"Defende o apelante que a decisão recorrida deve ser revogada porquanto estão reunidos os pressupostos necessários para que se proceda à partilha adicional dos bens comuns do dissolvido casal.
Entendeu o tribunal recorrido que “a partilha adicional só é admissível no caso de omissão em partilha judicial, ou seja, não é admissível quando a omissão se deu não em processo de inventário, mas em partilha feita extrajudicialmente mediante acordo de ambas as partes”, pelo que, não sendo esse o caso dos autos, não podem os mesmos prosseguir.
Vejamos.
Antes de mais, há que salientar que o regime jurídico do processo de inventário sofreu várias alterações legislativas, a última das quais consubstanciada na Lei 117/2019, de 13 de Setembro e que entrou em vigor a 01/01/2020, alterando o anterior regime jurídico do inventário e o Código de Processo Civil.
Tendo os autos dado entrada em juízo em 02/02/2021, é este o regime aplicável ao caso em apreciação.
Assim, dispõe o art. 1129º, nº1 do CPC que “Quando se reconheça, depois de feita a partilha, que houve omissão de alguns bens, procede-se a partilha adicional no mesmo processo”.
Saliente-se que este preceito tem equivalência no art. 1395º, nº 1 do CPC anterior a 2013, que estabelecia que “Quando se reconheça, depois de feita a partilha judicial, que houve omissão de alguns bens, proceder-se-á no mesmo processo a partilha adicional, com observância, na parte aplicável, do que se acha disposto nesta secção e nas anteriores”.
Mais se refira que o art. 75º do RJPI anteriormente em vigor era exactamente do mesmo teor, referindo igualmente que se procede à partilha adicional no mesmo processo.
A partilha adicional destina-se, assim, a efectivar a partilha de bens cujo conhecimento aconteça após o trânsito em julgado da partilha, efectuando-se no mesmo processo, embora constitua “uma nova partilha, uma nova causa”, como refere João António Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Vol. II, 4ª edição, págs. 583 a 587.
Da circunstância de se tratar de uma nova partilha não se pode retirar que a mesma não deve obedecer a todas as normas que foram já observadas na partilha efectuada, razão pela qual é a partilha adicional requerida no mesmo processo, aproveitando-se os elementos constantes dos autos e procedendo-se aos demais actos processuais em conformidade.
Apresenta o caso dos autos a particularidade de não ter existido um processo de inventário prévio, antes tendo as partes optado por efectuar uma partilha amigável dos bens.
Face à inexistência de um processo prévio, naturalmente que se tem de afastar a regra constante do citado art. 1129º referente à tramitação da partilha adicional no mesmo processo, já que este preceito terá sempre como pressuposto a existência de uma partilha anterior realizada no âmbito de um processo judicial ou notarial.
Todavia, no caso em que tenha havido uma partilha extrajudicial podem as partes requerer a partilha de outros bens que não os anteriormente partilhados nos termos gerais em que pode ser instaurado o processo de inventário.
Na verdade, a partilha extrajudicial não tem, necessariamente, de abarcar todos os bens a partilhar, sendo legítimo às partes efectuar nova partilha de outros bens, entretanto descobertos ou expressamente deixados de fora da partilha anterior.
Nesse caso, e na ausência de acordo para a concretização da partilha extrajudicial, não pode ser negada a qualquer um dos interessados a hipótese de instaurar processo judicial com vista à partilha de tais bens.
Como se explica no Ac. TRL de 27/11/2012, proc. 891/11.0TBGDM.L1-7, relator Maria do Rosário Morgado, citado pelo apelante, “O art. 1395º, do CPC pressupõe, é certo, uma partilha judicial anterior e a existência de omissão de bens nessa partilha". Não tem, contudo, o alcance que a decisão recorrida lhe atribuiu.
Nos termos daquele normativo legal, a partilha adicional tem lugar no mesmo processo. É o que ali se estipula. Nada mais!
Obviamente, não tendo sido feita a partilha pela via judicial, não é materialmente possível fazê-la nesse mesmo processo…
Tal não significa, porém, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida, que esteja vedado às partes recorrer – nos termos gerais – ao processo de inventário, visando pôr termo à comunhão relativamente aos bens «omitidos» na partilha anterior.
Evidentemente, se houver acordo dos interessados quanto à forma de os partilhar, podem fazê-lo pela via extrajudicial.
Na falta de acordo, resta-lhes o recurso ao inventário, único modo de dar satisfação ao direito (irrenunciável) de exigir partilha (cf. arts. 2101º e 2102º, ambos do CC).
Note-se, aliás, que, por respeito ao princípio da conservação do acto jurídico de partilha, o art. 2122º, do CC estabelece que a omissão de bens da herança não determina a nulidade da partilha, mas apenas a partilha (adicional) dos bens omitidos.
Quer dizer: a partilha inicial mantém-se plenamente válida e eficaz (quer a omissão de bens seja voluntária ou involuntária), constituindo a partilha adicional uma nova partilha, que se realizará recorrendo aos instrumentos legais adequados.
Diverso entendimento representaria, aliás, uma flagrante violação de um princípio estrutural do processo civil, de assento constitucional (cf. art. 20º, da CRP e art. 2º, do CPC), qual seja, o direito de acesso aos tribunais, em cujo âmbito normativo se inclui o direito de acção, isto é, o direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional, solicitando a abertura de um processo e a prolação de uma decisão devidamente fundamentada”.
Estabelecida a possibilidade de ser instaurado processo de inventário para partilha de novos bens para lá dos anteriormente partilhados extrajudicialmente, apreciemos a questão trazida a juízo.
Da leitura do requerimento inicial, verifica-se que o apelante alega ter contraído casamento com a apelada a 01/03/2012, sob o regime de comunhão de adquiridos, tendo o referido casamento sido dissolvido por processo de divórcio por mútuo consentimento a 20/01/2020; que no âmbito desse mesmo processo de divórcio foi relacionada uma parte dos bens comuns do casal e feita, de seguida, a partilha da mesma extrajudicialmente, existindo outros bens adquiridos na constância do matrimónio, que não foram objecto de tal partilha extrajudicial, não existindo concordância quanto à sua partilha.
Por outro lado, importa também referir que, no introito do seu requerimento inicial, o apelante refere que “vem, ao abrigo do disposto no artigo 1082º, al. d) e Art.º 1133º, ambos do C. P. Civil, requerer que se proceda a INVENTÁRIO JUDICIAL PARA PARTILHA DE BENS COMUNS DO DISSOLVIDO CASAL”.
Do que se vem de expor resulta que o objectivo do apelante é proceder à partilha de tais bens, no âmbito de um processo de inventário, razão pela qual peticiona a sua nomeação como cabeça-de-casal e o ulterior prosseguimento dos autos.
Ora, a apreciação do pedido deduzido não se pode limitar a uma mera interpretação linguística e sem apoio na vontade das partes, abstraindo da totalidade das normas invocadas e do pedido deduzido.
Donde, a apreciação liminar efectuada pelo tribunal recorrido mostra-se desadequada face ao pedido efectuado, na medida em que a pretensão do apelante é proceder à partilha de determinados bens através do processo de inventário. Isto é, não estamos perante uma partilha adicional, tal como perspectivado na decisão recorrida e no art. 1129º do CPC, como dependência de um processo prévio, mas sim perante a instauração de um processo de inventário para partilha de bens não anteriormente partilhados em sede extrajudicial e que se assume, por esse motivo como uma partilha adicional ou complementar da primeira.
Como se expôs, tal opção é legitima, não podendo os interessados ser impedidos de exercer o respectivo direito de acção.
Concluindo, entende-se que o pedido em causa nos autos deve ser apreciado no âmbito do presente processo de inventário, pois é esse o pedido deduzido, o que leva à revogação do despacho recorrido, devendo os autos prosseguir em conformidade."
[MTS]