"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



06/10/2020

Jurisprudência 2020 (66)


Nulidade processual;
prazo de arguição

1. O sumário de STJ 4/2/2020 (805.16.0T8MTJ.L1.S1é o seguinte:

I - Resulta dos arts. 149.º, n.º 1, e 199.º, n.º 1, do CPC, que se não esteve presente no momento em que a nulidade foi cometida, a parte dispõe de 10 dias para a invocar, contados da sua intervenção em ato processual subsequente.

II - Isto é, se a parte não estiver presente quando a nulidade foi cometida, o prazo conta-se, sem mais, a partir da primeira intervenção subsequente da parte no processo.

III - A mera intervenção processual marca o início do prazo da arguição, o que significa que a parte tem o ónus de, por via da consulta dos autos, detetar o vício, sob pena de preclusão.

IV - Afigura-se irrelevante que dele não tivesse tomado efetivo conhecimento.

V - A lei parte do princípio de que uma intervenção cuidadosa implicará sempre o exame do processo e a verificação da (in)existência de uma qualquer nulidade.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

  1. De acordo com o art. 195.º, n.º 1, do CPC, “(…) a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a leu prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa incluir no exame ou decisão da causa”

  1. Por seu turno, conforme o art. 149.º, n.º 1, do CPC; “Na falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes requererem qualquer ato ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder processual; (…).” Segundo o art. 199.º, n.º 1, do CPC, o prazo para arguir a nulidade, na falta de disposição especial, é de 10 dias contados (quando a parte não estiver presente no momento em que for cometida) “do dia em que, ,depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”.
  2. Resulta dos arts. 149.º, n.º 1, e 199.º, n.º 1, do CPC, que se não esteve presente no momento em que a nulidade foi cometida, a parte dispõe de 10 dias para a invocar, contados da sua intervenção em ato processual subsequente ou da notificação para qualquer termo do processo, mas, no último caso, apenas quando for de presumir que então tomou conhecimento dessa nulidade ou que dela pode aperceber-se. Isto é, na primeira hipótese, se a parte não estiver presente quando a nulidade foi cometida, o prazo conta-se, sem mais, a partir da primeira intervenção subsequente da parte no processo. Com efeito, “(…) quando não esteja presente no ato em que a nulidade foi cometida, a parte dispõe do prazo de 10 dias (art 149.º, n.º 1) para a respetiva invocação, contando-se tal prazo de uma das circunstâncias seguintes: da sua intervenção em qualquer ato processual subsequente ou da notificação para qualquer termo do processo. No primeiro caso, a mera intervenção processual marca o início do prazo da arguição, o que significa que a parte tem o ónus de, por via da consulta dos autos, detetar o vício, sob pena de preclusão. No segundo caso, não basta a simples notificação para marcar o início do prazo, impondo-se ainda que seja de presumir que a parte, em face da notificação, tomou conhecimento da nulidade ou se pode aperceber da mesma (…)[Vide António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipes Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p.238.]”.
  3. No caso sub judice, resulta evidente que após a realização do referido pagamento da taxa de justiça por parte dos Réus/Recorridos, a partir do qual deteta a existência de uma nulidade processual, teve pelo menos lugar a audiência de julgamento, ao longo de duas sessões a 4 e 20 de abril de 2017, em que o Autor/Recorrido se fez representar pelo mandatário por si constituído.
  4. Assim, o prazo de 10 dias para invocar qualquer nulidade respeitante ao referido pagamento começou a correr a 4 de abril de 2017, data em que o Autor/Recorrente inequivocamente interveio no processo, impondo-se que averiguasse então da existência de qualquer vício processual entretanto ocorrido. Afigura-se, pois, irrelevante que dela não tivesse então tomado efetivo conhecimento.
  5. A invocação, por parte do Autor/Recorrente, apenas a 27 de agosto de 2018, após a prolação da sentença e do acórdão que conheceu do recurso interposto da mesma, da nulidade de um ato praticado em março de 2017 e antes da realização da audiência de discussão e julgamento, é claramente intempestiva, pois o prazo para o efeito previsto há muito que havia decorrido. O direito de arguir a referida nulidade encontra-se extinto (art. 139, nº 3, do CPC), estando forçosamente sanada qualquer eventual nulidade ocorrida.
  6. Com efeito, embora o requerimento de fls. 170 (por intermédio do qual os Réus/Recorridos terão pago a segunda tranche da taxa de justiça por um valor inferior ao devido) não lhe tenha sido notificado, o Autor/Recorrente, por intermédio do seu mandatário, interveio na audiência de julgamento iniciada em 4 de abril de 2017 (cfr. fls. 180 e ss.), i.e., no ato processual que teve lugar em momento subsequente àqueloutro ato.
  7. Assim, tratando-se, inequivocamente, de nulidade processual cometida na ausência do Autor/Recorrente, o prazo de 10 dias para a arguir (art. 149.º, n.º 1, do CPC) conta-se a partir da data dessa intervenção (art. 199.º, n.º 1, do CPC). É que a lei parte do princípio de que uma intervenção cuidadosa implicará sempre o exame do processo e a verificação da (in)existência de uma qualquer nulidade. Na verdade, a lei não se preocupa “com a data em que a parte obteve realmente conhecimento da violação da lei”, estando antes na “base da regra legal (…) a ideia de que, ao ser notificada ou ao intervir, a parte toma contacto com a nulidade e fica informada da existência dela; mas a contagem do prazo não está, de modo algum, condicionada por essa circunstância”[Vide José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2.º, Coimbra, Coimbra Editora, 1945, p.504].
  8. Abdicando a lei, no âmbito da primeira parte da segunda parte do art. 199.º, n.º 1, do CPC, do efetivo conhecimento da nulidade cometida, a apreciação da argumentação respeitante a este aspeto mostra-se desprovida de interesse.
  9. Deste modo, não tendo sido arguida no prazo de 10 dias a contar de 4 de abril de 2017, a nulidade em apreço encontra-se sanada.
  10. Por último, o entendimento seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça no aresto citado pelo Autor/Recorrente – de 19 de abril de 2014 (Garcia Calejo), proc. n.º 1937/07.1TBVCD.P1.S1 – não aproveita ao caso concreto, porquanto a invocação da nulidade foi enquadrada na última parte – e não na primeira parte - da segunda parte  do n.º 1 do art. 205.º do CPC pré-vigente – “a contar do dia em que a parte …foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deve presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou dela pudesse tomar conhecimento, agindo com a necessária diligência. Note-se que este preceito é similar ao do atual art. 199.º, n.º 1, segunda parte, do CPC. Apenas nesse contexto se compreende cabalmente a expressão citada pelo Autor/Recorrente: “Evidentemente que para que a parte possa e deva invocar a nulidade, será necessário que tenha conhecimento dela. Não faria qualquer sentido que a parte fosse obrigada a arguir nulidades que não conhecesse ou não tivesse obrigação de conhecer”.
  11. É, assim, de manter o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de novembro de 2018, que confirmou a decisão singular de 11 de outubro de 2018 – fls. 384 a 386 - que julgou improcedente a pretensão deduzida pelo Autor/Recorrente, concluindo pela não verificação da nulidade processual alegada.

[MTS]