"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/09/2018

Jurisprudência 2018 (76)


Alegações de recurso; conclusões;
rejeição do recurso
 

1. O sumário de STJ 8/2/2018 (765/13.0TBESP.L1.S1) é o seguinte:

I - De harmonia com o disposto no art. 639, nº 1, do CPC, incumbe ao recorrente, de forma sintética, enunciar as razões que o levam a impugnar a decisão proferida;

II – Para efeitos do disposto no art. 639º, nº 3, do CPC, o tribunal não deve utilizar um critério estritamente quantitativo, mas um critério funcionalmente adequado, que tenha em conta – perante a complexidade real do litígio e as questões suscitadas pelo recorrente – o preenchimento ou não preenchimento da função processual cometida à figura das conclusões da alegação de recurso.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"De harmonia com o disposto no art. 639, nº 1, do CPC, incumbe ao recorrente a enunciação das razões que o levam a impugnar a decisão proferida, a fim de permitir ao tribunal superior apreciar se as mesmas procedem ou não. A lei impõe-lhe ainda que, a título de conclusões, indique resumidamente os fundamentos da sua impugnação.

As conclusões serão, portanto, as proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo do corpo das alegações do recurso [Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299].

Nem sempre, porém, as conclusões são elaboradas com o rigor exigido, pois, frequentemente, evidenciam deficiências que podem conduzir à rejeição do recurso.

Em todo o caso, importa não esquecer que “a motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objetivo procurado pelo recorrente” [
V. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, pág.144], pelo que, neste domínio, o (in)cumprimento pelo recorrente das regras processuais que possa determinar o não conhecimento do recurso (no todo ou em parte) deve ser valorado em concreto.

A este respeito, é elucidativa a forma como a questão é equacionada no ac. do STJ de 6.12.2012, proc. 373/06.1TBARC-A.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, e que, pela sua clareza, passamos a transcrever:

"Ao apreciar o cumprimento do ónus de concluir pelo recorrente e/ou de suprimento da sanação de vícios originários, “deverá partir-se não de um critério estritamente formal ou quantitativo, baseado exclusivamente no número de conclusões e extensão de páginas por elas preenchidas, mas de um critério funcionalmente adequado, que tenha em conta – perante a complexidade real do litígio e as questões suscitadas pelo recorrente – o preenchimento ou não preenchimento da função processual cometida à figura das conclusões da alegação de recurso. Ora, como é sabido, tal função processual traduz-se em definir adequadamente e tornar objetivamente apreensível o objeto do recurso, elencando o recorrente, de forma cabal e inteligível, as exatas questões que pretende ver dirimidas pelo Tribunal ad quem, mostrando onde se situou precisamente o erro de julgamento que motiva a impugnação deduzida.”.
 
Sendo estes, também em nosso entender, os parâmetros orientadores a ter em conta, debrucemo-nos, agora, sobre o caso sub judice.

Nas alegações do recurso de apelação, a recorrente manifesta divergências quanto ao conteúdo da sentença e termina a sua exposição, formulando vinte e duas conclusões.

Ora, ainda que o número de artigos das conclusões não seja, só por si, impressionante, não pode deixar de se ter em conta que, alguns deles, além de excessivamente longos, se desdobram em vários parágrafos (cf., v.g., arts. 8, 12, 21 e 22).

Mostra-se, assim, claramente incumprido o ónus de concisão que sobre a recorrente impende.

Por outro lado, na elaboração das conclusões, misturando questões de facto com questões de direito, a recorrente utilizou uma metodologia que compromete definitivamente a apreensão das questões concretas que pretendia ver apreciadas pelo Tribunal Superior.

Afigura-se-nos, deste modo, que, na sequência do convite ao aperfeiçoamento que lhe foi endereçado, a recorrente não aproveitou a oportunidade que o Tribunal lhe concedeu, suprindo os vícios que afetavam a peça processual originariamente apresentada.

Exemplificando:

Nas1ª e 2ª conclusões identifica-se a decisão de que se interpõe recurso, nada havendo a apontar.

Porém:

Nas conclusões 3ª, 4ª, 7ª, 8ª, 9ª, 13ª, 14ª, 17ª e 22ª, embora se impute à sentença vícios qualificados como nulidades, a exposição é de tal forma confusa que, mesmo desenvolvendo algum esforço, não é possível compreender as concretas razões pelas quais se pede a anulação da decisão.

De igual forma, nas conclusões 5ª, 6ª, 10ª e 11ª, a despeito das referências à prescrição e à caducidade, bem como à constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos prazos de prescrição, as ditas matérias surgem amalgamadas, sem um fio lógico condutor que permita apreender a pretensão da recorrente.

Finalmente, nas conclusões 12ª, 13ª, 14ª, 15ª, 16ª, 18ª a 22ª, a recorrente, sem a necessária discriminação, mistura matéria de facto com matéria de direito, impedindo a identificação pelo tribunal das questões concretas que pretendia ver analisadas, bem como do raciocínio seguido pela recorrente para fazer proceder a sua alegação.

Em suma:

As conclusões apresentadas padecem do vício de prolixidade, inconcludência e falta de clareza, inviabilizando a identificação precisa pelo Tribunal Superior das exatas questões que lhe cumpriria decidir, não permitindo, portanto, apreender, na sua totalidade, o objeto do recurso.

E assim sendo, perante uma manifesta indeterminação do respectivo conteúdo, nenhuma censura merece a decisão que se absteve de conhecer do recurso de apelação interposto, não se mostrando, consequentemente, violados quaisquer preceitos legais, mormente os indicados pela recorrente.

Por conseguinte, é de rejeitar o recurso, como acertadamente se decidiu no acórdão recorrido."
 
[MTS]