"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/09/2018

Jurisprudência 2018 (68)


Confissão; assentada;
declarações de parte; valor probatório
 

1. O sumário de RE 12/4/2018 (1004/16.7T8STR.E1) é o seguinte: 

I - É entendimento que cremos pacífico após a entrada em vigor do actual artigo 155.º, n.º 4, do CPC, que decorrido o prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada, sem que seja arguido o vício da sua falta ou deficiência, o mesmo fica sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação, nem podendo tal nulidade ser arguida sequer nas alegações de recurso.

II - Tal como já resultava do disposto no artigo 563.º, n.º 1, do regime pretérito, o actual artigo 463.º, n.º 1, do CPC, continua a impor a redução a escrito do depoimento de parte na sua vertente confessória. 

III - A formalidade da assentada na acta da audiência de discussão e julgamento encontra-se reservada para a confissão judicial provocada, a qual, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 356.º do CC, pode ser feita tanto em depoimento de parte como em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal. 

IV - Mas, havendo confissão judicial, a força probatória plena contra o depoente depende da sua redução a escrito, isto porque, se o não for, é livremente apreciada pelo tribunal, mesmo que se encontre gravada. 

V - De facto, a desconsideração da indicada formalidade da assentada implica que a declaração da parte, mesmo que se encontre gravada, e ainda que seja confessória, ao invés de ter o valor probatório de prova plena contra o confitente, que lhe atribui o n.º 1 do artigo 358.º do CC, passa a ser livremente apreciada pelo tribunal, nos termos do n.º 4 do mesmo normativo. 

VI - Por isso, as consequências desta omissão não podem qualificar-se como não tendo influência no exame e decisão da causa. 

VII - Porém, a parte do depoimento, das declarações, ou dos esclarecimentos do sujeito processual, que não assuma a natureza de confissão, não tem que ser reduzida a escrito por não ser prova tarifada, sendo um meio de prova livremente apreciado pelo tribunal. 

VIII - Estando sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, na formação da convicção pelo julgador no que tange à credibilidade da forma como foram prestadas as declarações de parte e ao peso que revistam na decisão da matéria de facto, não é irrelevante ter presente o âmbito sobre o qual as mesmas podem incidir, porquanto, em face do preceituado no artigo 466.º, n.º 1, a prestação de declarações versa sobre factos em que as partes tenham tido intervenção pessoalmente, ou sobre os quais tenham conhecimento directo.

IX - Assim, ao invés de posições apriorísticas sobre a natureza subsidiária ou supletiva deste meio de prova, diminuindo ou desconsiderando o seu valor probatório por via da mera qualidade de quem produz as declarações, ou por ter ou não estado presente na audiência final, consideramos que as mesmas devem ser apreciadas, tal qual o comando legal prescreve, ou seja, são livremente valoradas pelo juiz, no confronto da demais prova produzida. 

X - Resultando da factualidade provada, não só que os caminhos em questão se encontram afectos à utilidade pública - atento o seu uso directo e imediato pelo público em geral que desde há pelo menos 40 ou 50 anos utiliza aqueles caminhos como passagem de pessoas, animais e veículos quer para os terrenos agrícolas da zona, quer para acesso a feiras e a localidades e lugares vizinhos, ali passando sempre que entende, sem pedir autorização a ninguém e na convicção de que o pode fazer -, não tendo um uso limitado à propriedade da autora e às circundantes -; como ainda que, pese embora os caminhos não tenham sido construídos pela autarquia -, pode considerar-se terem sido legitimamente apropriados pela mesma, que há cerca de 40 anos os administra, melhora e conserva; não pode consequentemente duvidar-se que se trata de caminhos públicos, e, por isso, pertencentes àquela entidade pública.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
[...] aduz ainda a Recorrente que «com o meio de prova – declarações de parte – se terá pretendido esclarecer ou completar factos pessoais ou de que se tenha conhecimento directo, emergentes de outros meios de prova e não substitui-los ou serem um sucedâneo deles». Assim, em seu entender, «na fundamentação da matéria de facto é essencial e obrigatório que se especifiquem os aspectos ou pontos em que as declarações de parte contribuíram para o completamento ou esclarecimento de depoimentos testemunhais, de documentos e de outros quaisquer meios de prova, o que não acontece, pelo contrário, além de não se fazer tal especificação, colocou-se a prova por declarações de parte no mesmo nível dos depoimentos das testemunhas para a formação da convicção quanto à matéria de facto, com o que se violou o disposto no artigo 607.º, n.º 4».

Sabido é que as declarações de parte são um novo meio de prova introduzido no Código de Processo Civil pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, cujo artigo 466.º, n.º 1, estabelece que «[a]s partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto».

Embora nestas vestes sejam um meio de prova inovatório, tal como anunciado na Exposição de Motivos da Proposta de Lei 113/XII, onde se afirma que «[p]revê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão», o certo é que, em boa verdade, o referido preceito constitui a consagração legal do entendimento que ainda na vigência do codificação processual civil revogada foi preconizado por uma significativa corrente jurisprudencial, que já então vinha entendendo - estribando-se no disposto no artigo 361.º do CC, e ainda no facto de com a reforma de 95/96 o legislador ter vindo introduzir a possibilidade de o juiz solicitar esclarecimentos às partes -, que era possível valorar livremente o depoimento de parte, no segmento que excedesse a confissão de factos, por natureza desfavoráveis ao depoente.

«Ou seja, embora configurado processualmente no sentido da obtenção da confissão, foram reconhecidas ao depoimento de parte virtualidades probatórias irrecusáveis perante um sistema misto de valoração da prova em que a par de prova tarifada existem meios de prova sujeitos a livre apreciação» [Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, in “AS MALQUISTAS DECLARAÇÕES DE PARTE - "Não acredito na parte porque é parte", Julho de 2015, Julgar Online, com abundantes citações de doutrina e jurisprudência a respeito do tema].

Estando sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, na formação da convicção pelo julgador no que tange à credibilidade da forma como foram prestadas e ao peso que revistam na decisão da matéria de facto, não é irrelevante ter presente o âmbito sobre o qual as mesmas podem incidir, porquanto, em face do preceituado no artigo 466.º, n.º 1, a prestação de declarações versa sobre factos em que as partes tenham tido intervenção pessoalmente, ou sobre os quais tenham conhecimento direto, ou seja, no dizer do citado Autor «sobre factos pessoais, os quais abrangem: (i) o ato praticado pela parte ou com a sua intervenção; (ii) o ato de terceiro praticado perante a parte em que se inclui a declaração escrita dirigida à parte; (iii) o facto ocorrido na presença da parte e (iv)o conhecimento do facto ocorrido na sua ausência». Significa isto que ao interesse no desfecho da acção que a parte, pela sua qualidade não pode deixar de ter, contrapõe-se o seu especial conhecimento sobre a matéria a que é ouvido.

Assim, ao invés de posições apriorísticas sobre a natureza subsidiária ou supletiva deste meio de prova, diminuindo ou desconsiderando o seu valor probatório por via da mera qualidade de quem produz as declarações [...], ou por ter ou não estado presente na audiência final [...], consideramos que as mesmas devem ser apreciadas, tal qual o comando legal prescreve, ou seja, são livremente valoradas pelo juiz, no confronto da demais prova produzida. A título de mero exemplo, devidamente sopesadas, as declarações de parte podem reforçar ou infirmar designadamente a prova testemunhal produzida, de acordo com o que venha a ser a avaliação pelo julgador da respectiva credibilidade revelada nomeadamente pela espontaneidade e isenção que transpareça do depoimento prestado, em face das regras da experiência comum e do normal acontecer, o mesmo é dizer, de harmonia com o exame crítico de toda a prova produzida.

Revertendo ao caso em apreço, diz a Recorrente que «entende dever criticar, em nome da objectividade, da transparência e da igualdade das partes, colocarem-se, na fundamentação aduzida para a formação da convicção do Tribunal, as declarações prestadas pelo Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos (aliás, em grandes parte inaudíveis, pelo menos do registo dado à recorrente), como legal representante da recorrida, ao mesmo nível dos depoimentos das testemunhas». Ou seja, a Recorrente coloca em questão o valor probatório atribuído às declarações de parte pelo julgador por ter sido sopesado ao mesmo nível do depoimento das testemunhas, mas não a sua substância, nem sequer colocando em causa a credibilidade das declarações prestadas. Ora, como antedito, sendo admissíveis quer as declarações prestadas pelo legal representante do Município quer a idêntica valoração que das mesmas foi efectuada no confronto da prova testemunhal produzida, não foi violado qualquer um dos indicados preceitos, nem o princípio da igualdade, porquanto a Autora, à semelhança do que fez o Réu, podia igualmente ter requerido a prestação de declarações, o que não fez."
 
[MTS]