Transacção; sentença homologatória;
excepção de caso julgado
1. O sumário de RP 26/10/2017 (31802/15.2T8LSB.P1) é o seguinte:
I - No caso concreto, o senhor juiz de paz, proferiu sentença na acta de audiência de julgamento de 19.01.2016, no Procº 968/2015, do Julgado de Paz de Lisboa, homologando o acordo que as partes lhe apresentaram por escrito por elas assinado e condenou e absolveu as partes em litígio nos seus precisos termos.
II - Não há dúvida que com aquela transacção judicial as partes extinguiram a instância daquele processo e fizeram cessar a causa nos termos em que a efectuaram, sem prejuízo de poderem vir invocar a invalidade por qualquer forma do respectivo negócio jurídico ou da sentença homologatória- artºs 277º, al. d), 284º e 291º, nºs 1 e 2, todos do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06.
III - Bastará uma análise perfunctória de ambas as acções em referência para se poder concluir não se verificar na situação dos autos com referência à acção aludida pela ré na sua contestação, essa tríplice identidade a que alude o artigo 581º do actual Código de Processo Civil e que é condição para a verificação da excepção dilatória do caso julgado a que se refere o também ele já citado artigo 577º, alínea i), em qualquer uma das suas vertentes.
IV - Dado que a sentença proferida nos Julgados de Paz de Lisboa não apreciou do objecto do litígio, a mesma não se pode impor à sentença a proferir no âmbito dos presentes autos sob recurso.
V - Pelo que o Tribunal a quo não está impedido de apreciar e julgar o litígio, não se encontrando, em consequência, prejudicado o direito do ora Recorrente em accionar a Recorrida no âmbito dos presentes autos, nos termos em que o fez.
VI - Em face do exposto, contrariamente ao entendimento da decisão recorrida não se verifica a excepção do caso julgado, em qualquer das suas vertentes (positiva ou negativa).
2. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"I - Relatório:
O autor B… veio intentar a presente acção declarativa de condenação contra C…, Lda., pedindo que a ré seja condenada a restituir-lhe a quantia de €20.000,00, entregue a título de adiantamento, e a pagar-lhe a quantia de €10.001,00 de indemnização pelos prejuízo causados pelo atraso e incumprimento definitivo da obra contratada e respetivos danos patrimoniais e não patrimoniais causados, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde 12.11.2013 até integral pagamento.
Para o efeito alega que contratou com a ré a realização por esta de uma obra respeitante à substituição do pavimento da sua habitação, pelo valor global de €21.000,00, tendo para o efeito pago à ré adiantadamente a quantia de €20.000,00. A ré não realizou os trabalhos em conformidade com o acordado e as regras da arte, tendo sido identificados nove defeitos, os quais a ré acordou reparar. Não obstante, os trabalhos de reparação levados a cabo pela ré não produziram os resultados esperados, não sendo o resultado final aceitável nem reparável. Por tal motivo, o autor resolveu o contrato celebrado com a ré, e solicitou a devolução dos €20.000,00 entregues, ao que esta lhe respondeu não aceitar a existência dos apontados defeitos e reclamou o pagamento da quantia de €5.830,00 em falta relativa aos trabalhos realizados.
A ré apresentou contestação, invocando além do mais a excepção do caso julgado, por os factos em discussão nos presentes autos corresponderem aos que foram alegados no processo n.º 968/2015, dos Julgados de Paz de Lisboa, nos termos do qual foi celebrada transacção, devidamente homologada por sentença, já transitada em julgado.
Notificado o autor, o mesmo veio pugnar pela improcedência da invocada excepção, referindo em suma que, pese embora a referida transacção, as partes não pretenderam submeter o mérito da questão à apreciação judicial, não abdicando dos seus direitos nem se exonerando das suas obrigações, relegando de forma intencional a composição definitiva do litígio para estes autos. [...]
II.1 - Do Recurso:
"[...] no caso concreto, o senhor juiz de paz, proferiu sentença na acta de audiência de julgamento de 19.01.2016, no Procº 968/2015, do Julgado de Paz de Lisboa, homologando o acordo que as partes lhe apresentaram por escrito por elas assinado e condenou e absolveu as partes em litígio nos seus precisos termos. E os respectivos termos são os que constam expressamente do dito acordo, transcrito no ponto 4. dos factos provados da sentença.
Tal sentença transitou em julgado dado que da mesma não foi interposto recurso nos termos do Artigo 62.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, que prescreve:
Recursos
Dispõe o Artigo 63.º da referida Lei que:
“Direito subsidiário
É subsidiariamente aplicável, no que não seja incompatível com a presente lei e no respeito pelos princípios gerais do processo nos julgados de paz, o disposto no Código de Processo Civil, com excepção das normas respeitantes ao compromisso arbitral, bem como à reconvenção, à réplica e aos articulados supervenientes”.
Não há dúvida que com aquela transacção judicial as partes extinguiram a instância daquele processo e fizeram cessar a causa nos termos em que a efectuaram, sem prejuízo de poderem vir invocar a invalidade por qualquer forma do respectivo negócio jurídico ou da sentença homologatória- artºs 277º, al. d), 284º e 291º, nºs 1 e 2, todos do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06.
Mas o senhor juiz de paz não conheceu do conteúdo da petição inicial, nem da contestação, não tendo assim apreciado o mérito do processo e, em consequência, não ter havido uma decisão sobre o pedido da Autora, aqui Recorrida, e / ou procedência da impugnação e defesa por excepção deduzida pelo Réu, aqui Recorrente.
A transacção efectuada naqueles autos mediante o pagamento de uma quantia, tout court, não significa que as partes tenham acordado e/ou reconhecido o que quer que seja, quanto ao eventual (in)cumprimento do contrato de empreitada.
Ora, a decisão recorrida julgou procedente a excepção dilatória de caso julgado, prevista no artigo 577º, alínea i) do atual Código de Processo Civil – artigo 494º, alínea i) do anterior Código, na vertente apontada pela ré, a função negativa do caso julgado, ou seja, a de evitar a repetição de causas.
Para que se verifique essa excepção dilatória, impõe-se a verificação dos requisitos enunciados nos artigos 580º e 581º do atual Código de Processo Civil – artigos 497º e 498º do anterior Código de Processo Civil.
Assim, e de acordo com os referidos preceitos, pressupondo a referida excepção a repetição de uma causa, temos que essa repetição ocorrerá quando se propõe uma acção idêntica a outra, quanto aos sujeitos, quanto ao pedido e à causa de pedir, sendo que, e concretizando, o último dos preceitos citados estabelece que há identidade de sujeitos, quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.
Ora bastará no caso uma análise perfunctória de ambas as acções em referência para se poder concluir não se verificar na situação dos autos com referência à acção aludida pela ré na sua contestação, essa tríplice identidade a que alude o artigo 581º do actual Código de Processo Civil e que é condição para a verificação da excepção dilatória do caso julgado a que se refere o também ele já citado artigo 577º, alínea i), em qualquer uma das suas vertentes.
Com efeito, enquanto que na acção que correu termos no Julgado de Paz de Lisboa a aqui ré, alegando o incumprimento parcial do ali réu no pagamento do preço acordado para a obra de construção civil por si realizada e após eliminação de defeitos denunciados pelo ali réu, pedia a condenação deste no pagamento desse preço no valor de 5.830,00€,a que se refere a factura nº 2/44, vencida me 04.10.2013, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a data de vencimento daquela factura até integral pagamento, nesta acção o autor (ali réu) invoca a existência de incumprimento/cumprimento defeituoso do contrato de empreitada celebrado com a ré e a sua resolução por carta de 12.11.2013, pedindo a condenação da ré na restituição do preço que pagou de adiantamento no valor de 20.000,00€, em indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do atraso e incumprimento definitivo da obra contratada, no valor de 10.0001,00€, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde 12.11.2013 até integral pagamento. Ou seja, tudo analisado, estamos no caso, e quanto mais não seja, perante causas de pedir diferentes e perante pedidos também eles diferentes, de tudo isto resultando que a excepção dilatória de caso julgado terá que improceder.
Acresce que a ora alegação (causa de pedir) do autor, serviu de alegação na contestação, por via de excepção peremptória de incumprimento/cumprimento defeituoso na anterior acção que correu no Julgado de Paz de Lisboa.
Mas essa questão não foi objecto de decisão no âmbito daquela acção, pelo que a sentença homologatória da transacção ali efectuada, transitada em julgado, não obsta à propositura da presente acção, pelo que, in casu, não se verifica a excepção dilatória inominada da autoridade do caso julgado. Não se corre o perigo de obstar a que a mesma situação em concreto possa ser validamente definida de modo diverso.
Com efeito, quer a excepção dilatória do caso julgado, quer a excepção dilatória inominada da autoridade do caso julgado, configuram efeitos distintos da mesma realidade jurídica, na medida em que pela primeira visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se assim o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, enquanto que pela segunda se visa antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto necessário da decisão de mérito a proferir, assentando pois um tal efeito, positivo, numa relação de prejudicialidade, decorrente da circunstância do objeto da primeira decisão constituir questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida – Lebre de Freitas Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 2ª edição, pág. 354 e Acórdão da Relação de Guimarães de 17-1
Ora, conforme se referiu, a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior.
Dúvidas não há de que o efeito útil que a excepção do caso julgado pretende acautelar não se justifica, nem se aplica in casu, uma vez que não existe a possibilidade de o tribunal a quo contradizer uma decisão anterior, pelo simples motivo de que o pedido e causa de pedir em apreciação na presente acção não foram apreciados e julgados no âmbito do processo que correu termos junto do Julgado de Paz de Lisboa e no qual a sentença ali proferida apenas homologou o acordo de pagamento por parte do então Réu de uma quantia no valor de €4.500,00, sendo, em consequência, o conteúdo/objecto da sentença, por apenas referir uma obrigação de pagamento não consubstanciada em quaisquer razões de facto e/ou de direito, insusceptível de ser contraditada ou de sobre a mesma poder incidir uma sentença alternativa e/ou incongruente no âmbito dos presentes autos sob recurso.
A relação controvertida objecto do processo que correu termos nos Julgados de Paz de Lisboa, não foi julgada, nem sobre a mesma incidiu qualquer tipo de juízo, tendo o litígio ficado em aberto e por decidir.
Pelo que o Tribunal a quo não está impedido de apreciar e julgar definitivamente tal litígio, não se encontrando, em consequência, prejudicado o direito do ora Recorrente em accionar a Recorrida no âmbito dos presentes autos, nos termos em que o fez.
Dado que a sentença proferida nos Julgados de Paz de Lisboa não apreciou do objecto do litígio, a mesma não se pode impor à sentença a proferir no âmbito dos presentes autos sob recurso.
Em face do exposto, contrariamente ao entendimento da decisão recorrida não se verifica a excepção do caso julgado, em qualquer das suas vertentes (positiva ou negativa)."
3. [Comentário] A orientação adoptada pela RP -- há que infelizmente dizê-lo -- não é sustentável por motivos que já foram expostos em Jurisprudência (132).
A única forma de defender a orientação que fez vencimento no acórdão seria demonstrar que a transacção celebrada pelas partes teria sido uma transacção parcial, o que, contudo, não decorre de modo algum do teor dessa transacção: "1. Acordam as partes transaccionar no âmbito dos presentes autos mediante o pagamento do valor de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) a efectuar pelo demandado para a conta bancária da demandante com o IBAN PT.. ………….............. do Banco D… o qual realizará o pagamento no prazo de cinco dias úteis a contar da presente data. 2. A demandante enviará para o escritório do I.M do demandado, para efeitos meramente contabilísticos, nota de crédito relativamente ao diferencial entre a fatura n.º …. e o montante da transacção, obrigando-se o demandando a assinar uma cópia e a restituí-la à demandante no prazo de trinta dias. 3. Custas em partes iguais”, conforme ata de fls. 264 que aqui se dá por integralmente reproduzida”.
Ao afirmado no referido post pode acrescentar-se a seguinte pergunta: tendo presente que na anterior e nesta acção está em apreciação o mesmo contrato de empreitada e considerado o teor da transacção acima transcrita, é pensável que possa ser cumprido o que decorre da transacção celebrada entre as partes e, independentemente e além disso, o que venha a ser decidido na presente acção entre as mesmas partes? É que, se não se verifica a excepção de caso julgado, então a transacção anterior não pode ter nenhuma influência na presente acção, nem mesmo quanto a ressalvar desta o que já foi resolvido pelas partes através transacção.
MTS