Acção de divisão de coisa comum;
reconvenção; admissibilidade
1. O sumário de RL 8/6/2021 (13686/20.0T8LSB.L1-7) é o seguinte:
Em ação especial de divisão de coisa comum, é admissível o pedido reconvencional de pagamento de despesas (por benfeitorias e relativas à aquisição da fração, bem como as com esta relacionadas), tendo em conta os princípios de gestão processual e adequação formal a impor uma aplicação mais flexível do nº 3 do art. 266º do CPC, e o interesse relevante de apreciação conjunta das pretensões para a justa composição do litígio.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"A presente ação é de divisão de coisa comum.
Dispõe o nº 1 do art. 1412º do CC que “nenhum comproprietário é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa”.
Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela, no CC Anotado, Vol. III, 2ª ed. rev. e atual. (reimpressão), pág. 386, “são os reconhecidos inconvenientes da propriedade em comum que, explicando a concessão do direito legal de preferência aos consortes e a posição deste direito entre as várias preferências legais, também justificam o direito de exigir a divisão, atribuído aos consortes”.
A divisão (substancial ou do preço) pode ser feita amigavelmente, com sujeição à forma exigida para a alienação onerosa de coisa – art. 1413º, nºs 1 e 2 do CC -, ou, não se entendendo os comproprietários quanto à divisão, nos termos da lei de processo (art. 1413º, nº 1 do CC), ou seja, seguindo os termos do processo especial de divisão de coisa comum previsto nos arts. 925º e ss. do CPC.
Efetivamente, dispõe o art. 925º do CPC que “todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas”.
Como resulta deste e dos seguintes preceitos legais, o processo especial para divisão de coisa comum comporta duas fases fundamentais, uma de natureza declarativa que visa decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão que foi invocado, outra, de natureza executiva, na qual se vai materializar o direito que foi definido na fase declarativa ou afirmado sem contestação pelo autor (nos casos de divisibilidade em substância da coisa, procede-se à sua divisão mediante a fixação de quinhões e à subsequente adjudicação dos mesmos aos consortes, nos casos de indivisibilidade material da coisa, procede-se à adjudicação desta a um dos consortes e ao preenchimento em dinheiro das quotas dos restantes, ou à venda executiva da coisa com a repartição do produto da venda pelos interessados, na proporção das respetivas quotas).
Citado o requerido, o mesmo pode deduzir contestação, oferecendo logo as provas de que dispuser (art. 926º, nº 1 do CPC).
Ao contestar a ação, o requerido pode suscitar, designadamente, exceções dilatórias, impugnar a compropriedade, negar o direito do A. a qualquer quota parte ou contrariar o volume da quota indicada por este, a indivisibilidade material da coisa, ou questões que tenham a ver com as caraterísticas físico-materiais da coisa [Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa (ora 1º adjunto), em Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2016, pág. 90].
Quando suscite alguma dessas questões, o tribunal tem de conhecer e decidi-las na fase declarativa da ação de divisão de coisa comum, ou por meio incidental, nos termos do disposto no art. 926º, nº 2 do CPC, que remete para os arts. 294º e 295º do mesmo diploma, revestindo a questão de simplicidade, ou, entendendo que a questão se reveste de complexidade, ordena o prosseguimento dos autos segundo a tramitação prevista para o processo comum, nos termos do nº 3 do art. 926º do CPC.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 549º do CPC, os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns.
Dispõe o art. 266º do CPC que “1 - O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. 2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos: a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor e que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter. 3 - Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 37º, com as necessárias adaptações”.
Por seu turno, estatui o art. 37º do CPC que “2 - Quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio. 3 - Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada”.
Na contestação, o Requerido deduziu pedido reconvencional com vista a obter da Requerente o pagamento, na respetiva proporção, de despesas por si suportadas exclusivamente, e que serão de responsabilidade comum, nomeadamente as tidas com IMI, quotização de condomínio, reembolso dos mútuos bancários, fornecimento de eletricidade, gás, água e telecomunicações, e com benfeitorias realizadas na fração.
Seguindo a ação de divisão de coisa comum um processo especial, e cabendo à ação reconvencional em causa o processo comum, coloca-se a questão da admissibilidade desta [...], à luz dos normativos referidos (principalmente quando inexiste qualquer divergência entre as partes relativamente à existência de compropriedade do imóvel, quanto à natureza indivisível da coisa, e não sendo invocado qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, a determinar o imediato prosseguimento dos autos para a fase executiva do processo), não sendo uniforme a posição da jurisprudência dos tribunais superiores sobre a matéria.
Sendo peticionado na reconvenção o valor (na respetiva proporção) do despendido em benfeitorias por um dos consortes, entendem uns que os princípios de gestão processual e da adequação formal impõem uma aplicação mais flexível do nº 3 do art. 266º do CPC, e sendo relevante o interesse de ver discutidas e decididas todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos, a reconvenção por benfeitorias é admissível, mesmo que a sua admissão seja a única justificação para a abertura da fase declarativa do processo comum – neste sentido, ver os Acs. do STJ de 1.10.2019, P. 385/18.2T8LMG-A.C1.S2 (José Rainho), da RL de 24.9.2015, P. 2510/14.3T8OER-A.L1-2 (Vaz Gomes), da RG de 25.9.2014, P. 260/12.4TBMNC-A.G1 (Carlos Guerra), e da RG de 25.05.2017, P. 1242/09.9TJVNF-B.G1 (Ana Cristina Duarte), todos em www.dgsi.pt, e Luís Filipe Pires de Sousa, na ob. cit., págs. 97/98.
Outros entendem que sendo proferida decisão sumária relativa à indivisibilidade do imóvel e determinado o prosseguimento dos autos nos termos do nº 2 do art. 929º do CPC, então não é admissível o pedido reconvencional por benfeitorias, a impor uma fase processual absolutamente distinta e incompatível, não suscetível de adequação – neste sentido ver o Ac. da RL de 25.6.2020, P. 329/18.T8FNC-A.L-8 (Teresa Sandiães), em www.dgsi.pt.
Também quando é peticionado na reconvenção o valor (na respetiva proporção) de despesas suportadas com o imóvel (nomeadamente com encargo bancário para aquisição da coisa comum), entendem uns que a abertura de uma fase declarativa para apuramento do invocado crédito do requerido sempre implicaria a introdução de uma forma processual manifestamente incompatível, se, por não ter sido contestado o pressuposto da divisão da coisa, não houvesse necessidade de qualquer fase declarativa – neste sentido, ver os Acs. da RL de 4.3.2010, P. 1392/08.9TCSNT.L1-6 (Fátima Galante), da RP de 26.1.2021, P. 1509/19.8T8GDM.P1 (Anabela Dias da Silva) e da RC de 3.11.2020, P. 1761/19.9T8PBL.C1 (Freitas Neto), ambos em www.dgsi.pt.
Entendem outros, que não existe qualquer tramitação manifestamente incompatível, porquanto, por um lado, a tramitação comum está prevista neste processo especial, e, por outro, trata-se tão só da introdução da tramitação do processo comum na fase declarativa do processo especial, retomando-se, depois, na fase executiva, a tramitação do processo especial, estando em causa princípios de economia processual, relevando o interesse de ver discutidas e decididas todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos - ver os Acs. do STJ de 26.1.2021, P. 1923/19.9T8GDM-A.P1.S1 (Maria João Vaz Tomé), da RL de 15.3.2018, P. 2886/15.5T8CSC.L1.L1-8 (António Valente), da RE de 17.1.2019, P. 764/18.5T8STB.E1 (Albertina Pedroso), e da RE de 23.4.2020, P. 1449/18.8T8PTM-A.E1 (Cristina Dá Mesquita), todos em www.dgsi.pt.
O tribunal recorrido, não afastando a admissibilidade da reconvenção, e parecendo sufragar o entendimento de que não existe tramitação manifestamente incompatível a obstar à admissão da reconvenção, não a admitiu, porém, por entender que “… tratando o pedido reconvencional de despesas inerentes à fração autónoma que alegadamente o requerido terá suportado, mas não relacionadas com a compra da fração, não se considera existir um especial interesse ou uma indispensabilidade, para que se considera necessário ou conveniente apreciar esse pedido nos termos do presente processo de divisão de coisa comum”.
Ora, parte do pedido reconvencional reporta-se, precisamente, a despesas suportadas com o empréstimo bancário para aquisição da fração, ao contrário do que refere o tribunal recorrido (para além das relacionadas com o pagamento do IMI e do condomínio), a fundamentar, precisamente, a conveniência de apreciar esse pedido no processo de divisão de coisa comum.
Em todo o caso, conforme já manifestámos no nosso Ac. de 9.3.2021, proferido no P. nº 283/19.2T8MTA-B.L1, não publicado, sufragamos o entendimento de que, em ação especial de divisão de coisa comum, é admissível o pedido reconvencional de pagamento de despesas [...], tendo em conta os princípios de gestão processual e adequação formal a impor uma aplicação mais flexível do nº 3 do art. 266º do CPC, e o interesse relevante de apreciação conjunta das pretensões para a justa composição do litígio.
Razões que saem reforçadas quando está em causa, como no caso, a divisão da coisa comum na sequência de divórcio, a justificar a apreciação conjunta das pretensões que se reportam à coisa comum.
Como se escreve no referido Ac. do STJ de 26.1.2021, “…23. Está em causa o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos. Importa evitar que o Requerido/Recorrente se veja compelido a propor uma outra ação para ver o seu direito reconhecido. A admissão da reconvenção não fere, minime que seja, qualquer princípio estruturante do processo civil. 24. São claramente menores os inconvenientes decorrentes da admissão da reconvenção e da tramitação sob a forma de processo comum do que aqueles que resultariam da sua não admissão. Na verdade, na mesma ação são decididas todas as questões que ao caso importa, procede-se à divisão da coisa comum e compensa-se o invocado crédito por despesas suportadas pelo Requerido para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído à Requerente, sem necessidade de propositura de nova ação”.
Em conclusão, procede a apelação, devendo revogar-se o despacho recorrido, substituindo-o por outro a admitir a reconvenção, com as inerentes consequências processuais."
[MTS]