"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



21/02/2022

Jurisprudência 2021 (137)

Injunção europeia;
competência internacional

1. O sumário de RP 27/5/2021 (827/20.7T8PRT.P1) é o seguinte:

I - A competência internacional no procedimento de injunção europeia corresponde ao domicílio do réu ou, no caso da prestação de serviço, ao local onde esta foi realizada.

II - Em caso de dúvida sobre o âmbito dessa prestação deve atender-se à versão da realidade alegada pelo autor, porque estamos perante um pressuposto processual.

III - A admissão do depoimento e declarações de parte só depende da existência de factualidade alegada que seja pertinente para os pressupostos de cada meio de prova.

IV - É indiferente que o ónus de prova dessa realidade caiba à parte contrária, porque o que está em causa é a admissão de um meio de prova que poderá ser útil para a boa decisão da causa sendo o ónus de prova na dimensão objetiva de aplicação posterior.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Está em causa a competência internacional do tribunal para a presente acção, a qual é o primeiro dos pressupostos processuais.

Os pressupostos processuais são tradicionalmente definidos como “os requisitos de que depende dever o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa, concedendo ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante”[...].

Podem, definir-se como as condições necessárias à apreciação do fundo da causa, e à regular constituição da instância processual[...].

Por isso, “constituem assim, as condições de que depende o exercício da função jurisdicional, visando a assegurar a justiça da decisão (a sua conformidade com o direito objectivo) e, por outro lado, a evitar decisões inúteis ou desnecessárias”.[...]

No caso dos procedimentos especiais de injunção europeia, existem requisitos delimitadores específicos.

Decorre do art. 3º do REGULAMENTO (CE) N.º 1896/2006 que “Para efeitos do presente regulamento, um caso transfronteiriço é aquele em que pelo menos uma das partes tem domicílio ou residência habitual num Estado-Membro distinto do Estado-Membro do tribunal demandado”.

Estabelece o art 6 do mesmo diploma que: “para efeitos da aplicação do presente regulamento, a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras do direito comunitário aplicáveis na matéria, designadamente o Regulamento (CE) n.º 44/2001”.

Este diploma foi revogado e actualmente substituído pelo Regulamento(UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro [Ac do STJ de 04-03-2010, Revista n.º 2425/07.1TBVCD.P1.S1 - 2.ª Secção, Serra Baptista; Blog do IPPC: Aspectos gerais do Reg. 1215/2012 (Reg. Bruxelas Ia) - Parte I; Blog do IPPC: Aspectos gerais do Reg. 1215/2012 (Reg. Bruxelas Ia) - Parte II].

Nos termos do art. 4º desse diploma “Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro”.

Mas, de acordo com o art 7º do mesmo diploma: “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:

1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: — no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, — no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados”.

Desta normas resulta que, se existe um critério geral que corresponde ao domicilio das partes, também existe um critério especial que resulta do local onde os serviços foram prestados [Cfr Ac da RG de 10.12.2013, nº 691/11.7TVPRT-A.G1 (Ana Duarte) Luís Pinheiro in “A Competência Internacional dos Tribunais Portugueses”, disponível em http://processocivil.com.sapo.pt/Lima %20Pinheiro.pdf. Note-se alias que esta primazia do local de cumprimento tem vindo a ser reiterada pelo TJUE em várias decisões, nomeadamente o Acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2013, United Antwerp Maritime Agencies (Unamar), processo C-184/12 Pedido de decisão prejudicial: Hof van Cassatie–Bélgica.].

A norma comunitária optou assim por “um conceito pragmático e autónomo de execução aplicável quando esteja em causa contratos de prestação de serviço, que não se encontra sujeito a interpretações extensivas” [ DÁRIO MOURA VICENTE, “Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001”, in Sciencia Ivridica, Maio-Agosto 2002, Tomo L1, n.º 293, p.347-379, maxime p. 3].

Por causa disso, outros elementos como, por exemplo o pagamento do preço são factores de conexão irrelevantes [Ac da RL de 19.4.2016, nº 991/13.1TVPRT.L1-1 (Maria Adelaide Domingos)].

Sendo que, em tese geral, [LUIS LIMA PINHEIRO, “Direito Internacional Privado”, Vol. III, p.105.] “entendeu-se que o foro do lugar de cumprimento da obrigação não só está bem colocado para a condução do processo como também é aquele que, em regra, apresenta a conexão mais estreita com o litígio. Uma vez que oferece ao autor uma alternativa ao foro do domicílio do réu, esse critério de competência contribui para um equilíbrio entre os interesses do autor e os do réu.”

Ora, in casu estamos perante um contrato de prestação de serviços que, na ótica da requerente, implica edição das imagens colhidas a realizar no Porto.

Logo, ao estarmos perante um pressuposto processual o seu preenchimento, em caso de dúvida é efectuado de acordo com a versão alegada pelo autor [...].

Note-se que esta posição foi reiterada pelo nosso STJ considerando que “A competência internacional é um pressuposto processual, isto é, uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa, e afere-se pelo objecto apresentado pelo autor na petição inicial” [Ac do STJ de 5.5.2004, nº JSTJ000 (Araújo Barros)].

A ser assim os serviços, na ótica do autor/requerente foram prestados na cidade do Porto.

Por isso, pode a requerida alegar a sua versão da realidade, mas tendo a mesma utilidade para a demonstração de um pressuposto processual, como referimos, a tese relevante em caso de dúvida é a alegada pelo autor.

Logo é o tribunal nacional o competente."

[MTS]