"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



18/02/2022

Jurisprudência 2021 (136)

 
Apoio judiciário; pedido;
interrupção do prazo; efeitos

 
1. O sumário de RP 7/6/2021 (282/20.1T8OAZ-C.P1) é o seguinte:

I – Prevendo-se no nº 5 do art. 24º da Lei 34/2004 o início do prazo interrompido a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono, é de concluir, em conjugação com a previsão do nº4 daquele mesmo artigo, que do regime de interrupção de prazo ali previsto não resulta qualquer condição para tal interrupção se tornar efectiva;

II – Assim, produzindo-se o efeito da interrupção no momento do facto interruptivo e não estando a mesma sujeita à condição de o acto ser praticado através do patrono nomeado, não se vê fundamento legal para impedir a parte da prática do acto através de mandatário por si constituído e aproveitando aquela interrupção.
 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Como se vê do despacho recorrido, decidiu-se ali que a oposição à execução e à penhora deduzida pelo executado C… mostra-se extemporânea, na consideração de que à mesma não pode aproveitar da interrupção do prazo para deduzir oposição prevista no art. 24º nº4 da Lei 34/2004, de 29/7, pois não obstante aquele executado ter deduzido pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e tal ter comunicado aos autos, tal peça processual mostra-se subscrita por mandatário por si constituído na pendência daquele pedido.
 
Analisemos.
 
Aquele executado foi citado para os termos da execução em 11/2/2020 e em 17/2/2020 enviou por correio para aqueles autos requerimento a dar conta de que tinha deduzido pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono e atribuição de agente de execução, tendo nele requerido a suspensão do prazo em curso para dedução de oposição por embargos até ser proferida decisão final sobre tal pedido [alíneas a) e b) supra].
 
Tal pedido de apoio judiciário só veio a ter decisão em 21/9/2020, a qual foi a de o mesmo ter vindo a ser concedido nas modalidades de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono e atribuição de agente de execução [alínea h) supra].
 
Entretanto, a 25/5/2020, tal executado, em conjunto com a executada D…, vieram requerer a junção aos autos de procuração a mandatários forenses por si constituídos e, em 8/6/2020, apresentaram petição inicial subscrita por um dos advogados constituídos na qual deduziram oposição por embargos e oposição à penhora.
 
Na decisão recorrida, considerando-se [...] que por ter constituído mandatário aquele executado não pode aproveitar da interrupção do prazo para deduzir oposição, entendeu-se que o prazo de 20 dias para deduzir oposição (art. 728º nº1 do CPC) contado desde a citação (a 11/2/2020) tinha terminado a 3/3/2020 [...]
 
Cumpre pois apreciar e decidir se ao executado em causa, representado por advogado por si constituído mas que tinha pedido e a quem acabou por ser deferido o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, assiste o direito de beneficiar da interrupção do prazo para deduzir oposição à execução nos termos previstos naquele art. 24º nº4 da Lei 34/2004.
 
Dispõe este nº4 que “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
 
Dispõe por sua vez o nº5 daquele mesmo artigo que “O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.” [anote-se aqui que pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº461/2016, de 14/7/2016, publicado na II série do DR de 13710/2016, se julgou inconstitucional a interpretação normativa extraída daquela alínea a) “com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do nº4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado”].
 
A jurisprudência tem-se dividido sobre a questão enunciada, como bem se dá conta no recente Acórdão desta mesma Relação de 8/10/2020 (proc. nº 1217/19.0T8STS-A.P1; rel. Francisca Mota Vieira).
 
Alguns arestos defendem que a aludida interrupção do prazo só se torna efectiva como interrupção do prazo, no caso de ao requerente ser nomeado patrono, com a apresentação do respectivo articulado por este último [é o caso, por exemplo: do acórdão da Relação de Lisboa de 17/12/2008 (proc. nº9829/2008-6; rel. Granja da Fonseca), referido na decisão recorrida como sendo de 17/2; do acórdão desta Relação do Porto de 13/9/2011 (proc. nº5665/09.5TBVNG.P1; rel. António Martins); dos acórdãos da Relação de Coimbra de 1/10/2013 (proc. 4550/11.5T2AGD.C1; rel. Teles Pereira) e 25/6/2019 (proc. nº156/18.6T8NZR-A.C1; rel. Jaime Carlos Ferreira), ambos também referidos na decisão recorrida – todos disponíveis em www.dgsi.pt].
 
Outros arestos defendem não existir fundamento legal para que aquela interrupção não aproveite ao requerente de nomeação de patrono que entretanto tenha constituído mandatário, quando a peça processual seja apresentada por este, considerando para tal que do regime de interrupção de prazo decorrente daquele preceito não resulta qualquer condição para a mesma se tornar efectiva [é o caso, por exemplo: dos acórdãos desta Relação do Porto de 15/11/2011 (proc. nº222/10.6TBVRL.P1; rel. João Proença), de 30/1/2014 (proc. 5346/12.2TBMTS.P1; rel. Judite Pires), de 14/12/2017 (proc. nº4502/16.9T8LOU-A.P1; rel. Judite Pires) e de 8/10/2020 acima já referido; do acórdão da Relação de Guimarães de 22/9/2016 (proc. nº1428/12.9TBBCL-D.G1; rel. António Sobrinho); e do acórdão da Relação de Évora de 5/12/2019 (proc. nº399/19.5T8SLV-A.E1; rel. Joaquim Matos) – todos também disponíveis em www.dgsi.pt].
 
Perfilhamos claramente esta segunda orientação.
 
Efectivamente, como se diz no acórdão desta Relação de 15/11/2011 supra mencionado, e aqui acompanhamos, “(…) o texto do mencionado n.º 4 do artº 24º da Lei 34/2004 consagra a interrupção, tout court, do prazo em curso, e não uma interrupção sob condição resolutiva de o acto ser praticado através do patrono nomeado. O efeito da interrupção produz-se no momento do facto interruptivo, independentemente de ocorrências posteriores. A tese da interrupção sob condição resolutiva ofende a confiança dos sujeitos processuais, introduzindo uma preclusão processual que o legislador não consagrou de modo especificado na lei e, como não, não poderiam contar com ela.”.
 
Na mesma exacta linha de raciocínio, diz-se no acórdão desta mesma Relação de 30/1/2014, que também já supra se mencionou:
 
Não admitir a prática de acto processual através de mandatário judicial quando o prazo para o efeito foi declarado interrompido, sem qualquer condição, não tendo sido proferida entretanto decisão de sentido contrário, nem existindo norma que impeça a prática do acto naquelas circunstâncias, traduzir-se-ia [...] numa ofensa à confiança dos sujeitos processuais.
 
Por isso, afigura-se-nos que o texto legal aponta que a intenção legislativa foi manter, sem restrições, o benefício decorrente da interrupção do prazo para a prática de acto processual em curso, enquanto perdurar essa interrupção.
 
Isto é, na falta de norma expressa a afastar a possibilidade desse benefício abranger quem venha a praticar o acto através de advogado constituído, deve admitir-se que a parte possa praticar o acto nessas circunstâncias”.
 
Diz-se ainda no acórdão desta Relação de 14/12/2017 (cuja relatora é a mesma do de 30/1/2014), sempre na referida linha de raciocínio:
 
Admitindo o n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004 o início do prazo interrompido a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono, não se vê fundamento para impedir a parte da prática do acto no decurso da interrupção do respectivo prazo só pelo facto de o fazer por meio de mandatário judicial.
 
Se indeferido o pedido de nomeação de patrono a parte beneficia de novo prazo para a prática do acto, que, em caso de patrocínio obrigatório, terá de fazer através de advogado que constitua, qual a razão para lhe ser vedado esse direito antes de verificado esse pressuposto, tanto mais que lhe assiste o direito de, a qualquer momento, escolher advogado para o representar?
 
E não se diga, como sustenta o acórdão da Relação de Lisboa de 17.12.2008 [referido supra e perfilhado na decisão recorrida] que “…admitir essa interrupção seria pugnar ostensivamente pela violação do princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente, bem como na lei processual civil, porquanto seria admitir que qualquer cidadão que, no decurso de uma acção requeresse apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e, a posteriori, constituísse mandatário nos autos, teria um prazo acrescido de exercício do seu direito em relação aos demais cidadãos que, desde o início da acção, constituíssem mandatário”, pois a violação do princípio da igualdade só ocorre quando se comparam realidades iguais, e não, como no caso, se confrontam realidades distintas.
 
Considerar que “…não pode o demandado usar o direito de requerer apoio judiciário apenas como forma de conseguir mais tempo para contestar” [esta referência de texto, conforme nota final aposta na peça, é feita para o acórdão desta Relação de 13/9/2011, também já por nós referenciado antes e no qual se perfilha a primeira orientação que referimos] para, com esse argumento lhe negar o direito de poder contestar através de mandatário constituído aproveitando a interrupção do prazo concedida pelo facto de haver requerido nomeação de patrono, é esquecer que esse objectivo fraudulento sempre poderia ser alcançado do mesmo modo, e a coberto da lei, na hipótese da parte, sem para tal ter fundamento, requerer apoio judiciário naquela modalidade para, através da interrupção do prazo para contestar decorrente de tal pedido, obter uma dilatação do mesmo, face à prerrogativa que a alínea b) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004 lhe garante” [...].
 
Como se afirma a propósito desta última situação no acórdão da Relação do Porto de 15.11.2011, já mencionado, “Nesta hipótese (…), não obstante a superior reprovabilidade de tal conduta, está fora do alcance a imposição de qualquer preclusão processual, que o legislador manifestamente não estabeleceu”.
 
Aderimos claramente a todos estes argumentos, que, por comodidade e com a devia vénia seguimos e transcrevemos, pois dificilmente diríamos algo mais que o que neles se diz e argumenta no sentido da orientação que perfilhamos.
 
Não se ignora que, ainda assim, pode acontecer que o requerente do apoio judiciário possa agir com intenção diferente da finalidade para a qual a lei lhe concedeu o benefício da interrupção do prazo, como bem se alerta no acórdão desta Relação de 8/10/2020 que acima se aludiu – todavia, como nesta peça também se refere, “nesses casos, enquanto não estiver expressamente prevista na lei a imposição de qualquer preclusão processual, como sucede actualmente, não pode o julgador retirar consequências não previstas expressamente na lei, sob pena de serem proferidas decisões não previsíveis”.
 
De resto, no caso vertente, não vemos qualquer indício de tal intenção “fraudulenta”: na verdade, o executado deduziu oposição a 8/6/2020, quando ainda estava pendente de decisão o seu pedido de apoio judiciário, e este só veio a ser decidido, e deferido, em 21/9/2020 [alínea h) supra], sendo que se quisesse prolongar o seu prazo para deduzir oposição bastaria esperar até esta data e assim usufruir de mais uns meses e dias para tal, pois só com ela, quer lhe fosse concedida ou não a nomeação de patrono, terminava a interrupção e começava novo prazo (nº 5 do art. 24º da Lei 34/2004).
 
Deste modo, tendo em conta que o prazo de 20 dias para dedução de oposição por parte do executado C… se interrompeu em 17/2/2020 (6 dias depois de ter sido citado) e que o mesmo continuava interrompido quando foi por si deduzida, em 8/6/2020 e subscrita pelo mandatário por si entretanto constituído, a oposição à execução, é de concluir, na sequência da orientação que se veio de analisar e perfilhar, que tal oposição é tempestiva."

[MTS]