Admissibilidade do recurso; admissibilidade absoluta;
violação de jurisprudência uniformizada;
inadmissibilidade por motivo estranho à alçada do tribunal
1. O sumário de STJ 8/2/2018 (810/13.9TBLSD.P1.S1) é o seguinte:
I - Os conceitos de “jurisprudência uniformizada” do STJ e “uniformização de jurisprudência” do STJ são empregues pelo legislador para se referir aos acórdãos proferidos pelo pleno das secções cíveis deste Tribunal, sendo o conceito de jurisprudência uniforme, reiterada ou constante empregue apenas em sede de repartição de custas ou de admissibilidade de decisão singular pelo relator.
II - O conceito de jurisprudência uniformizada do STJ que consta da al. c) do n.º 2 do art. 629.º do CPC abrange apenas os acórdãos proferidos em recurso de revista ampliada ou em recurso para uniformização de jurisprudência e ainda os resultantes da conversão de anteriores assentos do STJ.
III - A admissibilidade da revista ao abrigo da al. d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC não prescinde da verificação dos pressupostos atinentes ao valor da causa e da sucumbência, requerendo-se, por outro lado, que a revista apenas não seja admissível por imperativo legal estranho à alçada da Relação, o que se percebe já que o propósito da norma é evitar a cristalização de correntes jurisprudenciais contraditórias ao nível das Relações.
IV - Na medida em que da previsão das als. c) e d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC não resulta qualquer tratamento arbitrário e que a garantia de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva não é incompatível com a existência de normas adjectivas que disciplinem o exercício do direito ao recurso, é de concluir pela conformidade das mesmas à CRP.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
I - Os conceitos de “jurisprudência uniformizada” do STJ e “uniformização de jurisprudência” do STJ são empregues pelo legislador para se referir aos acórdãos proferidos pelo pleno das secções cíveis deste Tribunal, sendo o conceito de jurisprudência uniforme, reiterada ou constante empregue apenas em sede de repartição de custas ou de admissibilidade de decisão singular pelo relator.
II - O conceito de jurisprudência uniformizada do STJ que consta da al. c) do n.º 2 do art. 629.º do CPC abrange apenas os acórdãos proferidos em recurso de revista ampliada ou em recurso para uniformização de jurisprudência e ainda os resultantes da conversão de anteriores assentos do STJ.
III - A admissibilidade da revista ao abrigo da al. d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC não prescinde da verificação dos pressupostos atinentes ao valor da causa e da sucumbência, requerendo-se, por outro lado, que a revista apenas não seja admissível por imperativo legal estranho à alçada da Relação, o que se percebe já que o propósito da norma é evitar a cristalização de correntes jurisprudenciais contraditórias ao nível das Relações.
IV - Na medida em que da previsão das als. c) e d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC não resulta qualquer tratamento arbitrário e que a garantia de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva não é incompatível com a existência de normas adjectivas que disciplinem o exercício do direito ao recurso, é de concluir pela conformidade das mesmas à CRP.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"b) Da admissibilidade da revista ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC:
17. Na decisão reclamada, considerou-se ainda que não se mostravam verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso contidos na al. d), do nº 2, do art. 629º, do CPC, cuja aplicação ao recurso de revista é também ressalvada pela primeira parte do art. 671.º, n.º 3, do mesmo Código.
Com efeito, escreveu-se na decisão ora impugnada, em termos que sem reservas se subscrevem:
“Estabelece-se no art.º. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, que:
“2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso (…):
d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”
Relativamente a este fundamento da revista, e muito embora o proémio do n.º 2 do art. 629.º do CPC inculque o contrário, a jurisprudência tem repetidamente afirmado a necessidade da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade atinentes ao valor da causa e da sucumbência. [Neste sentido, Abrantes Geraldes, [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4.ª Edição], pág. 56.].
Conforme se escreveu no acórdão do STJ de 23/06/2016, proc. n.º 2023/13.0TJLSB.L1.S1:
“E esta questão coloca-se, face à ressalva que, no proémio do n.º 2 do artigo 629.º, se faz à indiferença do valor da causa e da sucumbência, parecendo cobrir todas as alíneas ali integradas.
Não obstante essa aparência formal, não se afigura que a mesma seja decisiva para interpretar o alcance da admissibilidade recurso em termos de compreender a generalidade dos casos ali contemplados sem a condicionante da alçada ou da sucumbência, pelos seguintes motivos:
i) – Em primeiro lugar, atendendo ao fator histórico, genético-evolutivo, do instituto em causa, como um dos mecanismos tendentes à uniformização jurisprudencial, no tipo de casos em referência, que sempre se tem confinado às situações em que se verificassem os requisitos gerais de cabimento de revista, como sucedia, outrora, no âmbito do artigo 764.º, introduzido pelo Dec. Lei n.º 44.129, de 28-09-1961, e do n.º 3 do artigo 728.º - julgamento com intervenção de todos os juízes da secção ou em reunião conjunta de secções, com vista à prolação dos chamados quase-assentos - introduzido Dec. Lei n.º 47.690, de 11-05-1967; e, mais recentemente, no âmbito do n.º 4 do artigo 678.º, na redação precedente ao Dec. Lei n.º 303/2007, e da alínea c) do n.º 1 do artigo 721.º-A, na redação deste diploma;
ii) – Em segundo lugar, uma razão de ordem teleológica que se prende com a finalidade do referido mecanismo, no sentido de visar uma uniformização não prioritariamente colimada à justiça de cada caso concreto, mas destinada a evitar a propagação, em escala, do erro de direito judiciário pela ordem jurídica, como garantia do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei na sua conjugação com o princípio da independência e liberdade interpretativa do julgador, na linha da diretriz do n.º 3 do art.º 8.º do CC;
iii) – Ainda nesta linha, o facto de se ter vindo a progredir no sentido de limitar o âmbito de intervenção do tribunal de revista aos casos de maior relevo;
iv) – Por fim, uma razão de ordem sistemática, segundo a qual se mostra incoerente admitir o recurso, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, para todos os casos em que o recurso não seja admissível por motivo estranho àquele, quando o não seria, com o mesmo fundamento, nos casos sujeitos à regra geral da admissibilidade em função do valor da alçada ou da sucumbência, prescrita no n.º 1 do art.º 629.º do CPC.
Perante estas razões ponderosas e substanciais, o valor interpretativo a dar à ressalva inicial do proémio do n.º 2 do art.º 629.º sai esbatido, tanto mais que tal ressalva assim configurada parece radicar numa técnica legislativa pouco apurada, como acima ficou dito, e que, por isso, não deverá prevalecer de modo a descaracterizar o essencial da condicionante estabelecida no indicado normativo quando se refere a motivo estranho à alçada do tribunal de que se recorre, pelo menos com o alcance com que tem vindo a ser perfilhado. (…)».
Por outro lado, este fundamento da revista circunscreve-se a recursos de decisões proferidas pela Relação em situações em que o acesso ao Supremo esteja vedado por motivos de ordem legal estranhos à alçada da Relação.
A intenção do legislador terá sido a de permitir que eventuais divergências das Relações, no âmbito de processos em que o recurso ordinário para o Supremo não é admissível [Como sucede, em regra, nos procedimentos cautelares, nos processos de jurisdição voluntária, nos processos de insolvência, nos processos de expropriação, em processos previstos no Código do Notariado, no Código de Registo Civil, no Código de Registo Comercial, no Código da Propriedade Industrial e no Código de Registo Predial], possam, por esta via, ser dirimidas por este Tribunal superior, evitando a cristalização de correntes jurisprudenciais contraditórias ao nível da segunda instância [ Cf., a este respeito, Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 54.].
Como se escreveu no acórdão do STJ de 24/11/2016, proc. n.º 1655/13.1TJPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, num caso em que se discutia a admissibilidade do recurso instaurado no âmbito de uma ação declarativa de condenação:
«No caso vertente, nem tão pouco se verifica o fator condicionante da admissibilidade prevista na citada alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º, consistente no não cabimento de recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal de que se recorre, no caso o Tribunal da Relação.
Com efeito, estamos no âmbito de uma ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, fundada em enriquecimento sem causa, em relação à qual não existe norma que estabeleça a inadmissibilidade do recurso por motivo estranho à alçada do tribunal de que se recorre. Significa isto que o cabimento de recurso das decisões ali proferidas se rege pelos requisitos gerais estabelecidos no n.º 1 do artigo 629.º do CPC, ou seja, em função do valor da causa e da sucumbência.
Nessa medida, o caso vertente não se encontra contemplado pela previsão normativa do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, mais precisamente no que diz respeito ao não cabimento de recurso por motivo estranho à alçada do tribunal recorrido, ainda que se considerasse para tais efeitos a ressalva inicial do respetivo proémio, sendo quanto basta para ter como não admissível o recurso com base no fundamento invocado pela Recorrente.
Mas mesmo a verificar-se aquela condicionante - que claramente se não verifica -, estando o valor da causa, na cifra de € 10.947,00, contido dentro do valor da alçada da Relação (€ 30.000,00), na interpretação acima adotada, também nem sequer caberia recurso de revista do acórdão recorrido.»
17. Na decisão reclamada, considerou-se ainda que não se mostravam verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso contidos na al. d), do nº 2, do art. 629º, do CPC, cuja aplicação ao recurso de revista é também ressalvada pela primeira parte do art. 671.º, n.º 3, do mesmo Código.
Com efeito, escreveu-se na decisão ora impugnada, em termos que sem reservas se subscrevem:
“Estabelece-se no art.º. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, que:
“2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso (…):
d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”
Relativamente a este fundamento da revista, e muito embora o proémio do n.º 2 do art. 629.º do CPC inculque o contrário, a jurisprudência tem repetidamente afirmado a necessidade da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade atinentes ao valor da causa e da sucumbência. [Neste sentido, Abrantes Geraldes, [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4.ª Edição], pág. 56.].
Conforme se escreveu no acórdão do STJ de 23/06/2016, proc. n.º 2023/13.0TJLSB.L1.S1:
“E esta questão coloca-se, face à ressalva que, no proémio do n.º 2 do artigo 629.º, se faz à indiferença do valor da causa e da sucumbência, parecendo cobrir todas as alíneas ali integradas.
Não obstante essa aparência formal, não se afigura que a mesma seja decisiva para interpretar o alcance da admissibilidade recurso em termos de compreender a generalidade dos casos ali contemplados sem a condicionante da alçada ou da sucumbência, pelos seguintes motivos:
i) – Em primeiro lugar, atendendo ao fator histórico, genético-evolutivo, do instituto em causa, como um dos mecanismos tendentes à uniformização jurisprudencial, no tipo de casos em referência, que sempre se tem confinado às situações em que se verificassem os requisitos gerais de cabimento de revista, como sucedia, outrora, no âmbito do artigo 764.º, introduzido pelo Dec. Lei n.º 44.129, de 28-09-1961, e do n.º 3 do artigo 728.º - julgamento com intervenção de todos os juízes da secção ou em reunião conjunta de secções, com vista à prolação dos chamados quase-assentos - introduzido Dec. Lei n.º 47.690, de 11-05-1967; e, mais recentemente, no âmbito do n.º 4 do artigo 678.º, na redação precedente ao Dec. Lei n.º 303/2007, e da alínea c) do n.º 1 do artigo 721.º-A, na redação deste diploma;
ii) – Em segundo lugar, uma razão de ordem teleológica que se prende com a finalidade do referido mecanismo, no sentido de visar uma uniformização não prioritariamente colimada à justiça de cada caso concreto, mas destinada a evitar a propagação, em escala, do erro de direito judiciário pela ordem jurídica, como garantia do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei na sua conjugação com o princípio da independência e liberdade interpretativa do julgador, na linha da diretriz do n.º 3 do art.º 8.º do CC;
iii) – Ainda nesta linha, o facto de se ter vindo a progredir no sentido de limitar o âmbito de intervenção do tribunal de revista aos casos de maior relevo;
iv) – Por fim, uma razão de ordem sistemática, segundo a qual se mostra incoerente admitir o recurso, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, para todos os casos em que o recurso não seja admissível por motivo estranho àquele, quando o não seria, com o mesmo fundamento, nos casos sujeitos à regra geral da admissibilidade em função do valor da alçada ou da sucumbência, prescrita no n.º 1 do art.º 629.º do CPC.
Perante estas razões ponderosas e substanciais, o valor interpretativo a dar à ressalva inicial do proémio do n.º 2 do art.º 629.º sai esbatido, tanto mais que tal ressalva assim configurada parece radicar numa técnica legislativa pouco apurada, como acima ficou dito, e que, por isso, não deverá prevalecer de modo a descaracterizar o essencial da condicionante estabelecida no indicado normativo quando se refere a motivo estranho à alçada do tribunal de que se recorre, pelo menos com o alcance com que tem vindo a ser perfilhado. (…)».
Por outro lado, este fundamento da revista circunscreve-se a recursos de decisões proferidas pela Relação em situações em que o acesso ao Supremo esteja vedado por motivos de ordem legal estranhos à alçada da Relação.
A intenção do legislador terá sido a de permitir que eventuais divergências das Relações, no âmbito de processos em que o recurso ordinário para o Supremo não é admissível [Como sucede, em regra, nos procedimentos cautelares, nos processos de jurisdição voluntária, nos processos de insolvência, nos processos de expropriação, em processos previstos no Código do Notariado, no Código de Registo Civil, no Código de Registo Comercial, no Código da Propriedade Industrial e no Código de Registo Predial], possam, por esta via, ser dirimidas por este Tribunal superior, evitando a cristalização de correntes jurisprudenciais contraditórias ao nível da segunda instância [ Cf., a este respeito, Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 54.].
Como se escreveu no acórdão do STJ de 24/11/2016, proc. n.º 1655/13.1TJPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, num caso em que se discutia a admissibilidade do recurso instaurado no âmbito de uma ação declarativa de condenação:
«No caso vertente, nem tão pouco se verifica o fator condicionante da admissibilidade prevista na citada alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º, consistente no não cabimento de recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal de que se recorre, no caso o Tribunal da Relação.
Com efeito, estamos no âmbito de uma ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, fundada em enriquecimento sem causa, em relação à qual não existe norma que estabeleça a inadmissibilidade do recurso por motivo estranho à alçada do tribunal de que se recorre. Significa isto que o cabimento de recurso das decisões ali proferidas se rege pelos requisitos gerais estabelecidos no n.º 1 do artigo 629.º do CPC, ou seja, em função do valor da causa e da sucumbência.
Nessa medida, o caso vertente não se encontra contemplado pela previsão normativa do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, mais precisamente no que diz respeito ao não cabimento de recurso por motivo estranho à alçada do tribunal recorrido, ainda que se considerasse para tais efeitos a ressalva inicial do respetivo proémio, sendo quanto basta para ter como não admissível o recurso com base no fundamento invocado pela Recorrente.
Mas mesmo a verificar-se aquela condicionante - que claramente se não verifica -, estando o valor da causa, na cifra de € 10.947,00, contido dentro do valor da alçada da Relação (€ 30.000,00), na interpretação acima adotada, também nem sequer caberia recurso de revista do acórdão recorrido.»
Por conseguinte, na medida em que, in casu, o valor da causa não é superior ao da alçada da Relação, nem se encontra verificada uma exclusão do recurso ordinário por outro motivo de ordem legal, é de concluir que não se mostram verificados os requisitos previstos no art. 629º, nº2, al. d), do CPC.”
[MTS]