"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/05/2020

Jurisprudência 2019 (236)


Prova por declarações de parte;
relações jurídicas indisponíveis*


1. O sumário de RP 26/11/2019 (1502/18.8T8VCD-A.P1) é o seguinte:

I – No processo civil moderno, como princípio geral deverá sempre privilegiar-se a opção maximalista de recolha de todos as provas que se revelem pertinentes ao apuramento da realidade fáctica sob escrutínio.

II – Por isso, ainda que estejam em causa direitos indisponíveis insusceptíveis de confissão, não se nos afigura justificável a proibição de um depoimento de parte que, sem prejuízo da evidente parcialidade, tem necessariamente um conhecimento directo dos factos essenciais em litígio.

III – A mera circunstância de um dado meio de prova não poder vir a ter o valor probatório da confissão não implica que não deva ser livremente avaliado. Neste pressuposto, tal avaliação deve poder ser requerida por uma parte em relação à outra, independentemente de o tribunal igualmente também a poder determinar.

IV – Deste modo, numa acção de divórcio, desde que requerida em momento temporalmente adequado, é admissível o depoimento de parte requerido pela contraparte.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"No novo Código de Processo Civil surgiu, como é consabido, a consagração das declarações de parte como um novo meio de prova. Na Exposição de Motivos, justifica-se o novo meio de prova desta forma: “Prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão.” E é isto que está em causa no caso em apreço não fazendo mais sentido, a nosso ver, vedar à parte contrária àquela que depõe este valoroso instrumento processual.

É certo que, como bem se explica na decisão recorrida, caso a parte declarante confesse algum facto, essa confissão seria sempre ineficaz; todavia, em situações fácticas, como as atinentes às acções de divórcio, muitas vezes vivenciadas apenas pelos próprios litigantes, tal constrangimento não arreda a conveniência manifesta da produção deste meio de prova, devendo o tribunal atribuir, a montante, as devidas condições de admissibilidade formal.

Como se diz na Exposição dos Motivos do novo Código esta valoração apenas não é livre na parte em que não represente confissão – nos depoimentos em que não estejam em causa direitos indisponíveis a confissão será operativa, reduzindo-se a escrito, por assentada, o teor da mesma; caso estejam em causa os tais direitos indisponíveis será ineficaz mas ficando sempre tudo o demais para ser livremente valorado pelo tribunal após escrutínio das partes.

Se, em geral, hoje o depoimento de parte é um meio probatório aceite como qualquer outro, pese a parcialidade manifesta do mesmo, não se vislumbram motivos para o arredar nestes processos relativos a direitos indisponíveis; tal apenas faria sentido caso estivesse subentendida uma realidade processual legal que nos parece hoje inexistir –a de que as declarações de parte apenas servem para encontrar factos que a mesma confesse.

E, sendo assim como julgamos dever ser, terá que se conceder aos litigantes – legitimamente aqueles a quem cabe o impulso processual numa dinâmica de processo liberal que dá primazia ao princípio do dispositivo – a faculdade de demandarem directamente por tal meio probatório."

*3. [Comentário] O acórdão reflecte o que corresponde, segundo se julga, à jurisprudência consolidada na matéria.

No acórdão cita-se o post Prova por declarações de parte; relações jurídicas indisponíveis, o que, naturalmente, cabe agradecer.

MTS