Cônjuge do executado; citação;
separação de bens
1. O sumário de RL 28/9/2017 (16074/09.YYLSB-D.L1-2) é o seguinte:
I – O desrespeito pelas normas de procedimento e de conteúdo da citação pode ser causa de nulidade da citação, nos termos gerais do art 191º/1, mas não dá lugar à falta de citação, a qual só se verifica nas situações taxativamente referidas no art 188º CPC.
II – A citação do cônjuge do executado pressupõe que o mesmo não é executado e que é admitido a intervir na execução para defesa de direitos seus.
III – Esses direitos podem decorrer de uma de três situações.
IV – A primeira, a que se reporta a primeira parte da al a) do art 786º, conjugada com o nº 1 do art 787º, ambos do CPC, resulta de, estando em causa dívida própria do executado ter sido objecto de penhora na execução um imóvel, ou um estabelecimento comercial, que aquele não pode alienar livremente, o que, sendo o regime de bens o da separação, só poderá ocorrer relativamente à casa de morada de família, nos termos do art 1682º-A/2 CC.
V – A segunda ocorre quando, consoante segunda parte da al a) do nº 1 do art 786º CPC, na execução movida contra um dos cônjuges se hajam penhorados bens comuns, sendo que nessa situação o cônjuge do executado é citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena da execução prosseguir sobre os bens comuns.
VI – A terceira situação que justifica a citação do cônjuge do executado, resulta das hipóteses previstas nos arts 741º e 742º CPC, a que se reporta o nº 5 do art 786º, pressupondo-se nessas hipóteses, em ambos os casos, que o cônjuge do executado pretenda contestar a comunicabilidade da dívida - no caso do art 741º, alegada pelo exequente, no caso do art 742º, alegada pelo cônjuge contra quem a execução foi promovida.
VII – Na situação dos autos, em que o regime de bens é o da separação, não se verificava nenhuma das três situações para o cônjuge do executado se ter oposto à penhora, pelo que se impunha o indeferimento liminar dessa oposição.
2. No relatório e na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
Liminarmente, foi proferido o seguinte despacho:
«O(a)(s) executado(a)(s), representado(a)(s) por advogado, deduziu(ram) oposição à penhora.
Apreciando.
Nos termos do art. 784.º do CPC, apenas podem ser fundamentos de oposição à penhora os elencados nas alíneas do n.º 1 desse preceito, sendo que, compulsada a petição inicial, nada do que aí se alega configura um dos fundamentos previstos na lei para a oposição à penhora, o que será decerto do conhecimento do(a)(s) opoente(s), porquanto está(ão) representado(a)(s) por advogado.
Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 732.º, n.º 1, do CPC, indefiro liminarmente a petição inicial.
Custas pelo(a)(s) opoente(s).
Registe e notifique.»
II – É desse despacho que o oponente apela [...].
Não há contra alegações.
III – No despacho de que se apela não se enuncia qualquer matéria de facto enquanto fundamento do que se decidiu.
IV – Em face das conclusões da apelação e concatenando-as com o despacho recorrido, importa decidir:
1 - Se o despacho apelado é nulo, nos termos do art 615º/b), (por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão), e nos termos da 1ª parte da al c) dessa mesma norma, (por omissão de pronúncia relativamente à questão invocada da nulidade da citação);
2 - Se, ocorrendo essas nulidades, e no suprimento das mesmas, se deverá entender que há falta ou nulidade da citação;
2 - Se a situação fáctica em apreço nos autos se pode subsumir ao disposto no art 784º/1 als a) e c), [...] estando em causa uma situação de impenhorabilidade, e se será caso para o oponente requerer a rejeição da comunicabilidade da dívida e a separação de património.
1 – É evidente a falta de fundamentação do despacho em apreço.
A imposição de fundamentação – seja dos fundamentos de facto, seja dos de direito - é uma exigência constitucional, decorrente do art 205º/1 da CRP [...] que só exclui dessa exigência os despachos de mero expediente, o que não é, seguramente, o caso do despacho impugnado.
Por isso, o despacho em causa, é nulo.
Mas é também nulo porque, igualmente de forma manifesta, não conheceu da questão da nulidade da citação que havia sido colocada pelo oponente para apreciação. [...]
3 – [...] Dispõe o art 786º/1 al a) CPC que «concluída a fase da penhora e apurada, pelo agente de execução, a situação registral dos bens, são citados para a execução o cônjuge do executado, quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente, ou quando se verifique o caso previsto no nº 1 do art 740º».
Por sua vez, o nº 5 dessa mesma disposição, refere que «tem ainda lugar a citação do cônjuge do executado nos termos especialmente previstos nos arts 741º e 742º».
Estabelecendo o “estatuto processual do cônjuge do executado”, refere o nº 1 do art 787º que «o cônjuge do executado, citado nos termos da primeira parte da al a) do nº 1 do art anterior, é admitido a deduzir, no prazo de 20 dias, oposição à penhora e a exercer, nas fases da execução posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual confere ao executado, podendo cumular eventuais fundamentos de oposição à execução», contrapondo o nº 2 que, «nos casos especialmente regulados nos arts 740º a 742º, é o cônjuge do executado admitido a exercer as faculdades aí previstas».
Como é evidente, a citação do cônjuge do executado pressupõe que o mesmo não é executado e que é admitido a intervir na execução para defesa de direitos seus.
Não sendo executado, tal significa, à partida – salvo ilegitimidade passiva na execução –, que a dívida que é objecto desta não é comum, ou, pelo menos, que a respectiva comunicabilidade não é inteiramente líquida.
Com efeito, resultando do título executivo que a dívida é comum, deverão ambos os cônjuges ser executados em litisconsórcio necessário.
Parte-se, portanto, do pressuposto, na previsão do art 786º/1 al a), que a dívida objecto de execução é própria do executado.
Neste pressuposto, de dívida própria do executado, e tendo sido objecto de penhora na execução um imóvel, ou um estabelecimento comercial, que o executado não pode alienar livremente, decorre da primeira parte dessa norma, conjugada com a do nº 1 do art 787º, que o cônjuge do executado deve ser citado, sendo admitido a deduzir, no prazo de 20 dias oposição à penhora dos bens respectivos e podendo cumular eventuais fundamentos de oposição à execução. Pode, por outro lado, exercer nas fases da execução posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual confere ao executado.
A circunstância de a lei lhe permitir que deduza fundamentos contra a execução, e, em última análise, poder, em função dos mesmos, fazer extinguir a execução, implica que se lhe atribua o estatuto de parte principal («parte principal é a que pode dispor da instância e do objecto do recurso» [Rui Pinto [...] [«Manual da Execução e Despejo», Coimbra Editora, Ag de 2013, p 828 e ss.]).
Na situação dos autos o aqui oponente foi citado precisamente em função da penhora do imóvel sito na R. ……….. nº ……- andar A.
O imóvel em causa está registado desde 29/1/2014 em nome da executada Maria …….., que é casada com o oponente desde 12/2/2005, em regime de separação de bens.
No regime de separação de bens não há bens comuns.
O imóvel penhorado é, por isso, bem próprio da executada e ela pode aliena-lo livremente, salvo se o mesmo constituísse casa de morada de família, art 1682-A/2 CC, o que o aqui oponente excluiu na oposição (na data desta há mais de um ano que não residia naquele imóvel).
A segunda situação que justificaria a citação do cônjuge do executado, ocorre, consoante segunda parte da al a) do nº 1 do art 786º CPC, «quando se verifique o caso previsto no nº 1 do arrt 740º», consequentemente, quando na execução movida contra um dos cônjuges se hajam penhorados bens comuns.
Nessa situação o cônjuge do executado é citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena da execução prosseguir sobre os bens comuns.
Ora, nada disto faz qualquer sentido na situação dos autos - na execução não se penhorou bem comum, porque eles não existem no regime de separação de bens, e nada há a separar, porque nada há em comum.
A terceira situação que justificaria a citação do cônjuge do executado, seriam as hipóteses previstas nos arts 741 e 742º CPC, a que se reporta o mencionado nº 5 do art 786º.
A primeira, a pressupor que o exequente tivesse alegado que a dívida, constante de título diverso da sentença, é comum, e o cônjuge não executado quisesse impugnar tal comunicabilidade, devendo, então, ser citado para, também no prazo de 20 dias, declarar se aceita a comunicabilidade da dívida baseada no fundamento alegado, com a cominação de que, se nada disser, a dívida é considerada comum, sem prejuízo da oposição que contra ela deduza – nº 2 do art 741º- sendo que se, assim, a dívida for considerada comum, a execução prossegue também contra o cônjuge não executado, cujos bens próprios podem ser nela subsidiariamente penhorados – cfr nº 5 do art 741º.
Na situação dos autos o exequente não suscitou o incidente de comunicabilidade, pelo que nenhum sentido faria que o cônjuge do executado se defendesse dessa não invocada comunicabilidade.
A segunda hipótese acima mencionada, pressuporia que cônjuge que é executado, e unicamente contra quem foi movida a execução, tendo visto penhorados bens próprios, tivesse, em oposição à penhora, alegado fundamentadamente que a dívida, constante de título diverso da sentença, é comum, logo indicando quais os bens comuns que poderiam ser penhorados.
Na situação dos autos não se tem notícia de que a executada Maria …….. tivesse suscitado o incidente da comunicabilidade.
E, na verdade, o oponente, cônjuge da referida executada, apenas foi citado nos termos do art 787º, que está, como acima se viu, umbilicalmente referenciado às situações mencionadas na 1ª parte da al a) do art 786º.
Do que se vem de dizer resulta que o aqui oponente, cônjuge da executada Maria …………, nenhum motivo tinha para, em concreto, se opor à penhora do imóvel que foi dele objecto na execução – não podia requerer a separação de bens, pois que era já casado em separação de bens; não tinha que ser ouvido a respeito da comunicação da divida, que não foi invocada nem pelo exequente, nem pela executada; e não estava em causa na execução qualquer direito seu sobre esse imóvel, visto que o mesmo nem sequer constituía casa de morada de família, única das situações – e discutivelmente [Cfr Rui Pinto, obra citada, p 838] – em que lhe seria legítima a tutela do direito sobre esse imóvel.
Consequentemente, a situação fáctica em apreço nos autos não se pode subsumir ao disposto no art 784º/1 als a) e c) – uma vez que, o que nesse preceito se refere, destina-se ao executado e não ao cônjuge deste …ao contrário do que parece ter sido perspectivado pelo próprio despacho recorrido -, não se configura uma situação de impenhorabilidade e não é caso do opoente requerer a rejeição da comunicabilidade da dívida e tão pouco a separação de património.
Pelo que – e como o deixava adivinhar a circunstância de na sua longa oposição o oponente não a ter minimamente factualizado – é a mesma absolutamente infundada.
Pelo que há que confirmar o despacho recorrido, ainda que não em função do disposto no art 784º CPC, como nele parece ter sido pressuposto."
[MTS]
A circunstância de a lei lhe permitir que deduza fundamentos contra a execução, e, em última análise, poder, em função dos mesmos, fazer extinguir a execução, implica que se lhe atribua o estatuto de parte principal («parte principal é a que pode dispor da instância e do objecto do recurso» [Rui Pinto [...] [«Manual da Execução e Despejo», Coimbra Editora, Ag de 2013, p 828 e ss.]).
Na situação dos autos o aqui oponente foi citado precisamente em função da penhora do imóvel sito na R. ……….. nº ……- andar A.
O imóvel em causa está registado desde 29/1/2014 em nome da executada Maria …….., que é casada com o oponente desde 12/2/2005, em regime de separação de bens.
No regime de separação de bens não há bens comuns.
O imóvel penhorado é, por isso, bem próprio da executada e ela pode aliena-lo livremente, salvo se o mesmo constituísse casa de morada de família, art 1682-A/2 CC, o que o aqui oponente excluiu na oposição (na data desta há mais de um ano que não residia naquele imóvel).
A segunda situação que justificaria a citação do cônjuge do executado, ocorre, consoante segunda parte da al a) do nº 1 do art 786º CPC, «quando se verifique o caso previsto no nº 1 do arrt 740º», consequentemente, quando na execução movida contra um dos cônjuges se hajam penhorados bens comuns.
Nessa situação o cônjuge do executado é citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena da execução prosseguir sobre os bens comuns.
Ora, nada disto faz qualquer sentido na situação dos autos - na execução não se penhorou bem comum, porque eles não existem no regime de separação de bens, e nada há a separar, porque nada há em comum.
A terceira situação que justificaria a citação do cônjuge do executado, seriam as hipóteses previstas nos arts 741 e 742º CPC, a que se reporta o mencionado nº 5 do art 786º.
A primeira, a pressupor que o exequente tivesse alegado que a dívida, constante de título diverso da sentença, é comum, e o cônjuge não executado quisesse impugnar tal comunicabilidade, devendo, então, ser citado para, também no prazo de 20 dias, declarar se aceita a comunicabilidade da dívida baseada no fundamento alegado, com a cominação de que, se nada disser, a dívida é considerada comum, sem prejuízo da oposição que contra ela deduza – nº 2 do art 741º- sendo que se, assim, a dívida for considerada comum, a execução prossegue também contra o cônjuge não executado, cujos bens próprios podem ser nela subsidiariamente penhorados – cfr nº 5 do art 741º.
Na situação dos autos o exequente não suscitou o incidente de comunicabilidade, pelo que nenhum sentido faria que o cônjuge do executado se defendesse dessa não invocada comunicabilidade.
A segunda hipótese acima mencionada, pressuporia que cônjuge que é executado, e unicamente contra quem foi movida a execução, tendo visto penhorados bens próprios, tivesse, em oposição à penhora, alegado fundamentadamente que a dívida, constante de título diverso da sentença, é comum, logo indicando quais os bens comuns que poderiam ser penhorados.
Na situação dos autos não se tem notícia de que a executada Maria …….. tivesse suscitado o incidente da comunicabilidade.
E, na verdade, o oponente, cônjuge da referida executada, apenas foi citado nos termos do art 787º, que está, como acima se viu, umbilicalmente referenciado às situações mencionadas na 1ª parte da al a) do art 786º.
Do que se vem de dizer resulta que o aqui oponente, cônjuge da executada Maria …………, nenhum motivo tinha para, em concreto, se opor à penhora do imóvel que foi dele objecto na execução – não podia requerer a separação de bens, pois que era já casado em separação de bens; não tinha que ser ouvido a respeito da comunicação da divida, que não foi invocada nem pelo exequente, nem pela executada; e não estava em causa na execução qualquer direito seu sobre esse imóvel, visto que o mesmo nem sequer constituía casa de morada de família, única das situações – e discutivelmente [Cfr Rui Pinto, obra citada, p 838] – em que lhe seria legítima a tutela do direito sobre esse imóvel.
Consequentemente, a situação fáctica em apreço nos autos não se pode subsumir ao disposto no art 784º/1 als a) e c) – uma vez que, o que nesse preceito se refere, destina-se ao executado e não ao cônjuge deste …ao contrário do que parece ter sido perspectivado pelo próprio despacho recorrido -, não se configura uma situação de impenhorabilidade e não é caso do opoente requerer a rejeição da comunicabilidade da dívida e tão pouco a separação de património.
Pelo que – e como o deixava adivinhar a circunstância de na sua longa oposição o oponente não a ter minimamente factualizado – é a mesma absolutamente infundada.
Pelo que há que confirmar o despacho recorrido, ainda que não em função do disposto no art 784º CPC, como nele parece ter sido pressuposto."
[MTS]