"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



14/02/2018

Jurisprudência (791)


Patrocínio judiciário; poderes gerais
confissão de factos


1. O sumário de RP 26/10/2017 (1920/14.0TBSTS.P1) é o seguinte: 

I - A impossibilidade de confessar a ação, por parte de mandatário constituído com a atribuição de poderes forenses gerais não se confunde com a assunção/confissão de concretos factos alegados pela parte contrária, sob pena de estar vedado ao mandatário do réu assim constituído a possibilidade de assumir como verdadeiros, em contestação, concretos e específicos factos alegados pelo autor na petição inicial – o que, manifestamente, não se verifica. 

II - No âmbito da acessão industrial imobiliária, relativamente a obras feitas de boa-fé em terreno alheio, a que se reporta o artigo 1340.º, n.º 4, do Código Civil, não deixa de se verificar a boa-fé quando a autorização dada é determinada pela relação que então existia entre os intervenientes mas não foi condicionada a essa mesma relação e à sua subsistência.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"1. A alegada insuficiência de mandato e falta de notificação pela secretaria.

1.1 A este propósito e em termos sumários, a recorrente pretende que a sentença em crise não reparou que a ré, depois de citada para contestar a ação com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo autor, constituiu mandatário mediante procuração, a quem concedeu, apenas, os mais amplos poderes forenses em direito permitidos; [...]. [...]

No caso dos autos e perante o disposto no artigo 40.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, estamos perante causa de constituição obrigatória de advogado. Em tais circunstâncias e porque não está em causa o chamamento da parte para a prática de ato pessoal, a notificação à ré materializa-se na pessoa do respetivo mandatário, tendo presente o facto da ré assim o ter constituído e o quadro legal que se deixou sumariamente enunciado, pelo que improcede este argumento da recorrente.

1.2 Nesta parte, a ré menciona ainda como fundamento do recurso o facto de se considerar haver confissão por parte do respetivo mandatário, quando é certo que a procuração emitida apenas lhe atribui poderes forenses gerais.

O mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os atos e termos do processo principal e respetivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante (artigo 44.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); tem a extensão definida nesta norma quando a parte declare na procuração que concede poderes forenses ou para ser representada em qualquer ação; no entanto, os mandatários judiciais só podem confessar a ação, transigir sobre o seu objeto e desistir do pedido ou da instância quando estejam munidos de procuração que os autorize expressamente a praticar qualquer desses atos – é o que determina o artigo 45.º do mesmo código.

É pacífico que, no caso dos autos, a ré constituiu mandatário, com a atribuição de poderes forenses gerais. Daí resulta que o respetivo mandatário, perante os termos da concreta procuração de fls. 32, não podia confessar a ação, transigir sobre o seu objeto e desistir do pedido ou da instância.

A impossibilidade de confessar a ação não se confunde no entanto com a assunção/confissão de concretos factos alegados pela parte contrária, sob pena de estar vedado ao mandatário do réu constituído com poderes forenses gerais a possibilidade de assumir como verdadeiros, em contestação, concretos e específicos factos alegados pelo autor na petição inicial – o que, manifestamente, não se verifica, importando salientar que esta admissão dos factos não dispensa, por parte do tribunal, a apreciação da solução de direito perante os factos que resultam provados.

A não se entender assim não faria sentido, por exemplo, a norma do artigo 567.º do Código de Processo Civil, quando estabelece – sob a epígrafe “efeitos da revelia” – que, se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. Resulta desta norma que, tendo sido constituído mandatário e não operando as exceções enunciadas no artigo 568.º, a falta de contestação tem o efeito estabelecido mesmo que tenha sido remetida para os autos procuração com a constituição de mandatário judicial por parte da ré.

Conclui-se por isso que não ser verifica violação das disposições dos artigos 570.º, 44.º, 45.º e 157.º do Código de Processo Civil e, por isso, a alegada insuficiência de mandato e falta de notificação pela secretaria."

3. [Comentário] É indiscutível que a RP decidiu bem. O recurso baseia-se numa inexplicável confusão entre a necessidade de concessão de poderes especiais ao mandatário para a confissão da acção (cf. art. 45.º, n.º 2, CPC) -- isto é, para a confissão, no todo ou em parte, do pedido (cf. art. 283.º, n.º 1, 284.º e 285.º, n.º 1, CPC) -- e a admissão por acordo dos factos que, tendo sido alegados pelo autor, não sejam impugnados pelo réu (cf. art. 574.º, n.º 2, CPC). A circunstância de este regime implicar a ficta confessio dos factos não impugnados aproxima-o da confissão de factos (cf. art. 352.º CC), mas não da confissão do pedido (ou da acção). Portanto, o que vale para a confissão do pedido não vale para a confissão de factos.

Ao referido pela RP pode ainda acrescentar-se o disposto no art. 465.º, n.º 2, CPC quanto à irretractibilidade das confissões de factos realizadas nos articulados depois da sua aceitação pela parte contrária. Como bem se compreende, o preceito também é aplicável a confissões de factos realizadas em articulados subscritos por mandatários judiciais.

MTS