Execução;
obrigação exequenda; exigibilidade
1. O sumário de RC 22/6/2021 (1000/19.2T8CTB-A.C1) é, na parte agora relevante, o seguinte:
i) Se a exequente é sócia da executada, emprestou-lhe dinheiro, com obrigação de restituição, intitulou os 4 contratos de suprimentos, nas suas cláusulas usa-se sempre a expressão “suprimentos” e nos subsequentes aditamentos se refere sempre a expressão “suprimentos”, conjugando o nomen iuris dos contratos com a titularidade subjetiva dos mesmos (sócio e sociedade), está-se perante contratos de suprimentos;
ii) O mesmo é confirmado pelo "carácter de permanência", enquanto elemento específico do contrato de suprimento (art. 243º, nº 1, do CSC), e que é definido por índices, que os nºs 2 e 3 do mesmo preceito enunciam, por um lado, a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano - quer a estipulação seja contemporânea da constituição do crédito, quer seja posterior - e, por outro lado, a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano, contado da constituição do crédito; [...]
ix) Se a executada/embargante foi dissolvida, por deliberação dos sócios e está em marcha um processo de liquidação extrajudicial, dispondo a lei (art. 245º, nº 3, a), do CSC) que os suprimentos só podem ser reembolsados aos seus credores depois de inteiramente satisfeitas as dívidas daquela para com terceiros, norma que é imperativa, então estamos perante uma condição suspensiva legal que faz com que a obrigação não seja exigível, por força do art. 715º, nº 1, do NCPC (conjugado com o art. 270º do CC);
x) Assim sendo, para prosseguir a execução, cabia à recorrente/exequente o ónus da sua demonstração (nos termos do apontado 715º, nº 1, do NCPC) – “Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva …, incumbe ao credor alegar e provar …, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição…”.
2. Na fundamentação do acórdão esvcreveu-se o seguinte:
"4. Finalmente, ainda se deixou dito na decisão recorrida que:
“Ora, face à natureza dos títulos invocados nos autos - contrato de suprimento - e uma vez que no dia 29 de Outubro de 2014 a Embargante foi dissolvida junto dos serviços do Registo Comercial de Lisboa, sob o registo da AP. 257/20141029, nos termos e para os efeitos do Art.º 141, n.º 1, alínea b) do Código das Sociedades Comerciais, encontrando-se, como a sua própria designação indica, em processo de liquidação é evidente que estamos perante matéria relativa ao exercício de direitos sociais.Sendo certo que ao usar o presente meio processual, de molde a ultrapassar o disposto no artigo 245.º, n.º 3 do C.S.C. e o direito dos restantes credores da embargante, age em abuso do direito, nos termos do disposto no artigo 334.º do CC;”.
A recorrente dissente (cfr. M das suas alegações de recurso).
Cobrar uma um crédito não implica, na normalidade das situações, qualquer abuso de direito. Nem tentando fazê-lo coercivamente, através de uma ação executiva.
Uma vez que a embargante foi dissolvida, por deliberação dos sócios (factos provados 17. e 18.), está em marcha um processo de liquidação extrajudicial. Na sua Assembleia Geral ficou estabelecido que que quando a sociedade for liquidada, o valor de liquidação deverá ser utilizado primeiramente para liquidar as dívidas dos credores, sendo o remanescente utilizado para liquidar os suprimentos dos acionistas (facto 19.), que é o que resulta da lei, no art. 245º, nº 3, a), do CSC: “a) Os suprimentos só podem ser reembolsados aos seus credores depois de inteiramente satisfeitas as dívidas daquela para com terceiros;”.
Ou seja, a recorrente para poder ser reembolsada dos suprimentos carecia de mostrar que antes se mostrem integralmente pagos os créditos que terceiros detêm sobre a recorrida. Esta norma tem aplicação imperativa, ou seja, o reembolso não poderá ocorrer independentemente da vontade das partes.
Pelo que estamos perante uma condição suspensiva legal que faz com que a obrigação não seja exigível, por força do art. 715º, nº 1, do NCPC (ou art. 804º do anterior CPC), conjugado com o art. 270º do CC. Assim sendo, nunca poderia prosseguir a execução até que aquela condição se mostrasse verificada, sob pena de se prejudicar os credores sociais e se violar o disposto no indicado preceito.
Cabia à recorrente o ónus da sua demonstração, como decorre do apontado 715º, nº 1, do NCPC, “Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva …, incumbe ao credor alegar e provar …, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição…”. O que a apelante, porém, não demonstrou.
Deste modo, a decisão recorrida, quanto a esta parte, tem de ser mantida, com a consequente extinção da execução (arts. 732º, nº 4, 731º e 729º, e), do NCPC) e improcedência do recurso."
[MTS]
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