"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/02/2018

Jurisprudência (790)

 
Segredo bancário; prova;
dever de colaboração

 
1. O sumário de RC 17/10/2017 (decisão sumária) (5911/17.1T8CBR-A.C1) é o seguinte:
 
I – [...] não obstante a atenuação delimitada que o segredo bancário conheceu com a Lei n.º 36/2010, de 2/9 e o DL n.º 157/2014, de 24/10, ainda existem restrições impostas por tal segredo, mesmo no que concerne ao solicitado pelas autoridades judiciárias, excepcionados o foro penal (nº 2, d), do artº 79º) do citado DL n.º 298/92) e, em determinadas condições, noutras áreas da justiça, como, por exemplo, na acção executiva - nº 2, f), do citado artº 79º, artº 749, nº 6, do NCPC - e na Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais n.º 34/2004, de 29 de Julho - artº 8º-B.

II - Por outro lado, o art.º 417 do NCPC, embora prevendo no seu n.º 1, como princípio, a obrigatoriedade de todos (ainda que não sejam partes na causa) terem “o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados”, excepciona no seu n.º 3, entre outras, as situações em que a obediência à cooperação solicitada importa violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado (alínea c)).

III – O segredo bancário não tem, assim, carácter absoluto, não prevalecendo sempre sobre qualquer outro dever conflituante.

IV - Destina-se o dever de sigilo  a proteger os direitos pessoais, como o bom nome e reputação e a reserva da vida privada, bem como o interesse da protecção das relações de confiança entre as instituições bancárias e os seus clientes.
 
O dever de colaboração com a administração da justiça tem por finalidade a satisfação de um interesse público, que é o da realização da Justiça.

V - Reconhecida a legitimidade da escusa, será, pois, suscitada a intervenção do Tribunal Superior, para que este, de acordo com o disposto no citado artºs. 417º, nº 4, e no artº 135º, n.º 3, do CPP, procedendo à ponderação dos interesses em confronto, decida se a quebra do dever de sigilo é, no caso, mais importante do que a manutenção desse dever.

VI - Caberá “in casu” fazer uma tal ponderação e, concluindo-se ser caso disso, conceder à instituição bancária em causa a possibilidade de proceder à quebra desse segredo profissional, por se entender tal quebra como justificada, face às normas e aos princípios aplicáveis, designadamente, tendo presente o princípio da prevalência do interesse preponderante.
 
2. No fundamento do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"[...] não obstante a atenuação delimitada que o segredo bancário conheceu com a Lei n.º 36/2010, de 2/9 e o DL n.º 157/2014, de 24/10, ainda existem restrições impostas por tal segredo, mesmo no que concerne ao solicitado pelas autoridades judiciárias, excepcionados o foro penal (nº 2, d), do artº 79º) do citado DL n.º 298/92) e, em determinadas condições, noutras áreas da justiça, como, por exemplo, na acção executiva - nº 2, f), do citado artº 79º, artº 749, nº 6, do NCPC - e na Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais n.º 34/2004, de 29 de Julho - artº 8º-B.

É o nº 1 do aludido artº 78º que estabelece a regra de que “Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.” esclarecendo-se, exemplificativamente, no nº 2 destes artigo, estarem, designadamente, “…sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.”.

Importa também ter presente o disposto nos art.ºs. 80º, n.º 2 e 84.º do mesmo RGICSF, sendo que, no primeiro deles se preceitua que “Os fatos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados mediante autorização do interessado, transmitida ao Banco de Portugal, ou nos termos previstos na lei penal e de processo penal.”.

Embora se estabeleça - citado art.º 84º - que “...Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, a violação do dever de segredo é punível nos termos do Código Penal.”, haverá que considerar não ser ilícito “…o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sacrificar.” (art.º 36º, nº 1, do CP).

Por outro lado, o art.º 417 do NCPC, embora prevendo no seu n.º 1, como princípio, a obrigatoriedade de todos (ainda que não sejam partes na causa) terem “o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados”, excepciona no seu n.º 3, entre outras, as situações em que a obediência à cooperação solicitada importa violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado (alínea c)).

Isto, porém, sem prejuízo do disposto no n.º 4, que refere: “Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.”.

O segredo bancário não tem, assim, carácter absoluto, não prevalecendo sempre sobre qualquer outro dever conflituante.

Destina-se, o dever de sigilo, a proteger os direitos pessoais, como o bom nome e reputação e a reserva da vida privada, bem como o interesse da protecção das relações de confiança entre as instituições bancárias e os seus clientes.

O dever de colaboração com a administração da justiça tem por finalidade a satisfação de um interesse público, que é o da realização da Justiça.

Assim, deduzida que seja a escusa, v. g., com fundamento na previsão do aludido 417º, n.º 3, al. c), será aplicável, “ex vi” do referido n.º 4, desse artigo, com as adaptações que a natureza dos interesses em causa impõe, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da recusa e da dispensa do dever de sigilo invocado. [...]

Caberá “in casu” fazer uma tal ponderação e, concluindo-se ser caso disso, conceder à instituição bancária em causa a possibilidade de proceder à quebra desse segredo profissional, por se entender tal quebra como justificada, face às normas e aos princípios aplicáveis, designadamente, tendo presente o princípio da prevalência do interesse preponderante.

Ora, como resulta do despacho do Tribunal da 1ª Instância “as informações em falta são imprescindíveis ao apuramento total e real dos bens comuns do casal”, o que será relevante “para efeitos da partilha subsequente à eventual extinção da comunhão conjugal”, pelo que, o direito de a Requerente da providência vir a beneficiar de uma partilha justa, que se baseie na real composição do património comum do casal formado por ela e pelo Requerido, impõe que se ponham à disposição do Tribunal tais informações.

Contrapondo os dois interesses aqui em jogo - o da tutela do dever de segredo invocado pela CGD e o do dever de colaboração com a administração da justiça - ponderados os mesmos, no caso “sub judice”, de harmonia com princípio da prevalência do interesse preponderante e com um critério de proporcionalidade na restrição de direitos e interesses constitucionalmente protegidos, (18º, n.º 2 da CRP), a conclusão a que se chega é a de que, a não satisfazer o solicitado pelo Tribunal, sob o impulso da Requerente, poderão ficar gravemente prejudicados os legítimos interesses que o processo em causa visa satisfazer, sendo certo que não se pretende, manifestamente, com tal solicitação, devassar a vida económica e financeira de quem quer que seja.

Resulta, assim, do exposto, ser de concluir pela prevalência do interesse público da administração da justiça, como justificação para a quebra do dever de segredo invocado pela C..."
 
[MTS]