"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/02/2018

Jurisprudência (798)


Penhora de rendas, abonos, vencimentos ou salários;
quantias vincendas; adjudicação



1. O sumário de RP 13/11/2017 (6959/15.6T8PRT-A.P1) é o seguinte:

I - Só é possível deduzir embargos de executado num processo de execução que ainda se encontre pendente.

II - A extinção da execução nos termos do art. 779.º, n.º 4, alín. b), do CPC, é uma verdadeira extinção da instância executiva, sem prejuízo de a mesma poder ser renovada nos casos previstos na lei.

III - A adjudicação das quantias vincendas do crédito penhorado é um adjudicação pro solvendo que determina a extinção do crédito exequendo pelo pagamento, pelo que os descontos subsequentemente realizados são consequência já não da penhora mas da substituição na titularidade do crédito.

IV - Se esses descontos excederem o devido, o devedor inicial pode instaurar uma acção declarativa de repetição do indevido e, se for o caso, uma providência cautelar para suspender os descontos até à decisão definitiva da acção.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"[...] o n.º 4 do artigo 779.º do Código de Processo Civil é claro ao prescrever que o agente de execução adjudica ao credor as quantias vincendas. Ora a adjudicação do direito de crédito é uma das formas de efectuar o pagamento ao exequente prevista no artigo 795.º do mesmo diploma segundo o qual o pagamento pode ser feito pela entrega de dinheiro, pela adjudicação dos bens penhorados, pela consignação dos seus rendimentos ou pelo produto da respectiva venda.

Portanto, quando o agente de execução adjudicou ao exequente as quantias vincendas provenientes dos descontos determinados na pensão de reforma da executada, operou-se essa forma de pagamento da quantia exequenda e, consequentemente, cessou a penhora que é apenas uma diligência própria do processo executivo destinada a conservar os bens e afectá-los aos fins da execução, cessando por conseguinte quando esse fim é alcançado (designadamente quando os bens penhorados são vendidos ou adjudicados).

Essa adjudicação parece ter a natureza jurídica de uma adjudicação pro solvendo (artigo 840.º do Código Civil) e não in solutum (artigo 837.º do Código Civil), uma vez que nos termos do n.º 5 do artigo 779.º do Código de Processo Civil a instância se renova caso o crédito do exequente não venha a ser integralmente satisfeito através do direito do executado adjudicado ao exequente, num sinal de que a extinção do direito de crédito do exequente não se dá com a mera adjudicação mas apenas se e quando se concretizar o recebimento do bem adjudicado.

Como ensinam Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, Vol. II, pág. 211, e Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 103º, pág. 120, na dação pro solvendo há um cumprimento condicional, há efectiva substituição da prestação no cumprimento, mas a extinção da obrigação só opera caso o credor realize o valor correspondente ao montante da prestação a que tinha direito, devendo para o efeito o credor, de acordo com a vontade normal das partes, procurar primeiro a satisfação do seu crédito através da coisa ou do direito prestado em função do cumprimento.

De todo o modo, no processo executivo a adjudicação é sempre uma forma de pagamento e conduz à extinção da execução, ainda que a respectiva instância possa ser renovada a requerimento do exequente para obtenção do que faltar pagar.

Finalmente, é verdade que o executado deverá poder reagir contra a eventualidade de os descontos que estão a ser feitos na sua pensão não serem mais necessários para pagar ao exequente, designadamente por este já ter inclusivamente recebido quantias em excesso. Mas daí não resulta que só o possa fazer através do processo executivo e que por isso os embargos de executado tenham de ser admitidos.

Ainda que o direito constante do título exequendo tenha sido executado coercivamente, o devedor pode instaurar uma acção declarativa autónoma destinada a obter o reconhecimento de que o direito não existia ou estava extinto e a condenação do credor a restituir o indevido.

Não existindo norma que o proíba, o devedor pode instaurar uma acção para restituição do indevido com fundamento em que o direito documentado no título que consentiu a instauração da acção executiva afinal não existe, extinguiu-se ou é inexigível, ainda que possa colocar-se a questão do caso julgado formado pela eventual decisão dos embargos de executado oportunamente apresentados. No caso de títulos executivos que não sejam sentenças judiciais, essa possibilidade não pode mesmo ser recusada com fundamento algum porque o título executivo não constitui prova plena da existência do direito (e mesmo que constituísse, sempre poderia ter afastada mediante a prova da falsidade do título), não houve previamente qualquer intervenção jurisdicional a reconhecer o direito, o processo executivo não compreende na sua tramitação qualquer fase em que se exija do credor munido de título extrajudicial a prova do direito que pretende executar e, finalmente, não existe norma que estabeleça para a falta ou improcedência da oposição um efeito preclusivo extraprocessual (ou seja, para além da própria execução) da posterior invocação de qualquer fundamento substantivo de inexistência ou extinção do direito.

Havendo essa possibilidade, está igualmente em aberto a hipótese de o executado instaurar um procedimento cautelar destinado a suspender os descontos até à decisão definitiva da acção pois se tiver razão na sua argumentação (que o executado já está integralmente pago e enriqueceu injustificadamente com os valores descontados) a continuação dos descontos é uma agressão ilícita ao seu direito sobre a entidade que vem fazendo os descontos na pensão.

Por todas estas razões, deve reconhecer-se que a solução legal da extinção da execução após a adjudicação das quantias vincendas prevista no n.º 4 do artigo 779.º do Código de Processo Civil não só é incontornável como que determinou a cessação da instância executiva, obstando à instauração por apenso à mesma de qualquer enxerto declarativo, designadamente o dos embargos de executado."
[MTS]