que foram observadas as diligências previstas no artigo 236º do CPC e consequentemente não ter sido ilegalmente ordenada a citação edital, e ainda que a citação edital respeitou as formalidades legais, nos termos dos artigos 240º e 241º do CPC. concretamente na afixação do edital na porta da residência conhecida do Embargante.A circunstância do acórdão recorrido ter aprofundado a fundamentação e aditado argumentos não considerados na sentença da 1ª instância, designadamente rebatendo a argumentação do Apelante quanto a ter havido incumprimento do artigo 240 n.º 2 do CPC, na fixação do edital, por alegadamente ser errada a identificação da residência do Embargante, tendo argumentado que, “em sentido comum, uma fração autónoma situada no «5º Esq.» ou no «5º E» de um prédio são a mesma e única fração autónoma” Diferente seria se, por absurdo, existissem de facto duas frações autónomas no mesmo prédio e andar, uma com a indicação de «Esq.» outra com a indicação de «E». Não é o caso, nem tal foi alegado,” não afasta estar-se perante fundamentação essencialmente coincidente nas duas instâncias.Há, pois, dupla conforme (artigo 671 nº 3, do CPC) e tendo sido o acórdão proferido, sem voto de vencido, não é admissível, revista ordinária.No entanto, verificando-se os requisitos gerais de admissibilidade da presente revista, quais sejam, a legitimidade de quem recorre (artigo 631º do CPC), ser a decisão proferida recorrível (artigos 671º n.º 1 e 854º do CPC ), ter sido o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito (artigo 638º do CPC), ser admissível em função do valor da causa e da sucumbência (artigo 629º nº 1 do CPC), os autos serão remetidos à Formação, para apreciação da admissibilidade da revista excecional, como requer o Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 672º nº 3 do CPC.”
II -O acórdão recorrido manteve a factualidade julgada provada na 1ª instância.
A fundamentação de direito da sentença da 1ª instância é a seguinte (extratos relevantes):
“A presente oposição tem como fundamento o disposto na alínea d) do art. 729.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, isto é, a “falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo.” (…)A omissão dos deveres de informação e entrega estabelecidos no art. 227.º do Código de Processo Civil, determina, em regra, a nulidade da citação, nos termos do art. 191.º, n.º 1 do mesmo código. (….)Há, pois, nulidade da citação quando – apesar do conhecimento ou, pelo menos, da cognoscibilidade do acto pelo citando que actue com a diligência devida – não foram integralmente respeitadas, na sua realização, as formalidades prescritas na lei, designadamente, as estabelecidas no art. 227.º do Código de Processo Civil. (…)Nos termos do n.º 1 do art. 188.º do Código de Processo Civil, há falta de citação: (…)
c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital;
Como se sustenta no acórdão da RL de 02.07.2013, proferido no âmbito do processo n.º 9838/08.0YYLSB.L1-A, “As causas de falta de citação, na prática, reconduzem-se a um único fundamento, isto é, à demonstração que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável, impendendo, sobre o citando o ónus de o invocar e demonstrar.”.
Como se viu, o uso indevido da citação edital integra umas das situações que a lei comina como falta de citação (art. 188.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil).E compreende-se que assim seja, dado que a “citação edital é um meio precário e contingente de chamar o réu a juízo para se defender” (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, p.422). Sendo um meio menos garantístico de interpelação judicial do que a citação pessoal, foi intenção do legislador reduzir o mais possível a sua utilização, dada a elevada probabilidade de o réu não vir a ter conhecimento da citação, ou não ter conhecimento dela em tempo útil.Daí que previamente à opção pela citação edital, se tenham de observar as diligências previstas no art. 236.º do Código de Processo Civil. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, p. 226) indicam algumas das situações em que ocorre uso indevido da citação edital: a) (…)d) Citação determinada sem que tenham sido efectuadas as diligências previstas no art. 236.º Acrescentam aqueles autores que “quando a citação edital tenha sido determinada pela verificação judicial de uma situação formal de ausência ou de incerteza justificada a partir dos elementos que foram recolhidos, não parece que possa considerar-se que tenha sido indevidamente seguida a citação edital. Quando o autor tenha prestado todas as informações por si detidas e quando o tribunal tenha cumprido todos os preceitos formais exigíveis perante o circunstancialismo concreto e, apesar disso, seja induzido a adquirir a errada convicção sobre a efetiva ausência ou incerteza dos citandos, não deve afirmar-se a nulidade correspondente à falta de citação.” (ob. e loc. cit.) (…)
Prescreve o art. 236.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ausência do citando em parte incerta”, que: (…)Conforme decorre do n.º 1, in fine do citado preceito, a obtenção de informação acerca do paradeiro do citando através de diligências a realizar pelas autoridades policiais, apenas deve ocorrer quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da citação edital (o mesmo regime já resultava do art. 244.º, n.º 1 do Código de Processo Civil de 1961).E compreende-se tal restrição ao auxílio das autoridades policiais para obtenção de informação acerca do paradeiro do citando, dada a delicadeza desse género de intervenção, por estarmos no âmbito de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos. Com efeito, tal intervenção só deve ocorrer quando o juiz o considere absolutamente indispensável, dependendo tal ponderação, portanto, de um juízo de absoluta necessidade de intervenção policial, perante as circunstâncias do caso concreto.A realização de diligências junto da entidade policial depende da formulação de um juízo prévio de absoluta indispensabilidade, tendo em vista decidir se é caso de ordenar ou não a realização da citação edital.Desta forma, não parece que a lei permita o pedido de auxílio às autoridades policiais de forma arbitrária, dado que tais entidades não têm no seu escopo a realização de investigações em que apenas se discutem interesses privados.Quer isto dizer que se o juiz concluir pela desnecessidade do recurso às autoridades policiais para decidir da citação edital, tal como aconteceu no caso em apreço, essa decisão não pode acarretar a nulidade do acto.Por outro lado, compulsados os autos declarativos, verifica-se que a citação edital respeitou integralmente a tramitação prevista no art. 236.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, porquanto, para além de se terem realizado as pesquisas nas bases de dados a que alude o citado preceito, a afixação dos editais decorreu com observância da tramitação prevista nos artigos 240.º e 241.º do mesmo código, pelo que não se verifica qualquer irregularidade na tramitação da citação edital.No que concerne aos resultados obtidos nas bases de dados, ponderou-se no ac. da RE de 06.10.2016 (www.dgsi.pt), “Se nas autoridades e serviços indicados no art.º 236.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil, não existe morada actualizada do réu, porque este nunca a actualizou nos diversos serviços, não é necessária a obtenção de informações junto da autoridade policial para se realizar a citação edital.”Na verdade, repare-se que na data em que se procederam às pesquisas nas bases de dados do tribunal (em 2015), em três delas ainda constava como morada o réu a “Rua ...”, quando o próprio executado admite que residiu naquela morada até 1999.Perante o exposto, não se pode concluir pela irregularidade da citação edital concretizada nos autos declarativos, o que determina a improcedência da presente oposição à execução, determinando-se o prosseguimento da execução.”
Por outro lado, a fundamentação do acórdão recorrido é, no essencial, a seguinte:
“Não vemos razão para discordar do acerto da decisão recorrida; senão, vejamos: ( …)Invoca, em primeiro lugar, o embargante que no âmbito dos autos de acção declarativa, não foi ordenada a citação por funcionário judicial na sede da entidade patronal do réu, “P..., Lda”.27. O embargante trabalha na firma “P..., Lda”, sita na Quinta de ..., desde 1993 até à presente data.Apurou-se, a este respeito, que:
7. Na base de dados da Segurança Social foi ainda apurada que a entidade patronal do réu, “P..., Lda”, tem a sua sede na “Quinta de ...”.14. Por requerimento datado de 18.11.2015, o autor Fundo de Garantia Automóvel requereu que se procedesse à citação do réu, na sociedade “P..., Lda, sita na Quinta ...”.15. Em 23.11.2015 a secção de processos remeteu carta registada com aviso de recepção para citação do réu AA, para a morada sita em “P..., Lda, sita na Quinta ...”, carta que veio devolvida com a indicação de "Não reclamado".16. Por requerimento datado de 15.12.2015, o autor Fundo de Garantia Automóvel requereu que se procedesse à citação do réu, na sociedade “P..., Lda, sita na Quinta ...”.17. Em 16.12.2015 a secção de processos remeteu carta registada com aviso de recepção para citação do réu AA, para a morada sita em “P..., Lda, sita na Quinta ...”, carta que veio devolvida com a indicação de "Objecto não reclamado".
Do exposto, resulta que, apesar de se terem obtido duas moradas para a entidade patronal do executado, as cartas enviadas com vista à citação postal no local de trabalho, vieram ambas devolvidas, com a indicação de «objecto não reclamado».
Acresce que a morada constante da base de dados da Segurança Social não corresponde à morada que agora se apurou ser a do seu local de trabalho (os números de polícia são distintos), pelo que a diligência de citação por funcionário judicial ou agente de execução, sempre seria infrutífera.
Improcede, pois, esta argumentação."
[MTS]
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