"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



11/09/2018

Jurisprudência 2018 (69)


Agente de execução; notificação;
responsabilidade; oposição à execução; prazo


1. O sumário de RE 12/4/2018 (607/13.6TBVNO-A.E1) é o seguinte:

I - Em regra, a ilisão da presunção de que a notificação expedida não foi efectuada até ao 3.º dia posterior ao do registo efectuado, incumbe ao Executado e, tal qual ocorre com a alegação de justo impedimento, tem que ser efectuada no momento em que o notificado se apresenta a praticar o acto, não competindo ao tribunal comprovar oficiosamente através do registo aposto na notificação quando foi efectivamente entregue a carta expedida para o efeito.
 
II - No caso vertente, não estamos perante uma situação comum porque é a própria presunção de que a notificação foi efectuada que não pode operar.
 
III - De facto, existe o código de barras do registo criado com a indicada data em que o expediente da notificação electrónica foi elaborado pela Senhora Agente de Execução, mas a base da presunção, ou seja a efectiva expedição da carta contendo a notificação, sob o identificado registo, não ocorreu na data que o acto praticado no SISAAE e reflectido no CITIUS atesta - e nem sequer em data próxima -, mas apenas quando em face da notificação presumida - mas como verificamos agora, afinal inexistente à data -, se encontrava praticamente a terminar o prazo para o executado deduzir oposição à penhora.
 
IV - Pese embora se encontrasse ciente de que os Agentes de Execução estão obrigados a pugnar pela boa aplicação do direito e pela rápida administração da justiça (artigo 124.º, n.º 1, do EOSAE), e do dever de praticar diligentemente os actos processuais cuja competência lhes está cometida por lei no âmbito do processo executivo (artigo 168.º, n.º 1, alínea a) EOSAE), de entre os quais avultam precisamente as notificações da sua competência (artigo 720.º, n.º 7, do CPC), e igualmente ciente das consequências processuais dessa desconformidade entre o que o processo espelhava e a realidade física, a Senhora Agente de Execução, nem sequer teve o cuidado de informar os autos que a notificação não tinha seguido na data em que o acto por si eleborado atesta que ocorreu, dando assim azo a toda a actividade subsequente, mormente ao despacho recorrido e ao presente recurso.
 
V - A regra estabelecida no artigo 157.º, n.º 6, do CPC, de que os erros ou omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes, constitui uma regra geral que, de igual modo, se deve aplicar aos erros e omissões de agente de execução.
 
VI - Encontrando-se a coberto de despacho judicial a arguida irregularidade da notificação pode ser conhecida em sede de recurso porque, até àquele momento, não existia qualquer vício processual do conhecimento da parte e contra o qual pudesse reagir.
 
VII - A não ser assim entendido ficaria intoleravelmente inviabilizado o direito constitucional de aceso ao direito e de intervenção processual que o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa garante ao Recorrente, bem como a confiança legítima do cidadão no Estado.
 
VII - Considerando que a prolação do despacho de indeferimento liminar, no errado pressuposto de que o decurso do prazo para a dedução de oposição terminara, apenas se deve à conduta duplamente omissiva da Senhora Agente de Execução, ao abrigo do disposto no artigo 534.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade da parte vencida a final pelas custas não abrange o presente recurso.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte: 

"Insurge-se o Recorrente contra o facto de o Senhor Juiz ter considerado que a oposição à penhora foi deduzida extemporaneamente, aduzindo que o tribunal a quo considera o ora recorrente notificado no dia 03-07-2017, quando a notificação só foi remetida em 12-07-2017.

Apreciemos.

Dispõe o artigo 785.º, n.º 1, do CPC que a oposição é apresentada no prazo de 10 dias a contar da notificação do acto da penhora.

Como expressamente decorre da lei, a apresentação dos actos das partes está sujeita a prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto (artigo 139.º, n.ºs 1 e 3, do CPC), salva a possibilidade de o mesmo ser ainda praticado nos três dias úteis subsequentes ao seu termo, mediante o pagamento de multa (artigo 139.º, n.º 5, do CPC), a situação de justo impedimento (artigos 139.º, n.º 4 e 140.º do CPC), a existência de norma a prever a prorrogabilidade do prazo (artigo 141.º, n.º 1, do CPC), ou de acordo das partes nesse sentido, caso em que o prazo marcado por lei é prorrogável por uma vez e por igual período (artigo 141.º, n.º 2, do CPC).

Conforme decorre da tramitação processual acima descrita, da acção executiva consta que o executado foi notificado no dia 29.06.2017 (cfr. ref. nº 4068668 dos autos principais), presumindo-se consequentemente notificado no dia 03.07.2017, de harmonia com o preceituado no artigo 249.º, n.º 1, do CPC, de acordo com cujo segmento final a notificação à parte que não tenha constituído mandatário se presume feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

Portanto, quando o executado se apresentou a deduzir oposição à diligência de penhora, por requerimento inicial apresentado em 11.09.2017, a evidência nos autos era a de que há muito se esgotara o prazo para o fazer, atento o funcionamento da indicada presunção e a constatação de a notificação ao executado ter sido realizada em 29.06.2017, que os autos principais espelham na referida referência n.º 4068668.

Certo que a presunção de que a notificação não foi efectuada no tempo que a lei presume, pode ser ilidida por prova em contrário.

Porém, extrai-se ainda do requerimento inicial que aquando da apresentação da oposição à penhora o Recorrente não invocou a factualidade que agora fez constar do corpo e das conclusões 1. a 5 quanto à efectivação daquela notificação em data posterior à que ali consta.

Ora, é pacífico o entendimento de que a ilisão da presunção de que a notificação não foi efectuada no prazo em que a mesma se presume feita após a sua expedição, incumbe ao notificado.

De facto, conforme se aduziu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.01.2012 [Proferido no processo n.º 1432/05.3TTPRT.S2 [...]], «como resulta da Lei – n.º 6 do art. 254.º do C.P.C. – o mecanismo adequado para evitar que se tenha/considere feita a notificação no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, é a ilisão da presunção aí estabelecida: para lograr esse objectivo, o notificado provará …que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não são imputáveis». [...]

De facto, precisamente porque funciona a indicada presunção, não compete oficiosamente ao tribunal ir comprovar em todos os processos através do registo aposto na notificação quando foi efectivamente entregue a carta expedida para notificação, isto porque a regra é a de que a presunção legal «só pode ser ilidida a pedido e no interesse do notificado e não por iniciativa do Tribunal» [Cfr. Ac. TRC de 12.07.2006, processo n.º 496/01.3TACBR-A.C1].

Ao invés, incumbe ao notificado que se apresenta a praticar o acto depois do prazo para a respectiva prática contado desde a notificação presumida, invocar nesse momento e comprovar que a notificação apenas lhe foi efectuada em momento posterior, ou seja, alegar e demonstrar que o acto ainda é tempestivo [Para além do citado aresto do TRC de 12.07.2017, a respeito do momento para ilidir a presunção de que a notificação postal se efetuou no terceiro dia posterior ao do registo, veja-se o Ac. TRL de 09.06.2014, processo n.º 2085/13.3 TBBRR-A.L1-6].

Esta é a regra.

Ora, revertendo este entendimento ao caso em apreço, não tendo o Recorrente alegado oportunamente em primeira instância os factos que ora invocou para ilidir a presunção, em circunstâncias comuns não poderia este Tribunal conhecer da bondade de questão que não foi suscitada em primeira instância, ficando assim precludido o seu correspondente (eventual) direito [...], isto porque é igualmente pacífico que os recursos não visam criar novas decisões mas reapreciar as proferidas [...].

Acontece que, todos os citados arestos se debruçaram sobre as situações que são as mais comuns: a notificação foi expedida quando os autos o documentam, e, portanto, a parte quando se apresenta a praticar o acto, tem perfeito conhecimento de que o tribunal presume, por via do indicado artigo 249.º, n.º 1, do CPC, que se encontra notificado. Daí impender sobre si o ónus de alegar e demonstrar quando se apresenta a praticar o acto que a notificação só foi recebida posteriormente à data presumida e por razão que não lhe é imputável. 

Porém, as presunções judiciais são «(ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – art. 349.º/1 do Cód. Civil), e não propriamente um genuíno meio de prova, na dimensão constante do art. 341.º da mesma Codificação, mas antes, como é sabido, meios lógicos ou indutivos através dos quais se alcança a inferência, o facto desconhecido, importa atentar no facto conhecido – a base da presunção – que, no caso, se consubstancia na remessa, sob o identificado registo, do expediente» [...].

Sublinhamos o que antecede porque na situação em apreço não estamos perante uma situação comum (ou, pelo menos, que deva sê-lo), isto porque é a própria presunção de que a notificação foi efectuada que não pode operar.

Na verdade, temos efectivamente o código de barras do registo criado com a indicada data em que o expediente da notificação electrónica foi elaborado pela Senhora Agente de Execução, mas a base da presunção, ou seja a efectiva expedição da carta contendo a notificação, sob o identificado registo, não ocorreu na data que o acto praticado no SISAAE e reflectido no CITIUS atesta - e nem sequer em data próxima -, mas apenas quando em face da notificação presumida - mas como verificamos agora, afinal inexistente à data -, se encontrava praticamente a terminar o prazo para o executado deduzir oposição à penhora.

Ora, conforme decorre do artigo 162.º da Lei n.º Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro [...]:

1 - O agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutórios. 

2 - As competências específicas de agente de execução e as demais funções que lhe forem atribuídas são exercidas nos termos do presente Estatuto e da lei.

Porém, pese embora se encontrasse ciente de que os Agentes de Execução estão obrigados a pugnar pela boa aplicação do direito e pela rápida administração da justiça (artigo 124.º, n.º 1, do EOSAE), e do dever de praticar diligentemente os actos processuais cuja competência lhes está cometida por lei no âmbito do processo executivo (artigo 168.º, n.º 1, alínea a) EOSAE), de entre os quais avultam precisamente as notificações da sua competência (artigo 720.º, n.º 7, do CPC), e igualmente ciente das consequências processuais dessa desconformidade entre o que o processo espelhava e a realidade física, a Senhora Agente de Execução, nem sequer teve o cuidado de informar os autos que a notificação não tinha seguido na data em que o acto por si eleborado atesta que ocorreu, dando assim azo a toda a actividade subsequente, mormente ao despacho recorrido e ao presente recurso.

Ora, o artigo 157.º, n.º 6, do CPC, estabelece a regra de que os erros ou omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes [Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º - Artigos 1.º a 361.º, pág. 316]. 

Conforme o Supremo Tribunal de Justiça já teve oportunidade de afirmar no aresto proferido em 05.04.2016 [Processo n.º 12/14.7TBMGD-B.G1.S1], «o erro ou omissão referentes a notificações da secretaria judicial são de equiparar actos equívocos, ou de dúbia interpretação, e que possam afectar negativamente direitos dos seus destinatários, desde que a interpretação lesiva que deles possa ser feita, aferida pelo standard interpretativo do destinatário normal – art. 236º, nº1, do Código Civil – possa ser acolhida». 

Trata-se, pois, de uma regra geral que, de igual modo, se deve aplicar aos erros e omissões de agente de execução, tanto mais quando estes praticam actos que são desempenhados pelos oficiais de justiça no processo comum, podendo igualmente sê-lo por estes no processo executivo, nas situações referidas no artigo 722.º do CPC.

Pensamos, aliás, que outra interpretação não pode decorrer das razões que levaram o legislador a introduzi-la no n.º 6, do artigo 161.º do CPC, pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12, «visando generalizar princípio que já era lícito inferir pontualmente de certos regimes processuais». Efectivamente, parafraseando LOPES DO REGO [In Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª edição, Almedina 2004, págs. 172 e 173, e ac. STJ citado] «tendo a parte confiado em indicação dada de modo processualmente relevante e documentada nos autos por algum funcionário da secretaria», no caso presente, pelo agente de execução, a quem a lei atribuiu tal competência, «não poderá resultar prejudicada pelo facto de vir ulteriormente a julgar que tal informação consubstanciava alguma ilegalidade». De facto, «as partes têm que contar com a diligência e eficácia dos serviços judiciais, confiando neles e não desvirtuando o papel que cada agente judiciário tem no processo, idóneo para produzir o resultado que a todos interessa – cooperar com boa fé numa sã administração da justiça».

Na situação vertente, não restam dúvidas de que a omissão da Senhora Agente de Execução, prejudicou o Recorrente porquanto foi por via do seu comportamento omissivo, que o Senhor Juiz, à data em que proferiu o despacho recorrido de indeferimento liminar dos embargos, por extemporaneidade, ignorava a circunstância de que a notificação apenas tinha sido efectivamente expedida em 12.07.2017 e realizada em 13.07.2017, e não, como ali presumiu, em 03.07.2017; e que o Recorrente, não podia saber que, recebendo uma notificação com a data de expedição de 12.07.2017, a mesma constava nos autos como tendo sido remetida em 29.06.2017, razão pela qual nem sequer podia arguir aquela desconformidade aquando da apresentação da oposição, por forma a obstar à prolação do despacho recorrido.

É, pois, manifesto que a descrita situação não pode postergar os direitos do Recorrente. 

De facto, pese embora a sobredita irregularidade configure uma nulidade secundária, a mesma não podia ter sido arguida pelo Recorrente em primeira instância, precisamente porque só com a notificação do despacho recorrido aquele teve conhecimento da oportuna falta de expedição da notificação do auto de penhora pela Senhora Agente de Execução. 

Assim, encontrando-se a coberto de despacho judicial a arguida irregularidade da notificação pode ser conhecida em sede de recurso porque, até àquele momento, não existia qualquer vício processual do conhecimento da parte e contra o qual pudesse reagir [Cfr. a respeito da situação processualmente semelhante decorrente da prolação de decisão surpresa - que a decisão recorrida acaba igualmente por constituir -, a posição expressa por MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, no Blog do IPPC, mormente em Paper datado de 23.03.2015.].

A não ser assim entendido ficaria intoleravelmente inviabilizado o direito constitucional de aceso ao direito e de intervenção processual que o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa garante ao Recorrente, bem como a confiança legítima do cidadão no Estado.

Pelo exposto, decorrendo do documento cuja junção aos autos determinámos, que o Recorrente foi efetivamente notificado em 13.07.2017, e não como presumidamente se considerou em 03.07.2017, o prazo normal de 10 dias para deduzir oposição à penhora terminava posteriormente ao dia 11 de Setembro de 2017, data em que foi apresentada a oposição. Em consequência, é manifesta a tempestividade do requerimento de oposição à penhora que foi apresentado pelo executado.

Procede, pois, a apelação, devendo ser revogado o despacho recorrido [Cfr. neste mesmo sentido a decisão sumária proferida pelo ora 1.º Adjunto em 16.11.2017, no processo n.º 118/12.7T2GDL-B.E1].

Como visto, a prolação do despacho de indeferimento liminar, no errado pressuposto de que o decurso do prazo para a dedução de oposição terminara, apenas se deve à conduta duplamente omissiva da Senhora Agente de Execução: em primeiro lugar, porque fez constar nos autos uma data de notificação e um registo, mas não fez seguir o respectivo expediente; e, em segundo lugar, tendo entregue a carta expedida para notificação nos CTT em 12.07.2013, quando o prazo presumido a partir da notificação que fez constar nos autos para a dedução da oposição se encontrava prestes a terminar, omitiu essa informação no processo, assim dando azo à prolação daquele despacho e à subsequente actividade processual decorrente da necessidade de interposição deste recurso.

Nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 534.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade da parte vencida a final pelas custas não abrange o presente recurso, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do mesmo preceito, e, se o Senhor Juiz o considerar pertinente, da comunicação à Comissão de Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça, para os fins convenientes."
 
[MTS]