"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



05/09/2018

Jurisprudência 2018 (65)


Registo; falsidade do título;
nulidade do registo


1. O sumário de RL 6/3/2018 (1896/15.7T8SXL.L1-7) é o seguinte:

I– O efeito translativo da propriedade no contrato de compra e venda opera mediante o acordo de vontades dos outorgantes, por mero efeito do contrato, sem prejuízo da observância da forma legal que no caso couber, exceto se tiver sido estipulada reserva de propriedade ou qualquer condição suspensiva;
 
II– Comprovando-se que o proprietário de um veículo automóvel (ou alguém em sua representação), entregou o mesmo a um interessado comprador, juntamente com as respetivas chaves e documentos, bem como cópia do cartão do cidadão do dono, aceitando como meio de pagamento do preço um cheque, mas não entregou a declaração de venda respetiva, que seria apenas entregue após recebimento do preço, é razoável admitir que os intervenientes quiseram fazer depender a transmissão do direito real do efetivo pagamento do preço;
 
III– Serão apenas terceiros para efeitos de registo aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si;
 
IV– A ação judicial de declaração de nulidade do registo, por ter sido lavrado com base em títulos falsos, não tem de ser dirigida contra quem praticou o ato de falsificação, nele interveio ou dele tenha tido conhecimento por qualquer forma, devendo ser interposta contra os titulares inscritos no registo;
 
V– Tendo o R. registado a seu favor, a pedido do verdadeiro comprador, o veículo automóvel, sendo declarada a nulidade do registo não poderá o mesmo R. prevalecer-se do nº 2 do art. 17 do C.R.P., uma vez que não adquiriu, sobre o mesmo veículo, quaisquer direitos a título oneroso, ainda que tenha agido de boa-fé;
 
VI– Estando em causa a nulidade do registo por ter sido lavrado com base em títulos falsos, e não se discutindo na ação qualquer vício substantivo do negócio subjacente, a boa-fé relevante a que se refere o nº 2 do art. 17 do C.R.P. será, em qualquer caso, a respeitante à idoneidade e conformidade daqueles títulos.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Passamos [...] aos demais pedidos formulados pela A., o da nulidade do registo realizado online a favor do R., por falsidade dos factos submetidos, e do seu consequente cancelamento.

Sustenta a apelante que, comprovada a falsidade da declaração de venda para efeitos de registo, é este nulo, prevalecendo o registo anterior a favor da A.. Esclarece que não peticiona a nulidade da declaração de compra e venda, mas apenas a nulidade do registo, uma vez que este foi realizado sem o seu consentimento, tanto mais que não assinou qualquer requerimento de registo automóvel respeitante ao 20....

Diz, por outro lado, que o R. não pode ser considerado de boa-fé, porque não identificou de forma concreta quem lhe vendeu o veículo automóvel nem o apresentou como testemunha, e não apresenta comprovativo do pagamento do preço supostamente por si pago, sendo certo que quem adquiriu a viatura foi uma sociedade e não o R..

Por fim, defende que o art. 17, nº 2, do C.R.P., se aplica a transmissões sucessivas que não advenham dum mesmo transmitente, em que esteja em causa o vício formal do registo, que gera a nulidade do mesmo, através duma acção de nulidade, pelo que deve conciliar-se com o disposto no art. 291 do C.C., porque a falsificação se apresenta como um vício mais grave, devendo ter, pelo menos, o mesmo tratamento que a invalidade dos negócios. Assim, argumenta, é de permitir, através duma interpretação analógica, a aplicação do prazo de três anos previsto no art. 291 do C.C. a situações de nulidade de registo com base em falsificação de títulos, atento o fim comum prosseguido por ambas as normas. Pelo que, conclui, tendo o registo da presente ação sido realizado no prazo de três anos após a conclusão do negócio inválido, deve ser forçosamente declarada a nulidade do registo a favor do R.. [...]
 
Analisando.

Como se evidenciou na sentença recorrida e a apelante reitera no recurso, a A. não assenta a sua pretensão na invalidade do contrato de compra e venda por si celebrado, mas na falsidade dos elementos que sustentaram o registo do veículo 20... a favor do R.. Por outras palavras, a A. funda a sua pretensão na nulidade do registo e não na nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico que lhe subjaz.

Diga-se, por outro lado, que a A. também não teria de invocar a nulidade da compra e venda subsequente, do comerciante de automóveis à sociedade proprietária do Stand ou ao R., podendo avançar de imediato para a ação de reivindicação. Com efeito, a nulidade decorrente da venda de coisa alheia apenas se aplica na relação entre o alienante e o adquirente, e não no confronto com o efetivo proprietário daquela, perante o qual tal venda é ineficaz, insuscetível de produzir quaisquer efeitos sobre o seu património, nem operando a transferência do seu direito real( [...]). Conforme se diz no Ac. do STJ de 16.11.2010 citado em rodapé: “(…) Neste sentido estabelece o art. 406º nº 2 que o contrato, em relação a terceiros (e o proprietário do bem é terceiro em relação à venda de coisa alheia) só produz efeitos nos casos e nos termos especialmente previstos na lei.

Sendo ineficaz em relação ao dono da coisa (a venda em relação a ele é “res inter alios acta”), este poderá reivindicar a coisa, directamente, do comprador, sem necessidade de promover a prévia declaração judicial da nulidade do aludido contrato. (…).”

O art. 1º, nº 1, do DL nº 54/75, de 12.2, que dispõe sobre o registo da propriedade automóvel, estabelece que “O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”, prevendo a al. a) do nº 1 do seu art. 5 que estão sujeitos a registo o direito de propriedade e de usufruto. Mais prevê o art. 29 do mesmo Diploma que “São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, mas apenas na medida indispensável ao suprimento das lacunas da regulamentação própria e compatível com a natureza de veículos automóveis e das disposições contidas neste diploma e no respectivo regulamento”.

O registo será nulo, designadamente, quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos (art. 16, al. a), do C.R.P.).
 
Segundo o art. 17 do C.R.P. que: “1.- A nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado. 2.- A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da ação de nulidade. 3.- A ação judicial de declaração de nulidade do registo pode ser interposta por qualquer interessado e pelo Ministério Público, logo que tome conhecimento do vício.”
 
Já o art. 291 do C.C. dispõe que: “1.- A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio. 2.- Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio. 3.- É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.”

Deste modo, nos termos do art. 291, nºs 1 e 3, do C.C., a declaração de nulidade do negócio jurídico respeitante a bens imóveis ou a móveis sujeitos a registo não prejudica os direitos adquiridos sobre eles a título oneroso por terceiro de boa-fé, desconhecedor do vício sem culpa no momento da aquisição, no caso do registo da aquisição ser anterior ao registo da respetiva ação de nulidade. Os direitos de terceiro não serão, todavia, reconhecidos se a ação for proposta e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio (art. 291, nº 2).

Este normativo visa proteger os direitos adquiridos, a título oneroso, por terceiro de boa-fé da declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico respeitante a bens imóveis ou móveis sujeitos a registo.

A noção de terceiro constante deste normativo é diversa da noção de terceiro constante do art. 5 do Código de Registo Predial. Como se afirma no Ac. 
do STJ de 21.6.2007 ([Proc. 07B1847, relatado por Salvador da Costa, disponível em www.dgsi.pt]) sobre o referido art. 291 do C.C.:“(…) O terceiro a que este artigo se reporta é, pois, o sub-adquirente posterior à celebração do primeiro contrato afectado de nulidade por ilegitimidade substantiva, portanto no quadro de aquisição a non domino. (…).”

De acordo com o art. 1 do C.R.P.: “O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário”. 
 
A transferência de direitos reais sobre coisas determinadas dá-se, em regra, por efeito do contrato (art. 408 do C.C.), mas o registo respeita à declaração e publicidade desses atos, tem por fim dar conhecimento da sua existência. [...]

Estabelece, por seu turno, o art. 5 do C.R.P., sob a epígrafe “Oponibilidade a terceiros”, que:
 
1.– Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo.

2.– Excetuam-se do disposto no número anterior:
a)- A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º;
b)- As servidões aparentes;
c)- Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados.

3.– A falta de registo não pode ser oposta aos interessados por quem esteja obrigado a promovê-lo, nem pelos herdeiros destes.

4.– Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.

5.–- Não é oponível a terceiros a duração superior a seis anos do arrendamento não registado.

De acordo com o art. 6, nº 1, do mesmo Código, “O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes”, estabelecendo ainda o art. 7 que “registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

Ou seja, prevalece o direito primeiramente inscrito, valendo o registo definitivo como presunção, ilidível embora mediante prova em contrário (art. 350 do C.C.), de que o direito existe conforme registado.

Depois de grande controvérsia jurisprudencial, o já referido DL nº 533/99, de 11.12, aditou ao art. 5 do C.R.P. um nº 4, aí consagrando que “Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”.

Diversamente do que dissemos com relação ao art. 291 do C.C., estamos aqui perante situações de conflito entre dois adquirentes de um mesmo transmitente.

Voltando ao Ac. do STJ de 21.6.2007 acima citado, o nº 4 do art. 5 do C.R.P. respeita a “(…) situações em que ocorre uma relação triangular consubstanciada em dupla transmissão pelo mesmo alienante de um bem imóvel ou de um bem móvel sujeito a registo a um primeiro transmissário, que não inscreve no registo a aquisição, e depois a um segundo, que opera a respectiva inscrição registal.

São situações de conflito entre dois adquirentes, é válido o primeiro negócio de transmissão e não o segundo, mas o primeiro adquirente não pode opor ao segundo a sua aquisição, porque ela não constava no registo, e o último não podia, dada a fé pública derivada do registo, conhecer que o alienante já não era o titular do direito em causa.

Mas este conceito de terceiro para efeito do registo, tal como acima se referiu, não coincide com o conceito de terceiro a que se reporta o artigo 291º do Código Civil, porque na primeira situação o conflito é entre dois adquirentes e, na segunda, o conflito ocorre entre o primeiro transmitente e o último sub-adquirente.

Na primeira situação é pressuposta a validade do primeiro negócio de transmissão e na segunda a sua invalidade, ali é protegida a confiança do adquirente nos dados constantes no registo, e aqui é protegida a estabilidade dos negócios jurídicos em termos de excepção ao disposto no artigo 289º, nº 1, do Código Civil. (…)”.

No caso, é forçoso concluir que não nos encontramos no domínio do art. 5 do C.R.P., não sendo o R. terceiro para efeito do registo predial.

Teremos ainda de afastar a aplicação do art. 291 do C.C. porquanto nem a A. pede nem se discute na ação a validade de qualquer contrato de compra e venda. Aliás, com relação à alienação alegada pelo R. e referida nos pontos 25 a 27 supra, não se suscita qualquer vício de nulidade.

Quando muito, na segunda transação, em que o R. surge como adquirente, a questão poderia colocar-se, porque estaríamos perante a venda de coisa alheia cuja nulidade a A. sempre poderia invocar, nos termos do art. 892 do C.C., mas o certo é que a não invocou. Nem o R., em rigor, a trouxe à causa nesses termos ([...]).

Diga-se, por outro lado, que a nulidade que resulta da venda de bens alheios, invalidade atípica como a define Pedro Romano Martinez, não será sequer de conhecimento oficioso, podendo, no limite, levar até o tribunal a impor o cumprimento de um contrato nulo ([...]).

Resta-nos, por conseguinte, a invalidade registral, fundada na falsidade do requerimento de venda que deu causa ao registo.

Provou-se que a A. não assinou e não entregou ao R. nenhum requerimento de registo automóvel - modelo único, para inscrição no registo automóvel da venda da viatura de matrícula 20... (ponto 16), sendo certo que o registo foi realizado a favor do R. nos termos que constam dos pontos 3 a 13 supra, com base no referido requerimento, tanto mais que a A. não conhece o R. nem a Solicitadora que procedeu ao registo (pontos 15 e 19).

Estamos, por conseguinte, perante um registo nulo, por ter sido lavrado com base em títulos falsos (art. 16, al. a), do C.R.P.).

Contra o que se entendeu na sentença recorrida, não cremos que a ação judicial de declaração de nulidade do registo, que pode ser interposta por qualquer interessado e pelo Ministério Público (art. 17, nº 3, do C.R.P.), deva ser dirigida contra quem praticou o ato de falsificação, nele interveio ou dele tenha tido conhecimento por qualquer forma.

Ainda que não tenha resultado apurado que foi o R., ou alguém em seu nome, que apôs a assinatura da A. no requerimento de registo automóvel de fls. 77/78 que baseou o registo (pontos 16 e 23), ou que tivesse conhecimento da falsificação, é ele o único titular inscrito a seguir à A., pelo que tem o mesmo plena legitimidade passiva para a causa.

Recordamos que não se discute aqui a validade do negócio que baseou o registo e, por isso, afastámos a aplicação do art. 291 do C.C..

Impõe-se, por isso, fazer aplicação do disposto no art. 17 do C.R.P..

Ora, de acordo com o nº 2 do art. 17 do C.R.P., “A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da ação de nulidade.”

Nenhuma dúvida há, no caso, de que o R. registou o veículo a seu favor em data anterior ao registo da presente ação (cfr. pontos 5 e 36 supra).

Mas será que deve considerar-se o mesmo como terceiro de boa-fé para os fins previstos no nº 2 do art. 17 do C.R.P.?

A apelante sustenta no recurso que o R. não pode ser considerado de boa-fé, porque não identificou de forma concreta quem lhe vendeu o veículo automóvel nem o apresentou como testemunha, e não apresenta comprovativo do pagamento do preço supostamente por si pago, sendo certo que quem adquiriu a viatura foi uma sociedade e não o R..

Analisando.

A primeira questão tem desde logo que ver, de facto, com a circunstância do R. ser o titular inscrito no registo mas não ser, em rigor, o efetivo adquirente da viatura.

Na verdade, como vimos, o que resultou provado foi que, após a transação realizada pelo filho da A. (referida nos pontos 25 a 27), um comerciante de automóveis declarou vender a viatura 20... à sociedade que explorava o Stand onde o R. trabalhava, que declarou comprar-lho, por cerca de € 6.750,00, que foi pago o preço pedido e entregue naquele Stand o veículo, as respetivas chaves e documentos, bem como uma cópia do cartão do cidadão da A. e o requerimento referido no ponto 23 e, ainda, que por acordo entre a referida sociedade e o R., foi decidido que aquela viatura seria registada em nome deste como sendo o adquirente, pelo que o R. procedeu ao registo referido em 5 (cfr. pontos 28, 29 e 30 acima alterados).

Não sendo embora o real comprador da viatura, o R. registou-a a seu favor a pedido da verdadeira adquirente. Nessa medida, cremos que o R. não poderá prevalecer-se do nº 2 do art. 17 do C.R.P. uma vez que não adquiriu, realmente, quaisquer direitos a título oneroso sobre o veículo 20..., ainda que estivesse de boa-fé.
 
Acresce que seria ainda de ponderar se o R. poderia, de qualquer modo, ser considerado terceiro para efeito de registo, dado que não adquiriu, no confronto com a A., direitos incompatíveis de um “autor comum” (art. 5, nº 4, do C.R.P.).

Por outra banda, a invocação da boa-fé, requisito de verificação indispensável para que possa atuar a proteção conferida pela lei aos direitos do terceiro adquirente, integra matéria de exceção, fazendo recair sobre o demandado o ónus de alegação e prova da respetiva factualidade (art. 342, nº 2, do C.C.).

Por conseguinte, ao R., ao menos enquanto titular inscrito no registo com base no requerimento de que constava uma assinatura que não fora aposta pela A., competia alegar e provar que, aquando do negócio respeitante ao 20..., desconhecia, sem culpa, o vício do documento.

A boa-fé de que cumpre aqui cuidar nada tem que ver com a conduta processual do R., como sugere a apelante, mas apenas com a sua postura psicológica aquando da celebração do negócio.

E, recorde-se uma vez mais, essa boa-fé há-de ser dirigida à idoneidade e conformidade do documento, pois já concluímos que não se discute na ação qualquer vício substantivo. Isto é, não se trata de saber se o R., adquirente para efeitos de registo, desconhecia, sem culpa, que o comerciante de automóveis referido nos pontos 23 e 28 não era o efetivo proprietário do veículo 20....
Ora, com o devido respeito, analisando a factualidade apurada verificamos que não é também feita prova dessa boa-fé do R..

Na verdade, o que se provou, para além do atrás descrito, foi que o R. é funcionário de um Stand de comércio de automóveis, que é prática no ramo de comércio de automóveis usados que estes sejam consecutivamente vendidos sem inscrição no registo de todas as transações, por o número de registos determinar a desvalorização das viaturas, que o R. conhecendo essa prática, por via profissional, e por lhe ter sido entregue a descrita documentação necessária à inscrição no registo automóvel da propriedade do veículo 20... a seu favor, não estranhou que a propriedade estivesse inscrita a favor da anterior proprietária e que se assegurou, antes da aquisição, mediante consulta no registo, que não incidiam sobre a viatura quaisquer ónus ou encargos pendentes e considerando adequado o preço pedido, tendo em atenção o tipo de viatura, a sua idade e estado de conservação.

Nada se diz quanto à idoneidade da documentação entregue e à sua verificação por parte do R., em nome próprio ou alheio, sendo insuficiente concluir que este agiu, desse ponto de vista, segundo o que lhe era exigível. A questão está em que não foi feita prova, como seria mister, de que, aquando do negócio no Stand, o R., ou a adquirente da viatura, desconhecia, sem culpa, qualquer vício do requerimento de registo automóvel que lhe foi apresentado.

Em suma, nem o R. adquiriu quaisquer direitos a título oneroso sobre o veículo 20..., nem provou que estivesse de boa-fé quanto à idoneidade e conformidade do documento que serviu de suporte ao registo a seu favor. Donde, não pode beneficiar do disposto no nº 2 do art. 17 do C.R.P..

Assim, deve ser declarado nulo o registo e cancelado o mesmo a favor do R., após transitado em julgado o presente acordão (arts. 13, 16, al. a), e 17 do C.R.P.).

Prevalece, por outro lado, o registo a favor da A. (art. 6 do C.R.P.) que, ademais, como acima vimos, logrou comprovar que não transferiu para terceiro o seu direito de propriedade sobre o veículo 20..., propriedade essa que, por sua vez, adquirira, mediante contrato de compra e venda, em 23.11.2012."
 
[MTS, "Bs. As.", 31/8/2018]