"Na presente reclamação para a conferência o reclamante invoca, em síntese, que, contrariamente ao decidido no despacho reclamado, o recurso de revista por si interposto contra o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16.12.2020, tem como fundamento a violação de regras de competência internacional dos tribunais portugueses, pelo que, independentemente do valor da causa, o recurso é sempre admissível de conformidade com o disposto no artigo 629º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil.
Afirmação que sustenta alegando que, contrariamente ao decidido no sentido de que em momento algum o reclamante faz referência a regras de competência internacional que determinem a incompetência dos tribunais portugueses, quanto à penhora de suas contas bancárias, como já tinha sustentado na reclamação apresentada nos termos e ao abrigo do artigo 643º do CPC, nas conclusões 24ª a 29ª do recurso de revista interposto, invocou a violação pelo acórdão recorrido de matéria, de conhecimento oficioso, pertinente à incompetência internacional absoluta, dos tribunais portugueses, em ordenar a penhora e bloqueio de suas contas bancárias, em detrimento da imunidade de execução e de penhora relativa às mesmas, por força de fonte de Direito Internacional Público (convenção internacional, costume jurídico e reciprocidade).
E a mesma conclusão, no sentido de que foi invocada a incompetência internacional dos tribunais portugueses, alcança o reclamante sustentando que “na reclamação originária o Reclamante citou o artigo 11º do Código de Processo do Trabalho” que, em seu entender, ressalva “outra solução estabelecida em convenções internacionais”, ou seja, a imunidade de execução das repartições consulares.
As conclusões do recurso de revista invocadas pelo reclamante têm o seguinte teor:
“24 – Assim, contrariamente ao sustentado pelo Acórdão ora recorrido, a Mmª Juíza de 1ª instância poderia conhecer oficiosamente da questão e decidir, uma vez que o próprio artigo 734º do CPC, remete para o artigo 726º, do mesmo diploma legal, o qual, através do seu nº 2, alínea b), dispõe sobre a intervenção do juiz, “… quando ocorram excepções dilatórias não supríveis de conhecimento oficiosa…”.
25 - Sem se olvidar que o artigo 11º do Código de Processo do Trabalho dispõe, em sua parte final, o seguinte:
“… Não podem ser invocados perante os tribunais portugueses os pactos ou cláusulas que lhes retirem competência internacional atribuída ou reconhecida pela lei portuguesa, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais”.
26 – Pelo que o legislador do processo instrumental ou adjetivo do Trabalho, RESSALVOU expressamente a solução estabelecida em convenções internacionais, em detrimento da competência internacional dos tribunais portugueses.
27 – Sem se olvidar, ainda, como já visto, que o artigo 22º, nº 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, concluída a 18/4/61, dispõe sobre a imunidade de execução/jurisdição das missões e de seus bens.
28 – E que, ao abrigo do disposto pelo artigo 726º, nº 2, al. b) do Código de Processo Civil, a Mmª Juíza do Tribunal ad quo, poderia conhecer e decidir oficiosamente e declarar a impenhorabilidade das contas bancárias do ora recorrente/executado.
29 – Assim, o conhecimento oficioso sobre a impenhorabilidade das contas bancárias do recorrente/executado, por parte do Tribunal de 1ª instância é permitida nos termos do disposto pelos artigos 22º, nº 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, concluída a 18/04/61, ex vi 8º, nº 1, da Constituição da República, em conjugação com o disposto pelo artigo 11º, parte final, do Código de Processo do Trabalho e 726º, nº 2, alínea b), do CPC, que restaram, igualmente violados, pelo Acórdão recorrido”
Tais conclusões e alegação do recorrente visam a decisão proferida no acórdão recorrido ao concluir que a decisão de 1ª instância não se poderia ter pronunciado sobre a impenhorabilidade das penhoras das contas bancárias dizendo:
“(…) é certo que a questão da impenhorabilidade das contas bancárias não foi suscitada pelo executado Consulado Geral do Brasil em Lisboa, não tendo sido deduzida nos autos qualquer tempestiva (ou outra) oposição à penhora nos termos prescritos nos arts. 784º e 785º do CPC, como ao caso poderia caber,
Podia então a Mmª Juíza, oficiosamente, apreciar a questão da inadmissibilidade das penhoras das contas bancárias que fora realizada?
Manifestamente que não.
Decorre do art. 734º do CPC, que o conhecimento oficioso pode ter lugar, essencialmente, em situações que poderiam configurar fundamento para oposição à execução mediante embargos, mas não situações de oposição à penhora, que é o caso dos autos, Assim, a Mª Juíza conheceu indevidamente de matéria que não lhe foi suscitada pelo executado.”
O acórdão recorrido, aqui em convergência com a decisão de 1ª instância, foi de entendimento que da Convenção de Viena Sobre as Relações Diplomáticas celebrada em Viena em 18 de Abril de 1961, versando sobre relações, privilégios e imunidades diplomáticas, não estabelece (no seu artigo 22º, nº 3), a impossibilidade absoluta de bens de outros Estados sitos nas suas Embaixadas ou Consulados, impossibilidade que respeita unicamente aos bens afectos aos fins da missão, divergiu da decisão de 1ª instância considerando que a conclusão da mesma no sentido de que as contas bancárias pertencentes a uma missão diplomática estão necessariamente afectas aos fins da missão, sendo, por isso, impenhoráveis, era destituída de base factual que a sustentasse e que não atingindo a penhora bens totalmente impenhoráveis, não tendo o executado deduzido oposição à penhora, e estando a Mª Juiz impedida de conhecer oficiosamente de conhecer da impenhorabilidade de tais bens após a penhora ter sido realizada, deveria a penhora ser mantida e a execução prosseguir a sua normal tramitação.
Foi neste enquadramento que no despacho ora sob reclamação se entendeu que a questão suscitada nos autos e no recurso de revista interposto pelo reclamante era tão somente a da impenhorabilidade dos bens que foram penhorados, sendo tal questão diversa da incompetência internacional dos tribunais portugueses que não tinha sido suscitada nos autos, entendimento contra o qual o reclamante se insurge.
Não sendo, no contexto descrito, a questão isenta de dúvidas, há que reconhecer, não obstante, que no recurso de revista interposto o reclamante invoca a imunidade de execução/jurisdição das missões e de seus bens, por força de Convenção internacional à qual o Estado Português se encontra vinculado, imunidade que se traduz em subtrair tal matéria à jurisdição do Estado local, no caso Portugal, por via de instrumento de direito internacional por que se afere também a competência internacional dos tribunais portugueses.
A infracção de regras de competência internacional que do mesmo decorram determinam a incompetência absoluta do tribunal (artº 96º, al. a), do CPC), excepção dilatória de conhecimento oficioso (artºs 97º, nº 1, e 577º, al. a), do mesmo diploma legal), sendo que as questões, decididas no acórdão recorrido, de saber se a questão da impenhorabilidade dos bens/incompetência internacional podia ou não ter sido apreciada oficiosamente após a penhora ter sido realizada, e questão de fundo da impenhorabilidade, e sua extensão, dos bens penhorados, constituem objecto do recurso e delas não há aqui de curar."
Se se opta por analisar o problema decorrente da imunidade de jurisdição pela perspectiva da competência internacional dos tribunais portugueses (o que não deixa de ser muito discutível), então importa concluir que o que pode estar em causa quando se discute a competência dos tribunais portugueses para decretar a penhora de uma conta bancária não é a competência internacional como pressuposto processual, mas antes a competência internacional como pressuposto de actos processuais.
Note-se que, como é patente no caso concreto, não se está a discutir a competência internacional para a execução, mas antes a competência internacional para uma medida executiva (a penhora de uma conta bancária). Ora, estas duas competências são duas coisas completamente diferentes. Por exemplo: os tribunais portugueses podem ter competência internacional para uma execução a decorrer em Portugal, mas isso não significa que tenham competência internacional para decretar a penhora de um imóvel situado em Espanha. Assim é, precisamente porque a competência internacional para a execução é uma coisa e a competência internacional para actos executivos é outra completamente diferente.
Nesta base, é equivocada a aplicação do regime da competência internacional como pressuposto processual a uma situação de competência internacional para uma medida executiva. Faça-se aliás um pequeno exercício de pensamento. Se a questão da competência para decretar a penhora de uma conta bancária fosse uma questão de competência internacional como pressuposto processual, então o reconhecimento da falta dessa competência para aquela penhora deveria conduzir à absolvição da instância do executado (art. 99.º, n.º 1, CPC). Imediatamente se vê, pela insustentabilidade desta solução, que não tem sentido analisar o problema sub iudice pela óptica da competência internacional como pressuposto processual.
Por tudo isto, não havia justificação para admitir a revista com fundamento no disposto no art. 629.º, n.º 2, al. a), CPC, dado que a competência internacional referida neste preceito só pode ser a competência internacional como pressuposto processual. Como se referiu, o caso em análise nada tem a ver com esta competência internacional.
MTS