Injunção; oposição;
compensação*
1. O sumário de RE 30/5/2019 (81643/18.8YIPRT-A.E1) é o seguinte:
- a forma de processo aplicável na sequência da dedução de oposição no procedimento de injunção para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais determina-se pelo valor da dívida ou do pedido;
- aplica-se a forma de processo comum, se está em causa injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transação comercial com valor superior a € 15.000,00, e a forma de processo especial prevista no DL nº 269/98, se está em causa injunção destinada à cobrança de dívida de valor não superior a € 15.000,00;
- não é admissível a reconvenção em sede de oposição no procedimento de injunção destinado à cobrança de dívida de valor não superior a € 15.000,00.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
- a forma de processo aplicável na sequência da dedução de oposição no procedimento de injunção para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais determina-se pelo valor da dívida ou do pedido;
- aplica-se a forma de processo comum, se está em causa injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transação comercial com valor superior a € 15.000,00, e a forma de processo especial prevista no DL nº 269/98, se está em causa injunção destinada à cobrança de dívida de valor não superior a € 15.000,00;
- não é admissível a reconvenção em sede de oposição no procedimento de injunção destinado à cobrança de dívida de valor não superior a € 15.000,00.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O procedimento de injunção decorre do regime inserto no DL n.º 269/98, de 1 de setembro, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, cujo art. 7.º estatui: «Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro.» [...]
Consiste num mecanismo processual conferido ao credor de obrigação pecuniária emergente de contrato, de montante não superior a € 15.000,00, salvo quando esteja em causa transação comercial para os efeitos do DL n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, inexistindo, nesse caso, qualquer limite quanto ao montante do crédito, a fim de lhe permitir de modo mais célere a obtenção de um título executivo que lhe faculte o acesso direto à ação executiva. Na verdade, o art. 1.º do diploma preambular (DL n.º 269/98) reporta-se ao «regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000,00» sendo que o n.º 1 do art. 2.º do DL n.º 62/2013 [...], define como seu âmbito de aplicação «pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais», excluindo o n.º 2 desse âmbito normativo: «a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros.»
Nos termos da al. b) do art. 3.º do DL 62/2013, transação comercial consiste em «uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração». E nos termos do art. 10.º do mesmo citado DL:
«1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação.»
Por via do exposto, o procedimento de injunção apenas pode ser exercitado quando se destina a exigir o cumprimento:
- de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000 (artigo 1.º do diploma preambular citado);
- independentemente desse valor (art.º 10.º do DL 62/2013, de 10/05), de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art.º 2.º do DL 62/2013, de 10/05.
Ora, deduzida que seja oposição, o procedimento de injunção transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma comum ou especial, em função do valor da dívida:
- os termos do processo comum, se está em causa injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transação comercial, com valor superior a € 15.000,00;
- a forma de processo especial prevista no DL n.º 269/98, se está em causa injunção destinada à cobrança de dívida de valor não superior a € 15.000,00.
Tratando-se de ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais em que haja o direito de recorrer à injunção, certo é que é em função do valor do pedido (e não do valor da ação) que se define o regime processual aplicável – cfr. art. 10.º, n.º 4, do DL n.º 62/2013.
De todo o modo, ainda que assim não fosse, importa atentar no disposto no art. 299.º n.ºs 1 a 3 do CPC, em conjugação com o disposto no art. 530.º, n.º 3, do CPC, regime efetivamente aplicável ao procedimento decorrente de injunção que assume cariz jurisdicional. Ora, o aumento do valor da causa só produz efeitos quanto aos atos e termos posteriores à reconvenção e, além disso, o valor do pedido formulado pelo réu só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos; e não se considera distinto o pedido quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos, a compensação até ao montante do crédito do autor.
No caso em apreço, o valor do pedido [...] determina a aplicação dos termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, ou seja o regime inserto nos arts. 1.º, n.º 4, 3.º e 4.º do DL n.º 269/98. Regime esse que não contempla qualquer outro articulado posterior à oposição e no âmbito do qual entendem a doutrina e jurisprudência largamente maioritárias não ser admissível a reconvenção.
Nas palavras de Salvador da Costa [A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Almedina, 6.ª edição, pág. 88 e 89], «Não obstante a compensação só poder ser suscitada por via de reconvenção, pensamos que, se neste tipo de ação ela for deduzida, deve ser liminarmente indeferida, caso em que o respetivo valor processual é insuscetível de adição ao valor processual da ação, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso»; tratando-se de injunções de valor superior a € 15.000,00 «(…) é admissível a formulação de reconvenção na oposição ao procedimento de injunção, essencialmente sob o argumento de a tramitação processual imprimida ter passado a ser, após a oposição, a do processo comum».
Não se desconhece que a questão vem já suscitando entendimento diverso, alicerçado no facto de a compensação pode vir a ser posteriormente alegada como fundamento da oposição à execução (cfr. art. 729.º, al. h), do CPC) e ainda com apelo à inexistência de motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual em função do valor do pedido – cfr. Prof. Teixeira de Sousa, blog do IPPC e Ac. do STJ de 06/06/2017 (Júlio Gomes) [...], acórdão esse que norteia o recurso em apreço.
Porém, analisados e ponderados os argumentos ali versados, cremos ser de decidir pela inadmissibilidade da reconvenção por aplicação do processo especial previsto no DL n.º 269/98. É o art. 10.º, n.ºs 2 e 4, do DL n.º 62/2013 que determina o tratamento processual desigual em função do valor da dívida. Trata-se de uma clara e inequívoca orientação legislativa que cumpre atentar."
*3. [Comentário] a) Salvo o devido respeito, discorda-se da solução defendida pela RE.
Constitui um lugar-comum que as decisões dos tribunais devem atender às suas consequências. Não basta decidir segundo um qualquer critério normativo ou não normativo; é ainda necessário ponderar se as consequências da decisão são compatíveis com o ordenamento jurídico.
Perante isto, a pergunta que se pode fazer é a seguinte: o que é se ganha com a inadmissibilidade da alegação da compensação na oposição à injunção?; ou mais em concreto: o que é que o ordenamento processual e as partes ganham com a inadmissibilidade dessa alegação? A qualquer destas perguntas a resposta é necessariamente a mesma: ninguém ganha nada com a inadmissibilidade da alegação da compensação na oposição à injunção.
Explique-se porquê: se a compensação não puder ser alegada na oposição à execução e se, portanto, esta oposição vier a ser julgada improcedente, forma-se um título executivo contra o requerido e admite-se a propositura de uma acção executiva contra este requerido; no entanto, na execução que venha posteriormente a ser instaurada pelo requerente, o executado (antigo requerido) pode opor-se à execução com base na compensação (art. 729.º, al. h), CPC). Em conclusão: a compensação que não pôde ser invocada como fundamento de oposição à injunção pode ser alegada como oposição à execução que se tornou admissível pela impossibilidade da invocação anterior daquela compensação.
Está assim claro que o que podia ser resolvido numa única acção vai ser resolvido em duas acções:
-- Uma primeira acção é aquela em que se forma um título executivo, precisamente porque a compensação não pôde ser alegada pelo requerido;
-- Uma segunda acção é aquela em que a execução contra o requerido baseada nesse título executivo se vai extinguir com fundamento na compensação que anteriormente não pôde ser invocada.
É esta a razão pela qual se pode afirmar que ninguém ganha com a solução defendida no acórdão da RE. Em concreto:
-- Não ganha o ordenamento processual, porque vê os seus recursos serem utilizados duas vezes, e não apenas uma vez como teria sido possível;
-- Não lucra o requerente/exequente, porque vai ter despesas em duas acções, uma em que ganha e outra em que perde;
-- Correspondentemente, também não lucra o requerido/executado, porque também vai ter de suportar duas acções, uma em que perde e uma outra em que ganha o que já poderia ter ganho na primeira.
Esta é a razão pela qual alguma jurisprudência vem defendendo que é admissível alegar a compensação na oposição à injunção (cf., por exemplo, STJ 6/6/2017 (147667/15.5YIPRT.P1.S2) e RP 13/6/2018 (26380/17.0YIPRT.P1), com remissão para uma nota publicada no Blog).
b) Resta referir os argumentos que podem ser utilizados para defender a orientação segundo a qual o requerido pode alegar a compensação na oposição à injunção. Não repetindo o que se já se escreveu noutra ocasião (cf., por exemplo, aqui), importa recordar que as regras processuais devem ser interpretadas e aplicadas de molde a favorecer a tutela de direitos e interesses. O direito processual civil é um direito instrumental, dado que é um direito que serve de instrumento à tutela de situações subjectivas. Isto impõe que o direito processual civil deva ser interpretado e aplicado da forma que melhor favorecer essa tutela, e não com um qualquer sentido que se traduza em dificultar ou mesmo impossibilitar essa tutela.
Deste modo, sendo possível uma interpretação do regime da oposição à injunção que é compatível com a admissibilidade da alegação da compensação pelo requerido, é esta a solução que, porque correspondente à boa administração da justiça, se deve escolher.
MTS