"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/06/2019

Jurisprudência 2019 (35)


Título executivo;
documento particular

1. O sumário RE 14/2/2019 (1672/14.4TBFAR-A.E1) é o seguinte:

I - Atenta a estrutura declarativa dos embargos de executado, a falta de contestação pelo Embargado implica apenas que se considerem confessados os factos articulados pelo Embargante que não estejam em oposição com os que haviam sido alegados no requerimento executivo, cumprindo ao juiz apreciar se dos mesmos decorre ou não a consequência jurídica pretendida, in casu, se os mesmos têm a virtualidade de afastar a presunção da existência do direito que o título executivo corporiza, e esta só é susceptível de ser afastada pela prova da inexistência/insuficiência do título, bem como da inexigibilidade ou inexistência do direito, a alegar e provar pelo executado.

II - O Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre a força executiva dos documentos particulares emitidos anteriormente ao NCPC, veio no Acórdão n.º 408/2015, proferido no processo n.º 340/2015[14], declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição).

III - Aos contratos de mútuo celebrados pela Caixa Geral de Depósitos, continua a aplicar-se o disposto no artigo 9.º, n.º 4, do DL n.º 287/93, de 20 de Agosto, diploma que estabeleceu o regime jurídico daquele Banco, de acordo com cuja estatuição «os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela Caixa, prevejam a existência de uma obrigação de que a Caixa seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades».

IV - Assim, não se aplica à situação em apreço, a necessidade invocada pelo Recorrente de que a Recorrida tivesse procedido à junção aos autos dos extractos detalhados dos montantes em débito, sendo que mesma descriminou em sede de requerimento executivo, quais os montantes em débito, nomeadamente a título de capital, juros de mora, e outras despesas, bem como o período a que diz respeito o incumprimento que originou a resolução do contrato.

V - Conforme o STJ tem vindo a afirmar, «não equivale à invocação do desconhecimento de alguma cláusula ou cláusulas para efeito de exclusão do contrato, a alegação por parte do mutuário de que o Banco não deu conhecimento ao cliente dos elementos a que se reportam os arts. 5.º e 6.º do DL n.º 446/85».

VI - Tendo o Embargante alegado que não foi interpelado, e como a Embargada não contestou tal alegação, que a desfavorece e, por isso, se teve, e bem, como confessada, extrai-se daí a necessária conclusão de que relativamente ao contrato de mútuo celebrado em 19.12.2008, o Embargante não tinha renunciado ao benefício que o artigo 782º lhe confere, pelo que a Exequente tinha de o ter interpelado, logo que se verificasse o incumprimento dos mutuários, para que o Embargante pagasse as prestações vencidas, e pudesse pagar atempadamente as que se fossem vencendo, o que a Exequente não fez.

VII - Assim, não pode ser exigido ao Embargante, relativamente a este contrato, a totalidade das prestações, mas apenas as prestações já vencidas.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"[...] a eficácia que a lei reconhece aos documentos que podem servir de base ao processo executivo tem sofrido modificações mercê das sucessivas alterações legislativas, relevando para o caso dos autos a que ocorreu com a entrada em vigor em 1 de Setembro de 2013 do novo Código de Processo Civil cujo artigo 703.º eliminou os documentos particulares do elenco dos títulos executivos, mormente quando conjugado com o artigo 6.º, n.º 3 da Lei nº 41/2013, se interpretado no sentido de se aplicar o novo regime aos documentos particulares anteriormente dotados de exequibilidade pela al. c), do n.º 1 do artigo 46.º, do anterior CPC. 

Efectivamente, a doutrina e a jurisprudência dividiram-se na questão relativa à aplicação no tempo do novo CPC considerando uns que «a norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos (artigo 703.º do novo CPC), quando conjugada com o artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, e interpretada no sentido de se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da característica da exequibilidade, conferida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do anterior Código de Processo Civil, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da segurança e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático» [...] ao passo que outros entenderam que «A aplicação do art. 703º do Novo CPC a todas as execuções interpostas posteriormente a 1 de Setembro de 2013, recusando a exequibilidade aos documentos particulares ainda que constituídos validamente em data anterior, não implica uma aplicação retroactiva da lei nova. O art. 703º do Novo CPC, na parte em que elimina os documentos particulares do elenco dos títulos executivos, quando conjugado com o art. 6º, nº3 da Lei nº 41/2013, e interpretado no sentido de se aplicar aos documentos particulares anteriormente dotados de exequibilidade pela al. c), do nº1 do art. 46º, do anterior CPC, não é de considerar inconstitucional por violação do princípio da segurança e da protecção da confiança. Em consequência, as execuções instauradas posteriormente a 1 de Setembro de 2013, não poderão basear-se em documento particular constituído em data anterior e a que fosse atribuída exequibilidade pelo regime vigente à data da sua constituição» [...].

Acontece que, a discussão desta questão perdeu entretanto utilidade porquanto o Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre a mesma, veio no Acórdão n.º 408/2015, proferido no processo n.º 340/2015 [...], declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição).

Assim, nada há a censurar à sentença recorrida, quando considerou que o contrato de mútuo celebrado por documento particular, em 18.12.2008, «constitui título executivo por força do disposto no artigo 703º do Código de Processo Civil e acórdão do Tribunal Constitucional 408/2015 do Tribunal Constitucional e do artigo 46º, nº 1, al. c) do Código de Processo Civil na versão anterior à introduzida pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho. (…)

Ora, perante a especial força normativa deste tipo de acórdãos, nos termos do disposto nos artigos 281º, nº 3, e 282º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, não há dúvidas de que o contrato dado à execução, celebrado em data anterior a 01.09.2013, e apesar de ser celebrado sob documento particular, constitui título executivo».

Acresce ainda salientar, em aditamento à posição assumida pela primeira instância, o disposto no artigo 9.º, n.º 4, do DL n.º 287/93, de 20 de Agosto, diploma que estabeleceu o regime jurídico da Caixa Geral de Depósitos, S.A., de acordo com cuja estatuição «os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela Caixa, prevejam a existência de uma obrigação de que a Caixa seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades».

Conforme se considerou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28.04.2015 [
Proferido no processo n.º 2186/14.8TJCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt], «o referido preceito legal não foi objecto de revogação expressa, nomeadamente, pelo art. 4º da Lei nº 41/2013, de 26/6, e, por tal razão, afigura-se-nos que os documentos particulares em causa, por titularem actos/contratos realizados pela Caixa, preverem a existência de obrigações por parte da mutuária e estarem assinados pelos devedores (mutuária e fiador), cabem na previsão do art. 703º, nº 1, d), do NCPC, e revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades» [...].

Significa isto que não se aplica à situação em apreço, a necessidade invocada pelo Recorrente de que a Recorrida tivesse procedido à junção aos autos dos extractos detalhados dos montantes em débito, sendo que mesma descriminou em sede de requerimento executivo, quais os montantes em débito, nomeadamente a título de capital, juros de mora, e outras despesas, bem como o período a que diz respeito o incumprimento que originou a resolução do contrato, conforme a transcrição acima efectuada evidencia.

A respeito do contrato de mútuo celebrado por escritura pública em 19.12.2008, igualmente se sufraga o entendimento vertido na sentença recorrida, de que «este constitui título executivo por força do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, na sua redacção actual, como constituía na vigência do anterior Código de Processo Civil por força do disposto no seu artigo 46.º, n.º 1, alínea b).

Acrescenta-se que, quanto a este contrato, não é aplicável o disposto no artigo 707º do Código de Processo Civil, já que não estamos perante obrigações futuras ou prestações futuras, pois as prestações acordadas no contrato já se venceram no que diz respeito aos mutuários, por incumprimento, conforme acordado entre a mutuante e os mutuários no contrato».

Pelo exposto, importa concluir que, ao contrário do entendimento preconizado pelo Embargante, os contratos de mútuo dados à execução pela exequente CGD, designadamente nos termos do mencionado artigo 9.º, n.º 4, do DL 287/93, constituem título executivo, sem necessidade de outras formalidades."

[MTS]