"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



25/06/2019

Jurisprudência 2019 (43)


Prova documental;
junção de documentos; prazo*

1. O sumário de RP 7/1/2019 (3741/17.0T8MTS-A.P1) é o seguinte:

I - Com a inovação do n.º 2 do artigo 423.º, n.º 2 do CPC, decorrente da última reforma do processo civil, que impõe como limite para a junção de documentos o prazo de «20 dias antes da data em que se realize a audiência final», o legislador visou evitar surpresas no julgamento, decorrentes da junção inesperada de um qualquer documento, com consequências negativas traduzidas, nomeadamente, no arrastamento e no adiamento das audiências, obrigando as partes a uma maior lisura e cooperação processual na definição das suas estratégias probatórias.

II - A teleologia do preceito referido no ponto anterior foi respeitada pela recorrida na tramitação dos autos, considerando que: i) a junção dos documentos foi anunciada (e justificada) para momento posterior, logo na petição; ii) a junção foi parcialmente feita no limite do prazo de 20 dias com referência à 1.ª sessão de julgamento, tendo sido nessa data anunciada (e justificada) a junção no dia seguinte da parte restante dos documentos, o que veio a ocorrer.

III - Na interpretação da lei processual, o julgador deve ter sempre em conta a unidade e a coerência do sistema jurídico (artigo 9.º/1 do CC), sopesando os princípios em presença, não esquecendo o princípio da verdade material, estruturante de todo o processo civil, revelando-se juridicamente insustentável, no contexto processual referido, a simples rejeição de toda a prova documental da recorrida, sobre a qual recai o respetivo ónus.

2. Na fundamentação do acórdão afirmou-se o seguinte:

"[...] a junção dos documentos em causa foi anunciada logo na petição, tendo sido justificada a apresentação posterior; no dia 6.09.2018 (20 dias antes do início da 1.ª sessão da audiência de julgamento) foram juntos documentos e foi justificado o adiamento da junção dos restantes para o dia seguinte (impossibilidade de digitalização nesse dia); e no dia 7.09.2019 (19 dias antes do início da 1ª sessão da audiência de julgamento) foram juntos os restantes documentos.

Pretende o recorrente que, neste contexto e neste histórico processual se rejeite a junção dos documentos, esvaziando-se a prova da autora (sobre quem recai o respetivo ónus), por um dia de atraso – apesar de todas a justificações que foram, apresentadas, nomeadamente no dia anterior.

Salvo todo o respeito devido, entendemos que mal andaria o Tribunal se, fazendo tabua rasa do princípio da procura da verdade material com vista à justa composição do litígio, norteado pela ideia de efetiva Justiça [...], no contexto processual referido decidisse rejeitar a prova documental oferecida pela autora.

Acresce que nem sequer é pacífico na jurisprudência o entendimento de que o prazo de vinte dias referido no n.º 2 do artigo 423.º do Código de Processo Civil se conte com referência à primeira sessão de julgamento, defendendo alguma doutrina (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág. 241 e pág. 675) e parte da jurisprudência (RG, 17.12.2015, proc. 3070/09.2TJVNF-B.G1, RC, 8.09.2015, proc. 2035/09.9TBPMS-A.C1, e RC, 14.12.2016, proc. 3669/14.5T8VIS.C1), que o prazo se conta com referência, não à abertura da audiência, mas à sua concretização, aplicando o preceito mesmo que haja adiamento ou continuação noutra sessão [Entendemos, no entanto, que o que releva para a determinação do termo final do n.º 2 do art.º 423.º do CPC é o início da audiência final, pois que a teleologia do preceito – evitar surpresas no decurso do julgamento com a junção inesperada de um qualquer documento e permitir uma atempada definição da estratégia probatória das partes – se coaduna mais com tal interpretação].

O que temos por certo, é que a que a teleologia do preceito em causa (artigo 423.º, n.º 2 do CPC) – evitar surpresas no decurso do julgamento com a junção inesperada de um qualquer documento e permitir uma atempada definição da estratégia probatória das partes – foi respeitada pela recorrida na tramitação dos autos, considerando que: i) a junção foi anunciada (e justificada) para momento posterior, logo na petição; ii) a junção foi parcialmente feita no limite do prazo de 20 dias com referência à 1.ª sessão de julgamento, tendo sido nessa data anunciada (e justificada) a junção no dia seguinte da parte restante dos documentos, o que veio a ocorrer.

Salvo todo o respeito devido, a drástica penalização pretendida pelo recorrido, no contexto processual referido, traduzir-se-ia numa recusa injustificada de procura da verdade material, violadora dum princípio essencial, estruturante do processo civil.

Em conclusão, a decisão recorrida não nos merece qualquer reparo ou censura, devendo, em consequência, naufragar o recurso."

*3. [Comentário] Os tribunais -- quer o tribunal de 1.ª instância, quer a RP -- decidiram com manifesto bom-senso e, por isso, manifestamente bem.

Também se adere à orientação segundo o qual, para efeitos de aplicação do disposto no art. 423.º, n.º 2, CPC, o que conta é o início da audiência final, embora se deva ter em consideração o início efectivo dessa audiência.

MTS