"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/02/2021

Paper (456)


-- Enoch, D. / Spectre, L., Statistical Resentment: Or, What’s Wrong with Acting, Blaming, and Believing on the Basis of Statistics Alone (SSRN 01.2021)



26/02/2021

Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.01.2021


 
[Para aceder ao texto clicar em Urbano A. Lopes Dias]


Jurisprudência 2020 (157)


Falta de citação; arguição;
convolação*

1. O sumário de RL 14/7/2020 (574/19.2T8LRS.L1-7) é o seguinte:

I– Embora a nulidade decorrente da falta de citação possa ser invocada a todo o tempo (art. 198º, nº 2 do CPC), quando o réu tome conhecimento dos factos que a sustentam antes de ocorrer o trânsito em julgado da sentença, deve suscitar tal vício mediante a dedução de incidente de arguição de nulidades perante o Tribunal de 1ª instância.

II– Se, ao invés de proceder nos termos referidos em I-, o réu invocar a nulidade ali mencionada em recurso de apelação interposto da sentença, ocorre erro no meio processual (art. 193º, nº 3 do CPC).

III– Tal erro pode e deve ser sanado pelo Tribunal da Relação, determinando-se a convolação do recurso de apelação em incidente de arguição de nulidades, e determinando-se a baixa do processo à 1ª instância, para que tal incidente seja ali apreciado e decidido (art. 193º, nº 3 do CPC).


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"3.2.–Os factos e o direito

Como já se referiu, na presente apelação vem a recorrente arguir a falta de citação, nos termos do disposto no art. 188º, al. e) do CPC, bem como a sua nulidade, conforme previsto no art. 191º, nº 1 do CPC.

Para tanto, alega que esteve afastada da sua residência por algum tempo, por ser vítima de violência doméstica, e que os atos praticados com vista à sua citação terão sido praticados quando esteve ausente da sua habitação, razão pela qual só teve conhecimento do presente processo quando regressou ao seu domicílio e foi notificada da sentença recorrida.

Mais alega que a citação com hora certa não obedeceu às formalidades legalmente previstas, pelo que é nula.

Nos termos previstos no art. 188º, al. e) do CPC, há falta de citação “quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”.

Por seu turno, resulta do disposto no 187º, al. a) do CPC, que a falta de citação gera a nulidade de todo o processado posterior à petição inicial “salvando-se apenas esta”.

Nos termos previstos no art. 198º, nº 2 do CPC, esta nulidade pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada.

Assim, a nulidade decorrente da falta de citação pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo à causa. Após este momento, nos casos em que o processo tenha corrido à revelia do réu, tal vício poderá ainda ser arguido, através de recurso extraordinário de revisão (art. 696º, al. e) do CPC).

Não obstante, haverá que ter presente que a lei prevê uma especial forma de suprimento da nulidade decorrente da falta de citação. Com efeito, estatui o art. 189º do CPC que se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.

Neste particular, os tribunais superiores têm sido chamados a apreciar a questão de saber se a mera apresentação pelo réu de requerimento com junção de procuração forense, sem formular qualquer outra manifestação de vontade, ou colocar qualquer questão ao Tribunal, configura uma intervenção processual suscetível de sanar o vício da falta de citação, nos termos e para os efeitos referidos na última disposição legal citada.


Diferentemente, noutros acórdãos sustentou-se o entendimento de que a simples junção de procuração por parte do réu não configura uma intervenção processual nos termos e para os efeitos previstos no art. 189º do CPC.


Nesta conformidade, importaria aferir se no caso dos presentes autos tal nulidade se deve ou não considerar suprida.

Não obstante, cremos que a montante dessa questão se deve colocar e decidir uma outra: quem deve apreciar e decidir a invocada nulidade decorrente da falta de citação: a 1ª instância, ou o Tribunal da Relação?

A este propósito haverá que recordar que em regra o meio processual adequado à invocação de nulidades processuais não é o recurso para o tribunal da Relação, mas a arguição de nulidades perante o Tribunal recorrido [...].

Não obstante, caso a nulidade se revele por efeito de uma decisão recorrível, então o meio próprio para a impugnar será o recurso.

Com efeito, já em 1945 ensinava ALBERTO DOS REIS [”Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pp. 507-508. Em sentido idêntico cfr. do mesmo autor, “Código de Processo Civil Anotado”, volume 1º, 3ª Ed. (reimpressão), Coimbra Editora, 2012, p. 381]:

“a arguição de nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente.

Eis o que a jurisprudência consagrou nos postulados: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.

É fácil justificar esta construção. Desde que um despacho tenha mandado praticar determinado acto, por exemplo, se porventura a lei não admite a prática dêsse acto é fora de dúvida que a infracção cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei do processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ora o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (...)”. [...]

É este também o entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores [neste sentido, cfr., por todos, ac. RL 09-05-2019 (Isoleta Almeida Costa), p. 8764/16.3T8LSB.L1-8].

Não obstante, ALBERTO DOS REIS [Ob. e vol. cits., pp. 513-514] observou ainda que o CPC de 1876 estabelecia que as nulidades de que o interessado tomasse conhecimento após a publicação da sentença e que fossem anteriores a tal momento só poderiam ser invocadas através de recurso interpostos daquela decisão; mas que o CPC1939 veio alterar esse estado de coisas, admitindo expressamente que o juiz do Tribunal de primeira instância pudesse suprir nulidades ainda que estas fossem arguidas depois de proferida sentença.

Idêntica solução foi transposta para o art. 666º do CPC1961 e consta actualmente do art. 613º do CPC2013.

Com efeito, muito embora o nº 1 deste preceito estabeleça que com a prolação da sentença o poder jurisdicional se esgota, o nº 2 ressalva a possibilidade de o juiz “suprir nulidades”.

Note-se, ainda que no caso em apreço não pode considerar-se que a sentença recorrida sanciona a nulidade ora invocada, na medida em que o vício invocado não resulta da prolação da mesma nem se revelava no momento da sua prolação.

Aliás, das alegações de recurso resulta que as nulidades invocada se estribam, pelo menos em parte, em factos que não foram invocados por qualquer das partes antes da prolação da sentença recorrida, nem resultam do processado até tal momento, pelo que carecem de prova [...].

Assim, ao socorrer-se do recurso de apelação para invocar a nulidade decorrente da falta de citação (e subsidiariamente também o vício da nulidade da citação), em vez de ter arguido tai(s) nulidade(s) perante o Tribunal recorrido, a ré incorreu em erro no meio processual – art. 193º, nº 3 do CPC.

Nas situações de erro no meio processual, o critério decisório dominante é o do máximo aproveitamento dos atos praticados, aflorado nos arts. 193º, nºs 1 e 2 e 195º, nºs 2 e 3 do CPC.

Nesta conformidade, importa determinar a convolação do recurso de apelação em incidente de arguição de nulidades, determinando a baixa do processo à 1ª instância para aí ser apreciado – Neste sentido cfr. acs. STJ 14-12-2005 (Pinto Hespanhol), p. 04S4452; RP 01-03-2010 (Paula Leal de Carvalho), p. 151/09.6TTGDM.P1; e RE 18-10-2012 (Paula do Paço), p. 1027/11.2TTSTB.E1.

Na apreciação de tal incidente caberá à primeira instância aferir da tempestividade do mesmo e dirimir a questão de saber se a falta ou nulidade da citação devem ou não considerar-se sanadas por força da junção de procuração forense pela ré.

Tudo isto, obviamente, sem prejuízo da possibilidade de a decisão a proferir pela 1ª instância no tocante a tal incidente poder vir a ser objeto de recurso."

*3. [Comentário] A RL tem o cuidado de referir que a cabe "à primeira instância aferir da tempestividade" da arguição da falta de citação.

A RL fez bem, porque, se é certo que o art. 198.º, n.º 2, CPC estabelece que a falta de citação pode ser arguida em qualquer estado do processo enquanto não deva considerar-se sanada, o art. 189.º CPC dispõe que a nulidade se considera sanada se o réu ou o MP intervier no processo sem a arguir. Assim, cabe à 1.ª instância verificar se a arguição da nulidade no momento da interposição do recurso foi tempestiva.

MTS

25/02/2021

Jurisprudência 2020 (156)


AECOP;
título executivo; oposição à execução
 

1. O sumário de RG 9/7/2020 (1039/19.8T8VNF-A.G1) é o seguinte:

I - A decisão judicial que conferiu força executiva à petição inicial apresentada em sede de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do art. 2º do Anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 01/09, constituiu uma sentença condenatória.

II - Há uma significativa diferença entre o requerimento de injunção com fórmula executória e uma decisão judicial a conferir força executiva à petição.

III - Na base desta distinção está o carácter não jurisdicional do procedimento de injunção, já no caso de decisão judicial que conferiu força executiva à petição, há um controlo jurisdicional que ocorre antes da formação do título executivo.

IV - Daí que, ao restringir os fundamentos da oposição quando a execução for fundada em decisão judicial que conferiu força executiva à petição, ao equipará-la a uma decisão condenatória, o legislador visou impedir a repetição da apreciação de questões que já foram ou deveriam ter sido invocadas em sede declarativa, salvaguardando-se ainda o respeito pela certeza e segurança jurídica em termos de evitar, até, a prolação de decisões judiciais contraditórias.

V - A admissibilidade da oposição à penhora pressupõe que tenham sido penhorados bens pertencentes ao executado e não a terceiro.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"O enquadramento jurídico do caso passa por analisar o título executivo que fundamenta a execução, para de seguida apreciar os fundamentos que lhe podem ser oponíveis por parte da executada.

A exequente visa obter o pagamento coativo de um crédito, servindo de título executivo uma sentença condenatória, título enquadrável na espécie figurada no art. 703.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil (art. 46.º, n.º 1 do anterior Código de Processo Civil). Tendo a sentença transitado em julgado, está dotada do requisito de exequibilidade previsto no art. 704.º, nº1, do mesmo diploma.

Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:

a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.

No caso, não se questiona que o título executivo seja uma sentença condenatória.

O que a Recorrente questiona é que tendo invocado a nulidade do título executivo por ser inexistente e ineficaz, tal fundamento enquadra-se na al. a) do art. 729.º e como tal a oposição deveria ser recebida, e, por outro lado, tratando-se de uma sentença proferida no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do DL 269/98 de 1 de Setembro, podem ser alegados quaisquer fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração, por interpretação contrária ser inconstitucional por violação do princípio da confiança e proibição da indefesa.

Apreciemos, então, os dois segmentos do recurso.

Títulos executivos são tão só e apenas os indicados na lei, no art. 703.º do Código de Processo Civil, trata-se de enumeração taxativa, sujeita à regra da tipicidade (...), ficando assim subtraída à disponibilidade das partes a atribuição de força executiva a documento relativamente ao qual a lei não reconheça esse atributo, do mesmo modo que fica defeso negar tal força ao documento se ela for reconhecida pela lei.

Entre eles figuram as sentenças condenatórias.

Por sentença condenatória deve entender-se qualquer decisão judicial proferida no decurso da tramitação de um processo, mesmo que contendo apenas um segmento de condenação, podendo esta ocorrer em processos tramitados pelo tribunal cível, laboral, criminar e julgados de paz ou decorrer de decisão arbitral.

Nelas se inclui a decisão judicial que conferiu força executiva à petição inicial apresentada em sede de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, ao abrigo do art. 2º do Anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 01/09 (...).

Aqui chegados, importa apreciar se no caso se verifica a inexistência ou inexequibilidade do título (art. 729º, al.a), do Código de Processo Civil).

A ação executiva só pode ser intentada se tiver por base um título executivo, o qual, além de documentar os factos jurídicos que constituem a causa de pedir da pretensão deduzida pelo exequente, confere igualmente o grau de certeza necessário para que sejam aplicadas medidas coercivas contra o executado. Neste sentido, o título executivo consiste no meio probatório da relação jurídica que constitui a génese do vínculo obrigacional que liga o exequente ao executado (...)isto é, o documento enquanto materialização ou corporização de um direito ou pretensão exequível.

A inexequibilidade do título executivo reporta-se à falta de pressupostos processuais específicos (...) e não a vícios relativos à exequibilidade da pretensão formulada.

No âmbito da ação executiva importa distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da pretensão exequenda, isto é, entre exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título (exequibilidade extrínseca) e validade ou eficácia do ato ou negócio nele titulado (exequibilidade intrínseca).

A inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função específica, a inexequibilidade da pretensão baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar (...).

Apresenta-se manifesto que a Recorrente confunde a exequibilidade do título executivo com o mérito da decisão judicial que serve de título executivo. [...]

Analisado o título dado à execução, conclui-se pela existência de título executivo, sentença condenatória, o qual contém todos os requisitos de exequibilidade.

Num outro prisma, considerando a alegação da Recorrente - nenhuma pessoa com responsabilidades na empresa assinou a declaração ou recebeu a fatura que foram juntos na ação declarativa, desconhecendo a relação subjacente aí alegada, e que, portanto, a executa/embargante não tem a posição de devedora - o fundamento da oposição radica na inexistência da obrigação exequenda. [...]

No caso, consiste a obrigação em a executada dever pagar à exequente a quantia de €10.146,91 (dez mil cento e quarenta e seis euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora. Tanto a pessoa do credor como a pessoa do devedor estão devidamente determinadas no próprio título.

Nesta conformidade, improcede este segmento da oposição, sendo que a alusão ao fundamento constante da al. g) do art. 729º, qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, também falece, pois que haveria de ser posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e ser provado por documento.

A Recorrente invoca, por fim, que constituindo o título executivo uma decisão proferida no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do DL 269/98 de 1 de Setembro, não se aplicam as restrições ínsitas no art. 729.º do Código de Processo Civil, por violação do princípio da confiança e proibição da indefesa.

O título dado à presente execução corresponde a uma decisão judicial que conferiu força executiva à petição inicial, nos termos do art. 2º Anexo ao DL 269/98 de 1 de Setembro.

A compreensão da natureza do título executivo e a força vinculativa que o mesmo reveste, passa por ter presente a finalidade que esteve base da criação deste tipo de ações.

O citado diploma legal foi criado no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1.ª instância, num espírito de desjudicialização e de consensualidade dum certo tipo de litígios, de simplificação, de remoção de obstáculos processuais, em consonância com a normal simplicidade desse tipo de acções (...).

A ação especial de condenação destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior ao da alçada da Relação (por referência à data da instauração da ação) visa, como é característico das ações condenatórias, um duplo objetivo: o reconhecimento do direito a uma prestação pecuniária e a imposição ao réu devedor do cumprimento dessa prestação (art. 1.º do DL 269/98, de 1/09).

Mas essa prestação só pode ter um objeto: a entrega de dinheiro. Há-de, portanto, tratar-se de uma obrigação pecuniária e a única fonte admissível dessa obrigação é um contrato ou contratos.

Por estar em causa o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de um contrato e atento o seu valor, a Autora (ora Exequente e Apelada) instaurou contra a Ré (ora Executada e Apelante) uma ação especial no âmbito do Dec. Lei nº 269/98, de 1.09, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €10.146,91 (dez mil cento e quarenta e seis euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora.

A Ré pessoalmente citada, não contestou, pelo que, nos termos do disposto no art. 2.º do Anexo ao Dec. Lei nº 269/98, por não ocorrerem, de forma evidente, exceções dilatórias e o pedido não ser manifestamente improcedente, o tribunal da 1ª instância limitou-se a conferir força executiva à petição inicial.

Prevê a citada norma que "se o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente". Como pode ler-se no acórdão desta Relação de Guimarães de 12/10/2017, "com o segmento final do citado preceito pretendeu o legislador permitir ao juiz o conhecimento de mérito em caso de revelia operante, por abstenção definitiva de contestação. Nessa conformidade, cabe ao juiz, verificada a regularidade da citação, analisar a petição inicial para aferir se se verificam excepções dilatórias e se o direito invocado deve ser reconhecido. E se da análise da petição inicial resultar a convicção de que o autor não tem o direito que se arroga, deve julgar o pedido improcedente, ainda que a construção jurídica defendida pelo autor seja defensável. Na verdade, pela circunstância de inexistir contestação às pretensões deduzidas em juízo não se impõe necessária e automaticamente que o julgador confira a mencionada força executiva à petição (...).

Não decorre da norma em análise um regime cominatório pleno e automático pela falta de defesa do réu, já que pode ocorrer recusa da fórmula executória, caso se verifiquem, de forma evidente, exceções dilatórias ou se o pedido for manifestamente improcedente (...).

A decisão assim formada é uma decisão judicial, com valor de sentença.

Há com efeito uma significativa diferença entre o requerimento de injunção com fórmula executória e uma decisão judicial a conferir força executiva à petição.

Na base desta distinção, para efeitos da extensão da sua força executiva, está o carácter não jurisdicional do procedimento de injunção, bem como a inexistência de uma ação declarativa em que o executado tivesse oportunidade de se defender devidamente da pretensão do requerente (...).

Por essa razão, o Tribunal Constitucional concluiu que a restrição dos fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção com fórmula executória não pondera devidamente o direito de defesa do executado e afeta desproporcionalmente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais. Por outro lado, também alerta para a diferente natureza da atuação do secretário judicial e do juiz, pois que, enquanto a sentença implica o exercício de uma função jurisdicional, o mesmo já não se pode dizer da aposição de fórmula executória.

Com base nestes argumentos declara inconstitucional, com força obrigatória geral, o art. 814.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, na parte em que limita os fundamentos de oposição à execução assente em requerimento de injunção com fórmula executória (Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 388/2013, de 9 de julho, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.).

Na verdade, o carácter taxativo dos fundamentos de oposição à execução de sentenças judiciais contrastava com a amplitude da oposição à execução assente em outros títulos executivos, que se traduz sobretudo na possibilidade de alegar quaisquer meios de defesa admissíveis no âmbito da ação declarativa.

Já no caso de decisão judicial que conferiu força executiva à petição apresentada na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, há uma intervenção judicial que ocorre antes da formação do título executivo. Nesta situação, há um controlo jurisdicional, cabendo ao juiz verificar a regularidade da citação, a ocorrência de exceções dilatórias e se o direito invocado deve ser reconhecido.

Daí que, ao restringir os fundamentos da oposição quando a execução for fundada em decisão judicial que conferiu força executiva à petição, ao equipará-la a uma decisão condenatória, o legislador visou impedir a repetição da apreciação de questões que já foram ou deveriam ter sido invocadas em sede declarativa, salvaguardando-se ainda o respeito pela certeza e segurança jurídica em termos de evitar, até, a prolação de decisões judiciais contraditórias.

Não há aqui qualquer violação ou restrição a princípios constitucionais, mormente, o invocado princípio da confiança e da proibição da indefesa."

[MTS]



24/02/2021

Jurisprudência 2020 (155)


Reconhecimento de dívida;
título executivo; obrigação subjacente*


1. O sumário de RG 9/7/2020 (5620/18.4T8VNF.G1) é o seguinte:

I- Beneficiando o credor dum reconhecimento de dívida, tem a seu favor a inversão do ónus da prova da causa de pedir, mas não fica dispensado de a indicar, caso o título a não contenha, nos termos gerais do art. 724, nº 1, e) do CPC.

II- Não sendo indicada no requerimento executivo a causa ou fundamento da obrigação exequenda, ocorre ineptidão do requerimento executivo quando a mesma não constar do título (cfr. o art. 724º, nº 1, e) do CPC).

III- A nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento executivo constitui excepção dilatória não suprível (salvo na hipótese legalmente no nº 3 do art. 186º, nº 3 do CPC e bem assim na hipótese, de cariz jurisprudencial, a que se referem aos artigos 264º e 265º do CPC).

IV- A ineptidão do requerimento executivo por falta de indicação da causa de pedir, por constituir vício enquadrável na alínea b) do nº 2 do art. 726º do CPC, não é susceptível de convite ao aperfeiçoamento (art. 726º, nº 4 do CPC) - a eventual correcção ou aperfeiçoamento não é modo legalmente admissível de sanação do vício.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Representa a causa de pedir, mas não é o título a causa de pedir (existe autonomia entre o título e a obrigação, não sendo o documento que corporiza o titulo a causa de pedir) (...) – demonstrada a causa de pedir nos termos formalmente exigidos, pode ser deduzido o pedido de realização coactiva da prestação, ainda que esta função do título (função de representação da causa de pedir) seja ‘tratada de modo flexível pela lei, de modo a acomodar diferentes cenários de suficiência do teor do título executivo’, devendo a causa ou fundamento da obrigação exequenda, quando não constar do título, ser alegada no requerimento executivo (cfr. o art. 724º, nº 1, e) do CPC), sob pena de ineptidão do requerimento executivo (...) (pois que ocorrerá, em tais situações, falta de causa de pedir, geradora de ineptidão do requerimento executivo e, por isso, de nulidade de todo o processo, pressuposto processual de oficioso conhecimento).

Quando o título executivo não contém alusão à causa de pedir (apenas a pressupondo), como pode acontecer no caso do reconhecimento de dívida do art. 458º, nº 1 do CC, o credor não fica dispensado de a invocar e alegar no requerimento executivo. Ficando o credor, no reconhecimento de dívida (um ‘título recognitivo privado por excelência’), ‘dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário’ (como decorre do preceito), certo é, no entanto, que ‘a obrigação exequenda respectiva não deixa de ter uma causa, material e processualmente relevante’ – não se está, em rigor, perante um negócio abstracto, antes perante uma inversão do ónus de prova, cabendo ao devedor alegar e provar (na oposição à execução) a falta de causa da relação fundamental, v. g., a inexistência, a nulidade ou a anulabilidade do negócio donde procede a dívida ou a que a prestação se reporta, bem como a própria excepção de contrato não cumprido, ou o direito de resolução (...). Cabendo ao devedor o ónus da prova da inexistência ou da invalidade da relação jurídica subjacente e ‘competindo à causa de pedir, na acção executiva, a individualização da obrigação, não se mostrando esta alegada, «impossível» se torna ao devedor cumprir tal ónus adequadamente’ (...). A inversão do ónus de prova não dispensa o ónus de alegação e por isso que ao credor se exige, mesmo quando tenha em seu poder documento em que o devedor reconhece uma dívida ou promete cumpri-la, que alegue ‘o facto constitutivo do direito de crédito – o que é confirmado pela exigência de forma do art. 458º, nº 2 do CC, que pressupõe o conhecimento da relação fundamental – e daí que a prova da inexistência de relação causal válida, a cargo do devedor/demandado se tenha de fazer apenas relativamente à causa que tiver sido invocada pelo credor, e não a qualquer possível causa constitutiva do direito unilateralmente reconhecido pelo devedor’ (...).

Assim que beneficiando o credor dum reconhecimento de dívida, tem a seu favor a inversão do ónus da prova da causa de pedir, mas não fica dispensado de a indicar, caso o título a não contenha, nos termos gerais do art. 724, nº 1, e) do CPC (...) - esse o entendimento prevalecente (...) à luz do art. 46º, nº 1 c) do CPC (desde a redacção emergente do DL 329-A/95, de 12/12), que dotava de força executiva os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importassem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, desde que i) o negócio subjacente não tivesse natureza formal e ii) fosse invocada no requerimento executivo a relação subjacente (...), sendo que o documento dado à execução só constitui título executivo porque elaborado na vigência deste preceito (e essa data deve ser atendida para aferição dos requisitos de exequibilidade do título, em atenção à tutela do princípio constitucional da protecção da confiança, ínsito ao Estado de direito democrático - art. 2º da CRP (...)).

Não sendo indicada no requerimento executivo a causa ou fundamento da obrigação exequenda, quando a mesma não constar do título (cfr. o art. 724º, nº 1, e) do CPC), verifica-se, pois, ineptidão do requerimento executivo.

Ineptidão que se verifica na situação trazida em apelação, pois que no documento que serve de título executivo (reconhecimento de dívida – art. 458º do CC) não é indicada a relação fundamental (a causa ou fundamento da obrigação) nem a mesma é alegada no requerimento executivo."

*Nota: Por lapso, repetiu-se a publicação do acórdão já divulgado em Jurisprudência 2020 (144).

MTS


23/02/2021

Jurisprudência 2020 (154)


Litigância de má fé;
indemnização


1. O sumário de RC 23/6/2020 (2374/19.0T8VIS-A.C1) é o seguinte:

I - No que respeita à fixação da indemnização por litigância de má fé, nos termos do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 543.º do C.P.C., o juiz «com prudente arbítrio», «opta pela indemnização que julgue mais adequada», segundo «o que parecer razoável», depois de «ouvidas as partes», o que implica que não se exija produção formal de provas como ocorre na audiência de julgamento.

II - O prudente arbítrio, a razoabilidade, arrancam de uma correspondência entre o que se tem por razoável e a realidade histórica e esta, na falta de produção de provas, obtém-se apelando aos dados que constam do processo, às alegações das partes, ao que é comum acontecer na vida quotidiana, às regras da experiência.

III – Se o mesmo interesse económico for suscetível de ser tutelado por mais que uma norma, o titular do interesse/direito pode optar por qualquer delas, ficando precludida a outra via.

IV - A indemnização originada pela litigância de má fé não está limitada ao valor fixado para a respetiva multa.

V – Os honorários de advogado são fixados tendo em consideração os critérios estabelecidos no Estatuto da Ordem dos Advogados (artigo 105.º) e não se acordo com os montantes estabelecidos na Portaria n.º 1386/2004 de 10 de novembro para o apoio judiciário.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"1 – A primeira questão colocada respeita à determinação do valor a arbitrar em sede de compensação de honorários ao mandatário.

O Código de Processo Civil determina nos seus n.º 2 e 3 do artigo 543.º o seguinte:

«2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.

3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte».

A indemnização é fixada, por conseguinte, segundo o prudente arbítrio do tribunal, segundo um juízo de razoabilidade.

Não se trata, pois, de indemnizar os danos segundo os critérios civilísticos consagrados no artigo 562.º do Código Civil, onde se dispõe que «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».

A recorrente argumenta que o valor base dos honorários a ter em linha de conta para este efeito, tem por base a tabela dos honorários praticados no âmbito do Acesso ao Direito, matéria esta que é regulada pela Portaria n.º 1386/2004 e segundo estes critérios os honorários seriam de €204,00 pela providência propriamente dita; € 229,50 pelo recurso de apelação e €229,50 pelo recurso de revista, tudo num total de € 663,00, que acrescido de IVA perfazia o valor de € 815,49.

Não se acompanha a recorrente, porquanto se esse fosse o critério querido pelo legislador, este tê-lo-ia dito no artigo 543.º do C.P.C. ou em outra disposição apropriada para o efeito, mas não o disse.

Tem-se entendido, sim, que os honorários aqui em questão são os honorários correntes, fixados nos termos do Estatuto da Ordem dos advogados (artigo 105.º do Estatuto, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro).

No acórdão do S.T.J. de 10-07-2007, acima já citado, onde o valor dos honorários foi fixado em valor da €2 500,00, considerou-se, seguindo esta linha de pensamento que «Quanto ao montante dos honorários a fixar, ambos os recorridos referem nas suas alegações que o montante estabelecido deve fazer-se segundo o critério estabelecido no art.º 100.º do E.O.A. (…). Consideramos por isso, como se deixa dito, que o valor dos honorários deve ser fixado em função do trabalho desenvolvido no processo, independentemente do número de advogados que neles intervêm (…)».

(No mesmo sentido cfr. acórdão do TRP de 13-02-2017, no processo 3006/05.0TBGDM.P3 (Manuel Domingos Fernandes).

Na decisão recorrida entendeu-se que «… a má fé da requerente obrigou os requeridos a litigar na presente providência, assim realizando despesas com os honorários do ilustre mandatário que tiveram de constituir, aí se incluindo também as despesas inerentes ao mandato. Tais honorários e despesas suportadas pelo mandatário, liquidados no valor de €2.535,00, são naturalmente devidos, não se revelando, na nossa perspetiva, exagerados».

Concorda-se com esta ponderação.

Com efeito, os requeridos foram demandados e para obterem o levantamento do arresto que foi decretado tiveram de deduzir oposição e participar na audiência de julgamento que se seguiu.

Existiu aqui todo o trabalho que é próprio de uma contestação, que no caso ocupou 22 páginas, tendo-se tratado, dadas as particularidades do caso, de um trabalho de dificuldade mediana.

Posteriormente, a aposição foi sustentada com êxito em audiência contraditória perante o juiz, tendo ocorrido duas sessões de julgamento: a primeira no dia 15 de maio de 2017, altura em que foi realizada uma inspeção ao local e ordenada uma peritagem, e a segunda em 15 de setembro de 2017, no âmbito da qual foram inquiridas as testemunhas apresentadas com a oposição.

Tendo obtido ganho de causa, ou seja, o levantamento do arresto, os requeridos tiveram ainda que contra-alegar no âmbito do recurso interposto pela requerente para o Tribunal da Relação de Coimbra, tribunal que confirmou a decisão da 1.ª instância.

Posteriormente, os requeridos contra-alegaram no recurso que a requerente interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não conheceu do mérito da causa porquanto julgou o recurso inadmissível.

Posteriormente, a 1.ª instância fixou a indemnização relativa à indemnização dos danos gerados pela litigância de má fé.

Houve novo recurso, o presente, não tendo os requeridos apresentado alegações.

Verifica-se, pelo exposto, que os requeridos tiveram que desenvolver uma atividade processual relevante, com elaboração e três importantes peças processuais (oposição e contra-alegações para a Relação e Supremo Tribunal de Justiça), estiveram em duas sessões de julgamento.

[Esta Relação já fixou verba semelhante num caso em que houve recurso até ao STJ: «…4. - Os honorários, retribuição do contrato de mandato forense, que se presume oneroso, devem ser adequados à quantidade, complexidade e qualidade do concreto serviço prestado pelo mandatário judicial, um especialista em matérias jurídicas/processuais.

5. - Perante trabalho forense de algum relevo, seja em termos quantitativos, seja no âmbito qualitativo, em matérias com alguma complexidade (direitos reais), em que foram interpostos recursos, até ao STJ, o que não impediu a parte patrocinada de obter ganho de causa, com o respetivo advogado a acompanhar todas as fases do processo, é adequada, por prudente, razoável e proporcional, a fixação do montante indemnizatório por honorários forenses em €2.400,00, acrescidos de IVA» - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-11-2016, no processo 79/13.5TBTCS.C2, relatado pelo aqui 1.º adjunto].

Atendendo, pois, à dificuldade do assunto e trabalho desenvolvido, os honorários fixados não são excessivos, cumprindo manter nesta parte o decidido em 1.ª instância.

2 – Passando à determinação do valor a atribuir a título de compensação para pagamento de despesas de deslocação e alimentação das testemunhas.

Já acima se referiu que o mesmo interesse jurídico pode ser tutelado pelo direito através de normas ou institutos concorrentes, sucedendo apenas que satisfeita a pretensão através de uma via, não pode ser repetida, duplicada.

Assim, embora as testemunhas possam pedir o pagamento das despesas de deslocação e uma indemnização equitativa, como dispõe o artigo 525.º do C.P.C., isso não impede que a própria parte tome a iniciativa de resguardar as testemunhas que ela mesma indica da realização de despesas com a vinda a tribunal, como sejam as deslocações e refeições, se for caso disso.

Talvez não seja conveniente este modo de proceder, mas dada a frequência do pedido de reembolso deste tipo de despesas em situações como a dos autos, é de concluir que estaremos perante uma «tradição» ou hábito enraizado na sociedade e que é visto como adequado, ou seja, a parte que carece de indicar testemunhas para virem depor em tribunal contata-as e compromete-se tacita ou expressamente no sentido de estas não ficarem sujeitas a despesas com deslocações e alimentação.

Como se referiu, não será o procedimento mais saudável, mas será o habitual e considerado correto.

Dado que as testemunhas não pediram qualquer compensação, fica aberto o caminho para conceder essa compensação à parte que a pede por ter realizado tais despesas.

Claro que se colocam questões de prova no sentido de se mostrar que tais despesas foram feitas.

Neste aspeto, afigura-se que que o tribunal está autorizado a julgar segundo critérios de razoabilidade, de prudência, enfim de equidade, porquanto é isso que os n.º 2 e 3 do artigo 543.º do CPC pretendem, ao referirem que o juiz «opta pela indemnização que julgue mais adequada», «com prudente arbítrio», «o que parecer razoável», depois de serem «ouvidas as partes».

Ora, o prudente arbítrio e a razoabilidade para se tornarem efetivos carecem de arrancar de uma correspondência entre o que se tem por razoável e a realidade histórica e esta, na falta de produção de provas, obtém-se apelando ao que é comum acontecer na vida quotidiana, às regras da experiência [Friedrich Stein definiu as regras de experiência deste modo: «São definições ou juízos hipotéticos de conteúdo geral, desligados dos factos concretos que se julgam no processo, procedentes da experiência, mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram inferidas e que, para além destes casos, pretendem ter validade para outros casos novos» - El Conocimiento Privado del Juez (1893). Madrid: Editorial Centro de Estúdios Ramón Areces, 1990, pág. 22].

Ora, neste caso, como já se referiu, faz parte da experiência comum que a parte que contacta testemunhas para deporem em tribunal, não pretende que as testemunhas além de se disponibilizarem para auxiliar à realização da justiça ainda tenham que fazer despesas, nem as testemunhas, em regra, dependendo da situação económica, esperam fazê-las, pelo que é adequado que a parte providencie pela respetiva deslocação e alimentação e se supõe ser prática corrente.

Ora, no caso dos autos resulta que as testemunhas se deslocaram nos dias 15 de maio de 2017 (ata de fls. 155), data em que compareceram cinco testemunhas dos requeridos, às 9.30 horas, e em 15 de setembro de 2017 (ata de fls. 209), data em que compareceram quatro testemunhas dos requeridos, tendo a diligência terminado às 13:00 horas.

Considerando as deslocações nestes dois dias e o facto da segunda sessão ter terminado à hora de almoço, em Viseu, é de considerar como certo, como histórico, que as testemunhas almoçaram em algum estabelecimento de restauração e tenham sido os requeridos a suportar as despesas.

Por conseguinte, o montante de €100,00 pedido afigura-se razoável para cobrir as despesas de deslocação e alimentação dessas pessoas."

[MTS]



As incidências da L 4-B/2021, de 1/2, no âmbito processual civil



[Para aceder ao texto clicar em J. H. Delgado de Carvalho]


 

22/02/2021

Jurisprudência 2020 (153)


Reconvenção;
valor da causa*


1. O sumário de RL 14/7/2020 (23074/18.3PRT-A.L1-6) é o seguinte:

I.–Estando em causa a admissibilidade da reconvenção, o juiz, na ocasião do despacho saneador em que deve fixar o valor da causa e simultaneamente decidir da admissibilidade da reconvenção, deverá fixar o primeiro em conformidade com a decisão que produzir quanto à segunda, e não apenas de modo automático, por simples soma do valor do pedido do autor com o do pedido reconvencional.

II.– Só nesta medida se consegue fazer corresponder à utilidade económica dos pedidos a utilidade processual que o legislador entendeu ser a adequada.

III– Numa acção em que é pedida a condenação no pagamento da diferença de preço prometido num contrato promessa de compra e venda e o preço pago na escritura do contrato de compra e venda, negando o réu a existência do crédito do Autor, não é possível admitir o pedido reconvencional ao abrigo da alínea c) do nº 2 do artigo 266º do CPC.

IV– Já porém, na mesma acção, são admissíveis, ao abrigo da al. a) do nº 2 do artigo 266º do CPC, os pedidos reconvencionais relacionados com o incumprimento, por parte dos promitentes vendedores, da transmissão livre de ónus e encargos acordada, não o sendo todavia os pedidos reconvencionais fundados apenas na consciente interposição infundada da acção que causou prejuízos à reputação e bom crédito do réu.


2. O acórdão tem o seguinte voto de vencido:

"Salvo o devido respeito, estamos em total desacordo com a decisão que fez vencimento na parte em que, concedeu parcial provimento ao recurso do despacho de fixação do valor da acção e, revogando-o parcialmente, fixou à acção o valor de €503.300,11.

Entendemos, diversamente, que seria de manter a decisão recorrida no segmento em que fixou o valor da acção, no montante de €739.300,11, correspondente à soma do valor do pedido formulado pelos Autores com o dos pedidos formulados pela Ré em reconvenção.

Senão vejamos,

O artigo 299.º do CPC, dispõe:

“1.- Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal.
2.- O valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 530.º
3.- O aumento referido no número anterior só produz efeitos quanto aos actos posteriores à reconvenção ou intervenção.
4.- […]”
 
O texto deste normativo reproduz, com a mera actualização da remissão, o anterior artigo 308.º do CPC, na redacção do Dec.-Lei n.º 34/2008, de 26-2, que entrou em vigor em 20/04/2009.

Temos, assim, que o valor da acção determinado em face da petição inicial é sempre ampliado quando haja pedido reconvencional (at.º 266.º, n.º 1) ou de interveniente (art.ºs 314.º e 319.º, n.º 3) que seja distinto do deduzido pelo autor (art.º 299.º, n.º 2), ou, ainda, nos casos em que, na pendência da acção, o autor cumule um novo pedido ao formulado na petição inicial (art.ºs 264.º e 265.º, n.º 2).

A reconvenção dá causa a uma verdadeira cumulação de pedidos, embora recíprocos. Por isso, como refere EURICO LOPES-CARDOSO, in Manual dos Incidentes de Instância em Processo Civil, Livraria Petrony, Lda., pá. 35-36, “(…) em harmonia com o estabelecido em geral para a cumulação de pedidos, já o art.º 313.º do Código de 1939 dispunha que, havendo pedido reconvencional , a causa passaria a ter o valor que resultasse da soma do valor desse pedido com o do formulado pelo autor.”

O Código de 1939 não se referia expressamente aos efeitos da cumulação decorrente de intervenção principal activa relativamente ao valor da causa, mas já então boa parte da doutrina e da jurisprudência defendia que a intervenção principal activa em coligação deveria ter efeitos semelhantes ao da reconvenção, quanto a esse valor (neste sentido, EURICO LOPES-CARDOSO, obra citada, 36-37.

O n.º 2 do anterior artigo 308.º do CPC, na redacção do Dec.-Lei n.º 34/2008, de 26-2, veio preencher essa lacuna, alargando expressamente ao caso de intervenção principal, a regra que era estabelecida para o caso de reconvenção.

Esta foi, aliás, a única alteração introduzida pela reforma operada pelo Dec.-Lei n.º 34/2008, de 26-2, ao regime anterior vigente desde 1939.

Desta sorte e salvo o devido respeito, não podemos concordar com o argumento lapidarmente aduzido no Acórdão do Tribunal de Guimarães, de 08-10-2015 [proferido no Proc.º n.º 1089/14.0TJVNF.G1 e relatado pelo Desembargador José Estelita Mendonça], que serviu de mote à decisão que fez vencimento, de que “a soma do valor dos pedidos não é automática (…). Essa soma do valor só acontecia na redacção do Código de Processo Civil vigente até ao Dec. Lei n.º 34/2008, que entrou em vigor em 20/04/2009 (o então art. 308 n.º 1 e 2 do C. P. Civil), sendo sintomático que os apelantes só invoquem a seu favor jurisprudência anterior a 2009”.

Na verdade, nenhuma alteração ocorreu nesse aspecto na letra da lei e se a alguma alteração se assistiu, a justificar, a vetustez dos acórdãos citados, foi que a questão há muito estabilizou na doutrina e na prática judiciária no sentido por nós defendido, ao contrário do que sucedia no regime processual de pretérito em que foi entendido por alguns autores que, no caso de indeferimento liminar do pedido reconvencional, não funcionava o aumento do valor da causa, por não haver cumulação de pedidos e o aumento de valor só produzir efeito quando aos actos e termos posteriores à defesa do réu [MANUEL AUGUSTO DA GAMA PRAZERES, “Os Incidentes da Instância no Actual Código de Processo Civil”, Braga, 1963, pág. 48].

No caso de reconvenção [e no de intervenção principal], o novo valor da causa fixa-se, automaticamente, pela soma ideal dos dois valores referidos: o dado pelo autor à acção e o dado pelo reconvinte [ou interveniente]. O aumento de valor da causa, por força de pedido reconvencional, ocorre ope legis, não dependendo de decisão que aprecie previamente da admissibilidade do pedido reconvencional.

Basta a simples formulação do novo pedido, independentemente da admissão da reconvenção [ou da intervenção], para que funcione imediatamente a regra do n.º 3 do artigo 299.º, segundo a qual “o aumento do valor” “só produz efeitos quanto aos actos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção”.

Esses efeitos, está bom de ver, são os atribuídos pelo n.º 2 do artigo 296.º ao valor processual da causa: “determinação da competência do tribunal”; “forma do processo de execução”; “e relação da causa com a alçada do tribunal”.

O valor processual da causa resultante da soma do pedido reconvencional ou do pedido do interveniente estabiliza-se ainda que esses pedidos venham a ser rejeitados, reduzidos, objecto de desistência ou de improcedência.

Desde que o valor processual da causa, determinado pela soma do valor do pedido formulado pelo autor e do valor do pedido reconvencional formulado pelo réu ou do pedido formulado pelo interveniente, exceda o da alçada do tribunal, é admissível recurso, ainda que aqueles pedidos subsequentes, julgados improcedentes, não estejam em causa e o primeiro não ultrapasse o valor da alçada do tribunal recorrido [ac. do STJ, de 7-6-74, BMJ, n.º 238, pág. 184].

Como refere, SAVALDOR DA COSTA, “Os Incidentes da Instância”, 3.ª Edição, Almedina, pág. 35, e reitera na pág. 36 da 10.ª Edição Revista e Actualizada, a mais recente, “(…) face à letra da lei, não contrariada pelo seu elemento teleológico, a reconvenção e a intervenção principal produzem o efeito de acréscimo logo após a sua formulação, isto é, ele não depende da prolação de decisão da sua admissibilidade.”

Também JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, no Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 4.ª Edição, defendem, em anotação (n.º 8) ao artigo 299.º que “São irrelevantes para o valor da acção, apurado nos termos do n.º 1, as vicissitudes posteriores que importem a redução do objecto do processo, a desistência do pedido reconvencional (ac. do STJ, de 22-3-74, BMJ, 235, p. 226) ou transacção sobre a acção inicial com subsistência da intervenção principal (ac. do ST, de 18-11-79… BMJ..403). Deste modo, mantém-se, para os efeitos fixados no art.º 296.º, n.º 2, o valor fixado após a reconvenção ou a intervenção principal”.

Estes os fundamentos por que entendemos, diversamente da decisão que fez vencimento, que seria de manter a decisão recorrida no segmento em que fixou o valor da acção, no montante de €739.300,11, correspondente à soma do valor do pedido formulado pelos Autores com o dos pedidos formulados pela Ré em reconvenção."

*3. [Comentário] a) O que importa resolver é, em termos simples, o seguinte: a alteração do valor da causa que se encontra estabelecida no art. 299.º, n.º 1, CPC depende da mera dedução da reconvenção ou da intervenção principal ou depende da admissibilidade dessa dedução?. Noutros termos: basta a dedução da reconvenção ou da intervenção principal para que o valor da causa se altere ou, para que isto suceda, é necessário que a reconvenção ou a intervenção principal seja admissível?

b) Para responder à pergunta formulada, pode estabelecer-se um paralelismo com a propositura de uma acção: a acção, uma vez proposta, tem um determinado valor e não deixa de o ter pela circunstância de a petição inicial ser liminarmente indeferida pela verificação de uma excepção dilatória insanável ou de o réu vir a ser absolvido na instância com base nesta mesma excepção.

Seguindo esta orientação, basta que a reconvenção ou a intervenção principal seja deduzida para o que o valor do respectivo pedido seja somado, nas condições estabelecidas no art. 299.º, n.º 2, CPC, ao valor inicial da acção.

Parece ser esta a solução mais adequada. O art. 296.º, n.º 1, CPC estabelece que o valor da causa "representa o valor económico do pedido"; logo, o disposto no art. 299.º, n.º 1, CPC significa que a acção passa a ter o valor correspondente à soma do valor do pedido inicial com o valor do pedido reconvencional ou do pedido formulado na intervenção principal, mesmo que a reconvenção ou a intervenção principal seja considerada inadmissível.

Note-se, no entanto, que -- prevenindo talvez uma ilação que não se contém na solução propugnada -- a soma do valor da causa pode ter influência para a determinação do tribunal competente (art. 117.º, n.º 1, al. a), e 3, e 130.º, n.º 1, LOSJ), mas não releva para efeitos de interposição de recurso por cada uma das partes. Se o autor formular um pedido no valor de € 4.000 e o réu deduzir um pedido reconvencional no valor de € 40.000, não é pela circunstância de o valor da acção passar a ser de € 44.000 que qualquer das partes pode interpor recurso até ao STJ da decisão sobre o pedido do autor.

MTS
 

19/02/2021

Bibliografia (Índices de revistas) (183)


Foro it.


Jurisprudência 2020 (152)


Litigância de má fé;
indemnização


1. O sumário de RC 23/6/2020 (2374/19.0T8VIS-A.C1) é o seguinte:

I - No que respeita à fixação da indemnização por litigância de má fé, nos termos do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 543.º do C.P.C., o juiz «com prudente arbítrio», «opta pela indemnização que julgue mais adequada», segundo «o que parecer razoável», depois de «ouvidas as partes», o que implica que não se exija produção formal de provas como ocorre na audiência de julgamento.

II - O prudente arbítrio, a razoabilidade, arrancam de uma correspondência entre o que se tem por razoável e a realidade histórica e esta, na falta de produção de provas, obtém-se apelando aos dados que constam do processo, às alegações das partes, ao que é comum acontecer na vida quotidiana, às regras da experiência.

III – Se o mesmo interesse económico for suscetível de ser tutelado por mais que uma norma, o titular do interesse/direito pode optar por qualquer delas, ficando precludida a outra via.

IV - A indemnização originada pela litigância de má fé não está limitada ao valor fixado para a respetiva multa.

V – Os honorários de advogado são fixados tendo em consideração os critérios estabelecidos no Estatuto da Ordem dos Advogados (artigo 105.º) e não se acordo com os montantes estabelecidos na Portaria n.º 1386/2004 de 10 de novembro para o apoio judiciário.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"1 – A primeira questão colocada respeita à determinação do valor a arbitrar em sede de compensação de honorários ao mandatário.

O Código de Processo Civil determina nos seus n.º 2 e 3 do artigo 543.º o seguinte:

«2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.

3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte».

A indemnização é fixada, por conseguinte, segundo o prudente arbítrio do tribunal, segundo um juízo de razoabilidade.

Não se trata, pois, de indemnizar os danos segundo os critérios civilísticos consagrados no artigo 562.º do Código Civil, onde se dispõe que «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».

A recorrente argumenta que o valor base dos honorários a ter em linha de conta para este efeito, tem por base a tabela dos honorários praticados no âmbito do Acesso ao Direito, matéria esta que é regulada pela Portaria n.º 1386/2004 e segundo estes critérios os honorários seriam de €204,00 pela providência propriamente dita; €229,50 pelo recurso de apelação e €229,50 pelo recurso de revista, tudo num total de €663,00, que acrescido de IVA perfazia o valor de €815,49.

Não se acompanha a recorrente, porquanto se esse fosse o critério querido pelo legislador, este tê-lo-ia dito no artigo 543.º do C.P.C. ou em outra disposição apropriada para o efeito, mas não o disse.

Tem-se entendido, sim, que os honorários aqui em questão são os honorários correntes, fixados nos termos do Estatuto da Ordem dos advogados (artigo 105.º do Estatuto, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro).

No acórdão do S.T.J. de 10-07-2007, acima já citado, onde o valor dos honorários foi fixado em valor da €2 500,00, considerou-se, seguindo esta linha de pensamento que «Quanto ao montante dos honorários a fixar, ambos os recorridos referem nas suas alegações que o montante estabelecido deve fazer-se segundo o critério estabelecido no art.º 100.º do E.O.A. (…). Consideramos por isso, como se deixa dito, que o valor dos honorários deve ser fixado em função do trabalho desenvolvido no processo, independentemente do número de advogados que neles intervêm (…)».

(No mesmo sentido cfr. acórdão do TRP de 13-02-2017, no processo 3006/05.0TBGDM.P3 (Manuel Domingos Fernandes).

Na decisão recorrida entendeu-se que «… a má fé da requerente obrigou os requeridos a litigar na presente providência, assim realizando despesas com os honorários do ilustre mandatário que tiveram de constituir, aí se incluindo também as despesas inerentes ao mandato. Tais honorários e despesas suportadas pelo mandatário, liquidados no valor de €2.535,00, são naturalmente devidos, não se revelando, na nossa perspetiva, exagerados».

Concorda-se com esta ponderação.

Com efeito, os requeridos foram demandados e para obterem o levantamento do arresto que foi decretado tiveram de deduzir oposição e participar na audiência de julgamento que se seguiu.

Existiu aqui todo o trabalho que é próprio de uma contestação, que no caso ocupou 22 páginas, tendo-se tratado, dadas as particularidades do caso, de um trabalho de dificuldade mediana.

Posteriormente, a aposição foi sustentada com êxito em audiência contraditória perante o juiz, tendo ocorrido duas sessões de julgamento: a primeira no dia 15 de maio de 2017, altura em que foi realizada uma inspeção ao local e ordenada uma peritagem, e a segunda em 15 de setembro de 2017, no âmbito da qual foram inquiridas as testemunhas apresentadas com a oposição.

Tendo obtido ganho de causa, ou seja, o levantamento do arresto, os requeridos tiveram ainda que contra-alegar no âmbito do recurso interposto pela requerente para o Tribunal da Relação de Coimbra, tribunal que confirmou a decisão da 1.ª instância.

Posteriormente, os requeridos contra-alegaram no recurso que a requerente interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não conheceu do mérito da causa porquanto julgou o recurso inadmissível.

Posteriormente, a 1.ª instância fixou a indemnização relativa à indemnização dos danos gerados pela litigância de má fé.

Houve novo recurso, o presente, não tendo os requeridos apresentado alegações.

Verifica-se, pelo exposto, que os requeridos tiveram que desenvolver uma atividade processual relevante, com elaboração e três importantes peças processuais (oposição e contra-alegações para a Relação e Supremo Tribunal de Justiça), estiveram em duas sessões de julgamento.

[Esta Relação já fixou verba semelhante num caso em que houve recurso até ao STJ: «…4. - Os honorários, retribuição do contrato de mandato forense, que se presume oneroso, devem ser adequados à quantidade, complexidade e qualidade do concreto serviço prestado pelo mandatário judicial, um especialista em matérias jurídicas/processuais.

5. - Perante trabalho forense de algum relevo, seja em termos quantitativos, seja no âmbito qualitativo, em matérias com alguma complexidade (direitos reais), em que foram interpostos recursos, até ao STJ, o que não impediu a parte patrocinada de obter ganho de causa, com o respetivo advogado a acompanhar todas as fases do processo, é adequada, por prudente, razoável e proporcional, a fixação do montante indemnizatório por honorários forenses em €2.400,00, acrescidos de IVA» - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-11-2016, no processo 79/13.5TBTCS.C2, relatado pelo aqui 1.º adjunto].

Atendendo, pois, à dificuldade do assunto e trabalho desenvolvido, os honorários fixados não são excessivos, cumprindo manter nesta parte o decidido em 1.ª instância.

2 – Passando à determinação do valor a atribuir a título de compensação para pagamento de despesas de deslocação e alimentação das testemunhas.

Já acima se referiu que o mesmo interesse jurídico pode ser tutelado pelo direito através de normas ou institutos concorrentes, sucedendo apenas que satisfeita a pretensão através de uma via, não pode ser repetida, duplicada.

Assim, embora as testemunhas possam pedir o pagamento das despesas de deslocação e uma indemnização equitativa, como dispõe o artigo 525.º do C.P.C., isso não impede que a própria parte tome a iniciativa de resguardar as testemunhas que ela mesma indica da realização de despesas com a vinda a tribunal, como sejam as deslocações e refeições, se for caso disso.

Talvez não seja conveniente este modo de proceder, mas dada a frequência do pedido de reembolso deste tipo de despesas em situações como a dos autos, é de concluir que estaremos perante uma «tradição» ou hábito enraizado na sociedade e que é visto como adequado, ou seja, a parte que carece de indicar testemunhas para virem depor em tribunal contata-as e compromete-se tacita ou expressamente no sentido de estas não ficarem sujeitas a despesas com deslocações e alimentação.

Como se referiu, não será o procedimento mais saudável, mas será o habitual e considerado correto.

Dado que as testemunhas não pediram qualquer compensação, fica aberto o caminho para conceder essa compensação à parte que a pede por ter realizado tais despesas.

Claro que se colocam questões de prova no sentido de se mostrar que tais despesas foram feitas.

Neste aspeto, afigura-se que que o tribunal está autorizado a julgar segundo critérios de razoabilidade, de prudência, enfim de equidade, porquanto é isso que os n.º 2 e 3 do artigo 543.º do CPC pretendem, ao referirem que o juiz «opta pela indemnização que julgue mais adequada», «com prudente arbítrio», «o que parecer razoável», depois de serem «ouvidas as partes».

Ora, o prudente arbítrio e a razoabilidade para se tornarem efetivos carecem de arrancar de uma correspondência entre o que se tem por razoável e a realidade histórica e esta, na falta de produção de provas, obtém-se apelando ao que é comum acontecer na vida quotidiana, às regras da experiência [Friedrich Stein definiu as regras de experiência deste modo: «São definições ou juízos hipotéticos de conteúdo geral, desligados dos factos concretos que se julgam no processo, procedentes da experiência, mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram inferidas e que, para além destes casos, pretendem ter validade para outros casos novos» - El Conocimiento Privado del Juez (1893). Madrid: Editorial Centro de Estúdios Ramón Areces, 1990, pág. 22].

Ora, neste caso, como já se referiu, faz parte da experiência comum que a parte que contacta testemunhas para deporem em tribunal, não pretende que as testemunhas além de se disponibilizarem para auxiliar à realização da justiça ainda tenham que fazer despesas, nem as testemunhas, em regra, dependendo da situação económica, esperam fazê-las, pelo que é adequado que a parte providencie pela respetiva deslocação e alimentação e se supõe ser prática corrente.

Ora, no caso dos autos resulta que as testemunhas se deslocaram nos dias 15 de maio de 2017 (ata de fls. 155), data em que compareceram cinco testemunhas dos requeridos, às 9.30 horas, e em 15 de setembro de 2017 (ata de fls. 209), data em que compareceram quatro testemunhas dos requeridos, tendo a diligência terminado às 13:00 horas.

Considerando as deslocações nestes dois dias e o facto da segunda sessão ter terminado à hora de almoço, em Viseu, é de considerar como certo, como histórico, que as testemunhas almoçaram em algum estabelecimento de restauração e tenham sido os requeridos a suportar as despesas.

Por conseguinte, o montante de €100,00 pedido afigura-se razoável para cobrir as despesas de deslocação e alimentação dessas pessoas."

[MTS]