"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/05/2020

AECOPs e compensação: que tal simplificar o que é simples?


1. Dois recentes acórdãos (Ac. 1: RG 5/3/2020 (104469/18.2YIPRT.G1); Ac. 2: RG 5/3/2020 (3298/16.9T9VCT-B.G1)) voltaram a tratar do tema da dedução da compensação nas AECOPs e voltaram a defender que nesta acções a compensação não pode ser deduzida por via de reconvenção. Dos respectivos sumários transcreve-se o seguinte:

-- Ac. 1: I. Nas acções em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não deve ao réu ser coarctada a possibilidade invocar a compensação, devendo o seu tratamento ser, nesses casos, o da excepção peremptória.

-- Ac. 2: 2. Nestas ações especiais não pode vir a ser admitida a reconvenção, também: nem pela via da norma remissiva do art.549º/1 do CPC, uma vez que não existe lacuna da lei na tipificação do regime processual da ação especial; nem por força da adequação formal, nos termos dos arts.6º e 547º do CPC, uma vez que a referida adequação não serve para resolver de forma estrutural a possibilidade de dedução de pedidos reconvencionais nas ações especiais limitadas a dois articulados, sempre que os réus nas mesmas tivessem vontade e fundamento para formular um pedido reconvencional, nos termos do art.266º/2 do CPC.

3. Nestas ações especiais, em que não é admissível a reconvenção, o réu que pretenda invocar a compensação de créditos, pode defender-se por via de exceção perentória contra o pedido e o direito invocado pelo autor, pois: a compensação dos arts.847º ss do CC é uma exceção extintiva, nos termos dos arts.395º e 342º/2 do CC e do art. 571º/2- 2ª parte do CPC; a exceção assegura os direitos constitucionais de defesa do réu, nos termos do art.20º/1 da Constituição da República Portuguesa, e conduz ao equilíbrio entre os dois direitos em discussão (o direito do autor em obter a celeridade na discussão e decisão sobre o crédito por si invocado, o direito do réu se defender contra o crédito invocado pelo autor).
 

Volta-se ao tema, porque, como aliás resulta dos referidos acórdãos, se tem procurado justificar a solução da via da excepção com um enorme aparato dogmático, quando afinal há uma solução que não só é muito mais simples, como é a única que é constitucional.

2. A proposta que, dentro de um espírito de back to the basics, agora se deixa é simplificar o que é simples. Em concreto, o que se propõe é que a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção e que o devido contraditório do autor pode ser feito em articulado próprio.

Para se chegar a esta solução basta aplicar a lei (nomeadamente, os art. 266.º, n.º 2, al. c), e 584.º, n.º 1, CPC, ex vi do art. 549.º, n.º 1, CPC) e respeitar o princípio da igualdade das partes em processo civil (art. 4.º CPC). É simples por isto mesmo: resulta da lei. Não precisa de nenhuma argumentação destinada a demonstrar que afinal o que decorre do CPC não é aplicável.

Em contrapartida, defender que nas AECOPs a compensação deve ser deduzida por via de excepção cria o seguinte dilema:

-- Ou, tal como na solução da dedução da compensação ope reconventionis, se admite um articulado de resposta do autor, e, então a solução é puramente nominalista;

-- Ou, se se entende que a dedução da compensação por via de excepção, se destina a não permitir o exercício do contraditório do autor em articulado próprio, então a solução é manifestamente inconstitucional, porque viola o princípio da igualdade das partes (art. 4.º CPC): enquanto o crédito alegado pelo autor é contestado num articulado próprio, o crédito invocado pelo réu é contestado no início da audiência final; ora, como é claro, se a lei permite a escolha da AECOP pelo autor, não é certamente "em troca" de uma diminuição das garantias do seu contraditório.

Este aspecto tem passado completamente despercebido aos defensores da dedução da compensação por via de excepção, mas é crucial. O art. 4.º CPC impõe expressamente que o tribunal assegure um estatuto de igualdade substancial entre as partes. Ora, o que resulta da orientação de que a compensação deve ser deduzida por via de excepção? Conhece-se a resposta: que o contraditório do autor quanto ao crédito alegado pelo réu tem um regime diferente daquele que vale para o crédito alegado pelo autor contra o réu. Enfim, um claro desrespeito do comando do art. 4.º CPC e uma clara violação do princípio da igualdade das partes.

Nestes termos, o autor que se sinta prejudicado com a interpretação do regime da AECOP, que lhe coarcte a possibilidade do exercício do contraditório em condições de igualdade com aquelas que esse regime garante ao réu, pode invocar a inconstitucionalidade da referida interpretação, salvaguardando o eventual recurso para o TC.

3. Em conclusão: que tal simplificar o que é simples, aplicar a lei e assegurar a constitucionalidade da solução?

MTS