Advogado; segredo profissional;
levantamento
1. O sumário de STJ 15/2/2018 (1130/14.7TVLSB.L1.S1) é o seguinte:
I - É admissível a revista se não se verifica a situação prevista no art. 639.º, n.º 3, do CPC (conclusões deficientes, obscuras, complexas ou insuficientes) – o que sempre legitimaria convite ao aperfeiçoamento – nem, muito menos, a situação de falta absoluta de conclusões, de que fala o art. 641.º, n.º 2, al. b), do CPC.
II - Na generalidade, entende-se por segredo profissional a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é exigido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão.
III - No caso do advogado, o segredo profissional está disciplinado no art. 92.º do EOA, permitindo a cláusula geral do seu n.º 1, que se incluam no referido segredo, para além das elencadas, outras situações que conflituem com os interesses que ela visa proteger.
IV - Radicando no princípio da confiança, no dever de lealdade do advogado para com o constituinte, o dever de segredo profissional transcende a mera relação contratual, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação para com o constituinte, para com a própria classe, a OA e a comunidade em geral.
V - Por isso, consideram-se abrangidas pelo segredo profissional todas as situações que sejam susceptíveis de significar a violação da relação de confiança entre o advogado e o seu patrocinado e também todas as situações que possam representar quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue.
VI - Deve, porém, ceder, excepcionalmente, perante outros valores que, no caso concreto, se lhe devam sobrepor, designadamente, quando os elementos sob segredo se mostrem imprescindíveis para a protecção e efectivação de direitos ou interesses jurídicos mais relevantes.
VII - No caso dos autos, é ilegítima a recusa da OA, impondo-se o levantamento do segredo profissional atinente a documentação integrante do processo interno de nomeação de patrono, sendo este de inegável importância para a decisão da causa.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
II - Na generalidade, entende-se por segredo profissional a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é exigido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão.
III - No caso do advogado, o segredo profissional está disciplinado no art. 92.º do EOA, permitindo a cláusula geral do seu n.º 1, que se incluam no referido segredo, para além das elencadas, outras situações que conflituem com os interesses que ela visa proteger.
IV - Radicando no princípio da confiança, no dever de lealdade do advogado para com o constituinte, o dever de segredo profissional transcende a mera relação contratual, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação para com o constituinte, para com a própria classe, a OA e a comunidade em geral.
V - Por isso, consideram-se abrangidas pelo segredo profissional todas as situações que sejam susceptíveis de significar a violação da relação de confiança entre o advogado e o seu patrocinado e também todas as situações que possam representar quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue.
VI - Deve, porém, ceder, excepcionalmente, perante outros valores que, no caso concreto, se lhe devam sobrepor, designadamente, quando os elementos sob segredo se mostrem imprescindíveis para a protecção e efectivação de direitos ou interesses jurídicos mais relevantes.
VII - No caso dos autos, é ilegítima a recusa da OA, impondo-se o levantamento do segredo profissional atinente a documentação integrante do processo interno de nomeação de patrono, sendo este de inegável importância para a decisão da causa.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Entendeu o acórdão recorrido que, no caso, não está em causa apurar a verificação de qualquer facto de que a ré, patrona oficiosa do autor, tenha tido conhecimento em virtude do exercício do patrocínio e da relação assim estabelecida com o seu patrocinado.
Desenvolve este entendimento nos seguintes termos:
“Aliás, não se vislumbra como considerar de maneira diferente ponderando que o que está em causa é precisamente avaliar se, como o autor alega, inexistiu qualquer contacto entre o requerente do apoio judiciário, ora autor e o patrono nomeado, a ora ré, no período subsequente à nomeação e pelo menos até 22-02-2013, data em que o autor invoca que a ré atendeu o seu telefonema.
Ponderando os temas de prova enunciados pelo tribunal de primeira instância, a colaboração pedida à Ordem dos Advogados é pertinente à averiguação da seguinte matéria:
- Se nos dias que se seguiram à nomeação da ré, o autor não foi contactado pela ré e as tentativas de contacto telefónico com a mesma, através dos números ... e ..., revelaram- -se infrutíferas, dado que esta nunca atendeu os telefonemas efectuados pelo autor – número 2 dos temas de prova.
- Se após três meses de tentativas de contacto, no dia 22-02-2013 a ré atendeu a chamada efectuada para o telemóvel n.º ..., tendo então dito ao autor que: ‘a audiência de julgamento realizou-se no dia 19/2/2013; o autor tinha sido notificado pelo Tribunal para tal; não atende chamadas sem número; não contactava ninguém por escrito, por não receber verbas no Instituto Financeiro do Ministério da Justiça, a Lei do Apoio Judiciário obrigava os beneficiários a escrever aos Patronos, caso estes não atendessem os telefones’. (…)
Em suma, considerando que o tipo de informação solicitada à AO, afigura-se-nos que os elementos pretendidos não se encontram a coberto do segredo profissional imposto à advogada ora demandada, pelo que não se justifica sequer avaliar a situação em termos de levantamento de sigilo.
Acrescente-se que a ponderação de eventuais razões associadas, no âmbito do pedido de escusa, a factos de natureza pessoal e provada com nenhuma relação com o processo judicial propriamente dito, a que a AO vagamente alude – mesmo que estivesse em causa documentação alusiva a escusa, e não está, como já se referiu – extravasa o âmbito deste incidente e portanto escapa à apreciação desta Relação – essas razões enquadram-se na previsão do n.º 3, alínea b) do art. 417º do C.P.C.”.
Perspectiva diametralmente oposta tem a Ordem dos Advogados, que defende, nas conclusões do recurso, que a documentação solicitada está abrangida pelo sigilo profissional de advogado e que o acórdão recorrido viola o disposto no artigo 92º, n.º 1, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo DL 145/2015, de 9 de Setembro.
Vejamos:
Na generalidade, entende-se por segredo profissional a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é exigido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão.
O segredo profissional de advogado está disciplinado no artigo 92º do EOA, aí se dispondo:
1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem [i]dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
A cláusula geral do n.º 1 do artigo 92º permite que se incluam no segredo profissional de advogado, para além das elencadas, outras situações que conflituem com os interesses que ela visa proteger.
O dever de guardar segredo profissional tem as suas raízes no princípio da confiança, no dever de lealdade do advogado para com o constituinte, mas também na dignidade da advocacia e na sua função de manifesto interesse público.
Nas palavras de António Arnauld [Iniciação à Advocacia”, página 66], o fundamento ético-jurídico do sigilo profissional de advogado radica no princípio da confiança e na natureza social da função forense.
A obrigação de segredo transcende, por consequência, a mera relação contratual, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação do advogado não apenas para com o seu constituinte, mas também para com a própria classe, a Ordem dos Advogados e a comunidade em geral.
Isso mesmo foi afirmado no acórdão da Relação de Lisboa de 23.02.2017:
“A par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos, protegem-se igualmente valores ou interesses de índole supra- -individual e institucional que, por razões de economia, poderemos reconduzir à confiança sobre que deve assentar o exercício de certas profissões”.
Por isso, consideram-se abrangidas pelo segredo profissional todas as situações que sejam susceptíveis de significar a violação da relação de confiança entre o advogado e o seu patrocinado e também todas as situações que possam representar quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue. O segredo profissional não é só, em rigor, um dever do advogado por pertencer a uma classe, mas é, e sobretudo, um dever de toda essa classe e, por isso, vinculativo e obrigatório para cada membro dela [Parecer do Conselho Geral de 02.04.1981, em ROA, ano 41, páginas 900 e seguintes].
Saliente-se que, além dos factos, o sigilo profissional abrange ainda quaisquer documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo – cfr. n.º 3 do artigo 92º.
Deferido a um qualquer cidadão, pelos serviços competentes da Segurança Social, o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, é a Ordem dos Advogados quem procede à nomeação de advogado ao beneficiário do apoio, através do adequado processo interno, tramitado nos termos do Regulamento de Organização e Funcionamento do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais na Ordem dos Advogados (Regulamento n.º 330-A/2008 de 24 de Junho).
É nesse processo que se coligem as informações relacionadas com a nomeação do patrono, bem como todos os requerimentos e exposições dirigidos por este à Ordem dos Advogados, nomeadamente os que digam respeito a incidentes ocorridos durante o patrocínio.
Poremos, assim, o enfoque na alínea b) do n.º 1 do artigo 92º, supostamente violada pela decisão recorrida.
Recorde-se que o que aí se determina é que está obrigado ao segredo o advogado relativamente a factos de que tenha tomado conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados.
Explicita-se essa obrigação mediante o seguinte raciocínio: o advogado tem necessariamente de expor ao colega, que exerce o cargo na Ordem, e este, por seu turno, obriga-se ao sigilo nos mesmos termos do originário depositário dos factos sigilosos, havendo assim como que uma sucessão no dever do sigilo.
Poderá obtemperar-se que uma coisa é o dever do advogado guardar segredo, em função do cargo desempenhado na Ordem dos Advogados, e outra coisa será a própria Ordem escudar-se no dever de guardar segredo para não divulgar os dados pretendidos.
Contudo, nos termos do artigo 1º, n.º 2, do EOA, a Ordem dos Advogados é uma pessoa coletiva de direito público, pertencendo à administração autónoma do Estado e desempenhando as suas funções, incluindo a função regulamentar, de forma independente dos órgãos do Estado. É mediante a actividade desenvolvida pela Ordem dos Advogados que se articulam os interesses profissionais dos advogados com o interesse público da justiça, cabendo-lhe, entre outras atribuições, colaborar na administração da justiça e assegurar o acesso ao direito.
Não custa, pois, aceitar que a própria Ordem dos Advogados, ao intermediar a relação de patrocínio entre o advogado nomeado e o beneficiário do apoio judiciário, esteja vinculada à obrigação de não divulgar factos que lhe tenham sido transmitidos pelo advogado nomeado no âmbito do processo interno de nomeação de patrono. Dizendo esses factos respeito à actividade da advocacia, que a Ordem superiormente regula com total autonomia, impõe-se a necessária reserva de modo a preservar a indispensável dignidade da função.
Evidentemente que, como qualquer outro segredo profissional (v. g., médicos, enfermeiros, funcionários públicos, contabilistas certificados, agentes de execução, etc.), o segredo profissional de advogado não é absoluto. Ele cede, excepcionalmente, perante outros valores que, no caso concreto, se lhe devam sobrepor, designadamente, quando os elementos sob segredo se mostrem imprescindíveis para a protecção e efectivação de direitos ou interesses jurídicos mais relevantes.
Cremos ser este o caso.
Considerando os contornos da relação material controvertida e os temas sujeitos a prova, acima identificados, afigura-se que a documentação solicitada à Ordem dos Advogados, atinente ao processo interno de nomeação de patrono, é de inegável importância para a decisão da causa.
Pelo que, sendo ilegítima a recusa, impõe-se o levantamento do segredo profissional, devendo a Ordem dos Advogados juntar ao processo “cópia dos esclarecimentos/exposições apresentadas pela Ré no âmbito do processo de nomeação de patrono n.º 13619/2010”."
[MTS]
Desenvolve este entendimento nos seguintes termos:
“Aliás, não se vislumbra como considerar de maneira diferente ponderando que o que está em causa é precisamente avaliar se, como o autor alega, inexistiu qualquer contacto entre o requerente do apoio judiciário, ora autor e o patrono nomeado, a ora ré, no período subsequente à nomeação e pelo menos até 22-02-2013, data em que o autor invoca que a ré atendeu o seu telefonema.
Ponderando os temas de prova enunciados pelo tribunal de primeira instância, a colaboração pedida à Ordem dos Advogados é pertinente à averiguação da seguinte matéria:
- Se nos dias que se seguiram à nomeação da ré, o autor não foi contactado pela ré e as tentativas de contacto telefónico com a mesma, através dos números ... e ..., revelaram- -se infrutíferas, dado que esta nunca atendeu os telefonemas efectuados pelo autor – número 2 dos temas de prova.
- Se após três meses de tentativas de contacto, no dia 22-02-2013 a ré atendeu a chamada efectuada para o telemóvel n.º ..., tendo então dito ao autor que: ‘a audiência de julgamento realizou-se no dia 19/2/2013; o autor tinha sido notificado pelo Tribunal para tal; não atende chamadas sem número; não contactava ninguém por escrito, por não receber verbas no Instituto Financeiro do Ministério da Justiça, a Lei do Apoio Judiciário obrigava os beneficiários a escrever aos Patronos, caso estes não atendessem os telefones’. (…)
Em suma, considerando que o tipo de informação solicitada à AO, afigura-se-nos que os elementos pretendidos não se encontram a coberto do segredo profissional imposto à advogada ora demandada, pelo que não se justifica sequer avaliar a situação em termos de levantamento de sigilo.
Acrescente-se que a ponderação de eventuais razões associadas, no âmbito do pedido de escusa, a factos de natureza pessoal e provada com nenhuma relação com o processo judicial propriamente dito, a que a AO vagamente alude – mesmo que estivesse em causa documentação alusiva a escusa, e não está, como já se referiu – extravasa o âmbito deste incidente e portanto escapa à apreciação desta Relação – essas razões enquadram-se na previsão do n.º 3, alínea b) do art. 417º do C.P.C.”.
Perspectiva diametralmente oposta tem a Ordem dos Advogados, que defende, nas conclusões do recurso, que a documentação solicitada está abrangida pelo sigilo profissional de advogado e que o acórdão recorrido viola o disposto no artigo 92º, n.º 1, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo DL 145/2015, de 9 de Setembro.
Vejamos:
Na generalidade, entende-se por segredo profissional a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é exigido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão.
O segredo profissional de advogado está disciplinado no artigo 92º do EOA, aí se dispondo:
1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem [i]dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
A cláusula geral do n.º 1 do artigo 92º permite que se incluam no segredo profissional de advogado, para além das elencadas, outras situações que conflituem com os interesses que ela visa proteger.
O dever de guardar segredo profissional tem as suas raízes no princípio da confiança, no dever de lealdade do advogado para com o constituinte, mas também na dignidade da advocacia e na sua função de manifesto interesse público.
Nas palavras de António Arnauld [Iniciação à Advocacia”, página 66], o fundamento ético-jurídico do sigilo profissional de advogado radica no princípio da confiança e na natureza social da função forense.
A obrigação de segredo transcende, por consequência, a mera relação contratual, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação do advogado não apenas para com o seu constituinte, mas também para com a própria classe, a Ordem dos Advogados e a comunidade em geral.
Isso mesmo foi afirmado no acórdão da Relação de Lisboa de 23.02.2017:
“A par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos, protegem-se igualmente valores ou interesses de índole supra- -individual e institucional que, por razões de economia, poderemos reconduzir à confiança sobre que deve assentar o exercício de certas profissões”.
Por isso, consideram-se abrangidas pelo segredo profissional todas as situações que sejam susceptíveis de significar a violação da relação de confiança entre o advogado e o seu patrocinado e também todas as situações que possam representar quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue. O segredo profissional não é só, em rigor, um dever do advogado por pertencer a uma classe, mas é, e sobretudo, um dever de toda essa classe e, por isso, vinculativo e obrigatório para cada membro dela [Parecer do Conselho Geral de 02.04.1981, em ROA, ano 41, páginas 900 e seguintes].
Saliente-se que, além dos factos, o sigilo profissional abrange ainda quaisquer documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo – cfr. n.º 3 do artigo 92º.
Deferido a um qualquer cidadão, pelos serviços competentes da Segurança Social, o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, é a Ordem dos Advogados quem procede à nomeação de advogado ao beneficiário do apoio, através do adequado processo interno, tramitado nos termos do Regulamento de Organização e Funcionamento do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais na Ordem dos Advogados (Regulamento n.º 330-A/2008 de 24 de Junho).
É nesse processo que se coligem as informações relacionadas com a nomeação do patrono, bem como todos os requerimentos e exposições dirigidos por este à Ordem dos Advogados, nomeadamente os que digam respeito a incidentes ocorridos durante o patrocínio.
Poremos, assim, o enfoque na alínea b) do n.º 1 do artigo 92º, supostamente violada pela decisão recorrida.
Recorde-se que o que aí se determina é que está obrigado ao segredo o advogado relativamente a factos de que tenha tomado conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados.
Explicita-se essa obrigação mediante o seguinte raciocínio: o advogado tem necessariamente de expor ao colega, que exerce o cargo na Ordem, e este, por seu turno, obriga-se ao sigilo nos mesmos termos do originário depositário dos factos sigilosos, havendo assim como que uma sucessão no dever do sigilo.
Poderá obtemperar-se que uma coisa é o dever do advogado guardar segredo, em função do cargo desempenhado na Ordem dos Advogados, e outra coisa será a própria Ordem escudar-se no dever de guardar segredo para não divulgar os dados pretendidos.
Contudo, nos termos do artigo 1º, n.º 2, do EOA, a Ordem dos Advogados é uma pessoa coletiva de direito público, pertencendo à administração autónoma do Estado e desempenhando as suas funções, incluindo a função regulamentar, de forma independente dos órgãos do Estado. É mediante a actividade desenvolvida pela Ordem dos Advogados que se articulam os interesses profissionais dos advogados com o interesse público da justiça, cabendo-lhe, entre outras atribuições, colaborar na administração da justiça e assegurar o acesso ao direito.
Não custa, pois, aceitar que a própria Ordem dos Advogados, ao intermediar a relação de patrocínio entre o advogado nomeado e o beneficiário do apoio judiciário, esteja vinculada à obrigação de não divulgar factos que lhe tenham sido transmitidos pelo advogado nomeado no âmbito do processo interno de nomeação de patrono. Dizendo esses factos respeito à actividade da advocacia, que a Ordem superiormente regula com total autonomia, impõe-se a necessária reserva de modo a preservar a indispensável dignidade da função.
Evidentemente que, como qualquer outro segredo profissional (v. g., médicos, enfermeiros, funcionários públicos, contabilistas certificados, agentes de execução, etc.), o segredo profissional de advogado não é absoluto. Ele cede, excepcionalmente, perante outros valores que, no caso concreto, se lhe devam sobrepor, designadamente, quando os elementos sob segredo se mostrem imprescindíveis para a protecção e efectivação de direitos ou interesses jurídicos mais relevantes.
Cremos ser este o caso.
Considerando os contornos da relação material controvertida e os temas sujeitos a prova, acima identificados, afigura-se que a documentação solicitada à Ordem dos Advogados, atinente ao processo interno de nomeação de patrono, é de inegável importância para a decisão da causa.
Pelo que, sendo ilegítima a recusa, impõe-se o levantamento do segredo profissional, devendo a Ordem dos Advogados juntar ao processo “cópia dos esclarecimentos/exposições apresentadas pela Ré no âmbito do processo de nomeação de patrono n.º 13619/2010”."
[MTS]