Esta pretensão deve ser devidamente enquadrada nos termos da ação, tal como ela foi conformada desde o início pelos A.A. e em função da fase processual em que foi requerida.
Os A.A. instauraram a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, pretendendo exercer o direito a indemnização emergente de responsabilidade contratual, alegando ter celebrado com a R., em setembro de 2016, um contrato de empreitada que tinha por objeto a reparação da embarcação do A..
Em termos muito sucintos, as reparações foram mais demoradas que o previsto e quando a embarcação foi colocada na água verificaram-se infiltrações no barco que obrigaram a que o mesmo tivesse sido colocado de imediato a seco.
Na sequência desses factos, ocorridos em 8 de setembro de 2017, veio a ser feito um novo orçamento para verificar as reparações necessárias, o qual ascendeu ao valor global de €9.995,96, que a R. recusou suportar, mesmo depois de interpelada para o efeito por carta de 6/10/2017.
Assim, em face da recusa da R. em proceder às reparações, o A. decidiu proceder às mesmas a expensas suas, através da sociedade Tecnimarine, com vista a impedir o avolumar das despesas com a embarcação (v.g. artigo 56.º da petição inicial). Sendo que desde 8/9/2017 (data do acidente), a embarcação não está em condições de navegar (artigo 57.º da petição inicial) e o A. teve de suportar os custos de estacionamento na marina (artigo 58.º da petição), os quais desde 8/9/2017 até junho de 2018 ascenderam ao valor de €11.581,94 (v.g. artigos 59.º e 72.º do mesmo articulado). Entretanto, esclareceu que já contratou a Tecnimarine (artigo 63.º) e já pagou as reparações feitas na sua embarcação (artigo 64.º).
É nestes pressupostos que os A.A. formulam o pedido de pagamento, constante da alínea a) da petição inicial, no valor de €11.581,94 «correspondente ao valor despendido pelos Autores com o estacionamento da embarcação na Marina de Cascais após o acidente e até julho de 2018».
Este pedido, tal como objetivamente formulado, é efetivamente mais curto que a alegação constante da petição inicial, que no seu artigo 74.º já fazia menção a que a R. fosse condenada a ressarcir o A. do valor já despendido «e, bem assim, no valor que o Autor ainda tenha que despender a esse título até que as reparações estejam terminadas».
É no requerimento de ampliação do pedido, datado de 5 de julho de 2019, é que os A.A. vêm alegar que: «desde julho de 2018 até à presente data, em que já se mostram concluídas as reparações, o Autor despendeu ainda €8.165,56 (…) correspondente ao somatório dos custos mensais com o estacionamento da embarcação na Marina de Cascais, conforme faturas que se juntam (…)». [...]
A R. deduziu oposição à ampliação do pedido, pelo Requerimento de 11 de julho de 2019, não só não aceitando a ampliação, como ainda sustentando logo que o novo pedido não era consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo dos autores.
Foi na audiência prévia, realizada posteriormente, que a ampliação do pedido foi admitida, mas a R. recorre dessa decisão considerando fundamentalmente só por incúria dos A.A. é que estes não formularam logo o pedido de reembolso do parqueamento do barco na marina desde a data do acidente até à data da reparação, realçando que as faturas ora reclamadas têm todas data anterior à data da propositura da ação.
Por contraposição, os A.A., aqui recorridos, sustentam que a ampliação do pedido está compreendida na previsão do Art. 265.º n.º 2 “in fine” do C.P.C., por ser um desenvolvimento do pedido primitivo e aí se consagrar uma exceção ao princípio da estabilidade da instância.
Apreciando, temos de relembrar que, nos termos do Art. 552.º n.º 1 al. d) do C.P.C., é na petição inicial que devem ser expostos os factos que constituem a causa de pedir que servem de fundamento à ação. Acresce que, uma vez citada a R., a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e causa de pedir, salvo os casos excecionais de modificação consignadas na lei (Art. 260.º do C.P.C.). [...]
No caso, o requerimento dos A.A. visava uma ampliação parcial de um dos pedidos formulados na petição inicial, sem implicar qualquer alteração dos pressupostos de facto de onde emergia a pretensão tal como ela era inicialmente formulada. Na verdade, os A.A. não pretenderam operar qualquer alteração na causa de pedir, que continuou a reportar-se aos valores por si despendidos com o parqueamento da sua embarcação até à data da sua reparação.
O Art. 264.º do C.P.C. admite que o pedido possa ser alterado com o acordo das partes em qualquer altura do processado, desde que tal não perturbe inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.
Sucede que o requerimento dos A.A. mereceu a oposição da R.. Pelo que, a admissibilidade da ampliação do pedido ficou subordinada à previsão do Art. 265.º do C.P.C.. [...]
A questão está assim em saber se o pedido novo é “consequência” ou “desenvolvimento” do pedido primitivo.
Neste contexto, Alberto dos Reis (in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3.º, pág. 93) ensinava que: «a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial» (no mesmo sentido: Ac. TRL de19/5/1994 – Relator: Rodrigues Condeço, Proc. n.º 0070956; Ac. TRL de 25/6/1996 – Relator: Guilherme Pires – Proc. n.º 0012701; e Ac. TRL de18/1/2011 – Relator: Manuel Marques – Proc. n.º 271/09.7TBCDV-A. L1-1. – Todos disponíveis em www.dgsi.pt). E exemplificava como caso de ampliação em “consequência do pedido primitivo” a situação em que o A. pedia a restituição de um imóvel, vindo depois a pedir uma indemnização pelo esbulho desse mesmo prédio. E, como exemplo de ampliação por “desenvolvimento do pedido primitivo”, indicava o caso do A. que havia pedido a condenação do R. no pagamento duma dívida e depois vinha a pedir a condenação no pagamento de juros de mora.
Na mesma linha de raciocínio o Supremo Tribunal de Justiça admitiu a ampliação de pedido numa ação de indemnização por incumprimento de contrato de transporte, em que por ampliação se passou a pedir também a condenação em juros de mora (Ac. STJ de 25/3/1980 – Relator: Ferreira Costa, Proc. n.º 068370). Aplicando a mesma regra, ver também o Ac. STJ de 10/12/2015 (Relator: Hélder Roque, Revista n.º 220/11.2TVLSB.L1.S1 – 1.ª Secção – disponível em sumários do Supremo Tribunal de Justiça).
O mesmo tribunal também admitiu a ampliação num caso em que o A. pediu que fosse considerada a sua pretensão em função do regime do enriquecimento sem causa, caso viesse a ser julgada por procedente a exceção de prescrição ao seu pedido primitivo (Ac. STJ de 17/10/2017 – Revista n.º 745/11.0T2AVR.P2.S1 – 1.ª Secção – Relatora: Maria de Fátima Gomes – sumários).
Já o Tribunal da Relação de Lisboa admitiu a ampliação numa ação em que se pedia a condenação do R. no pagamento da 1.ª e 2.ª prestação vencida num contrato, passando depois a pedir-se o pagamento da 3.ª prestação da dívida entretanto vencida (Ac. TRL de 11/7/2002 – Relator: Santana Guapo – Proc. n.º 004371). Ou ainda numa ação em que se reivindicava um prédio e se passou a pedir também o reconhecimento do direito de propriedade sobre uma arrecadação existente no subsolo do mesmo imóvel (Ac. TRL de 1/3/2001 – Relator: Urbano Dias, proc. n.º 0018846).
Em todos estes exemplos estamos perante situações em que, na verdade, o A. poderia ter formulado a sua pretensão ampliada logo na petição inicial. Pelo que, o que relevou foi fundamentalmente o princípio da economia processual, no sentido do máximo aproveitamento do processo para a solução definitiva do concreto litígio que opõe as partes, desde que não se pusesse em causa um mínimo de estabilidade na relação jurídica processual em que assenta o conflito e que motiva a concreta reclamação da tutela jurisdicional.
Esse limite mínimo de estabilidade era tradicionalmente reportado pela doutrina à distinção entre “ampliação” e “cumulação” de pretensões.
A este propósito ensinava Alberto dos Reis (in Ob. Loc. Cit., pág. 94) que: «para se distinguir nitidamente a espécie “cumulação” da espécie “ampliação” há que relacionar o pedido com a causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado ato ou facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso.». E exemplifica com um caso duma ação em que se pedia a anulação de duas escrituras de doação por simulação e depois se vem a pedir a anulação duma terceira escritura de doação com o mesmo fundamento. Nesse caso, conclui esse insigne processualista, que: «o Autor não se mantém no mesmo ato ou facto jurídico, formula um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos».
É por isso que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/3/2009 (Relatora: Rosário Gonçalves – Proc. n.º 427/07.7TCSNT.L1-1, disponível em
www.dgsi.pt), a ampliação do pedido pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão se modifique para mais, só assim não sendo quando a ampliação se materializa num novo pedido, não formulado, que alteraria a estrutura da ação (no mesmo sentido: Ac. TRL de 25/6/1996 – Relator: Guilherme Pires – Proc. n.º 0012701).
Noutro acórdão desta mesma Relação (Ac. TRL de 5/7/2018 – Relator: Arlindo Crua – Proc. n.º 1175/13.4T2SNT.B.L1-2) também se sustentou que se os factos invocados na ampliação se traduzirem em meros factos complementares duma causa de pedir complexa já alegada na petição inicial, como sejam a concretização de um dano já alegado, é processualmente admissível a ampliação do pedido, sem necessidade do consentimento da parte contrária.
De igual modo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/10/2019 (Relatora: Cristina Dá Mesquita – Proc. n.º 38/18.1T8VRL-A.E1.) se admitiu a ampliação do pedido que tenha essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelos menos integradas no mesmo complexo de factos.
Na mesma linha já se sustentou que a ampliação do pedido é admissível, como consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo, nos casos em que, podendo não estar configurado um “novo prejuízo”, ocorre, todavia, uma circunstância superveniente ou a consolidação de um aspeto já focado nos danos alegados “
ab initio”, justificativos, num caso ou noutro, da reavaliação apurada (Ac. TRC de 27/11/2001 – Relator: Nuno Cameira – Proc. n.º 2688/01 – também disponível em
www.dgsi.pt).
É também esse o sentido do acórdão do STJ de 19-06-2019, citado nas contra-alegações de recurso (Revista n.º 22392/16.0T8PRT.P1.S1 - 7.ª Secção – Relator: Oliveira Abreu – disponível em sumários do Supremo), do qual se destacam os seguintes segmentos do sumário: