Aval;
obrigação cambiária; prescrição
1. O sumário de RG 7/5/2020 (2063/10.1TBBRG.G1) é o seguinte:
I - O fim visado com o aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário.
II - Deixando de existir em termos jurídicos o título cambiário (letras de câmbio) em que o aval havia sido prestado, nomeadamente, por prescrição, cessa também o respectivo aval.
III – No entanto, é possível que a prestação de um aval ao aceitante de uma letra tenha subjacente uma fiança que visa garantir o cumprimento da obrigação que emerge para o aceitante da letra do negócio jurídico subjacente ao aceite.
IV - Para tal, impõe-se a alegação e prova pela exequente de que o avalista/executado se queria obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, ou seja, que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado da relação subjacente ou fundamental.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"No caso vertente, há a considerar que a execução deu entrada em juízo no tribunal no dia 24 de março de 2010 e que tendo ocorrido a citação (presumida) dos embargantes ocorreu no dia 29 de março de 2010, impõe-se concluir, como na sentença recorrida, que todas as letras de câmbio vencidas até ao dia 29 de março de 2007 estão prescritas, ou seja, as indicadas sob os nº1, 4 a 10 supra.
Por outro lado, extinta a obrigação cambiária decorrente dessas letras de câmbio, por prescrição, há que atentar se as mesmas podem, ainda assim, valer como título executivo, posto que delas, enquanto documento, conste a causa da obrigação subjacente, ou que esta tenha sido alegada no requerimento executivo (inicial).
Com efeito, a este propósito, dispõe o art. 703º, nº 1, al. c) do Cód. Proc. Civil que À execução apenas podem servir de base:
a) (…);b) (…)c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.
Ora, dos referidos elementos dos autos resulta alegada essa obrigação subjacente, ainda que em termos muito sumária, o que nos poderia levar a concluir que tais documentos poderiam ser aproveitados ainda como títulos executivos, agora ao abrigo do citado art. 703º, nº 1, al. c), do CPC.
Todavia, os embargantes figuram nas letras de câmbio como avalistas.
O aval é um acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou livrança garante o pagamento dela por parte de um dos subscritores (art.º 30º e 77º da LULL). A figura do aval, a par do endosso, é exclusiva das relações cartulares e somente transfere os direitos cambiários e já não os direitos fundados na relação causal.
De modo que, estando prescritas, como vimos, as obrigações cambiárias pela prescrição, cumpre verificar se subsiste alguma obrigação causal.
Propendemos para a negativa, porquanto o aval é um tipo de vinculação que se esgota no título cambiário, não sobrevivendo a este se a obrigação do avalista estiver, como está, prescrita nos termos dos artºs 70 e 71º da LULL. Neste sentido, entre outros, se sumariou no acórdão desta Relação, de 4.04.2017, proc. 49/16.1T8MDL-B.G1: “O fim próprio, a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário.
O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos.
Este tem a sua razão de ser no título cambiário e cessa quando este título desaparece do mundo jurídico o que acontece quando prescrita a obrigação cartular o titulo cambiário é dado à execução como mero quirografo.
A prestação de um aval ao aceitante de uma letra pode ter subjacente uma fiança que visa garantir o cumprimento da obrigação que emerge para o aceitante da letra do negócio jurídico subjacente ao aceite.
Todavia para assim se entender, necessário se torna a alegação e prova, por parte da exequente, de que o avalista/executado se queria obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, i.e., que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado da relação subjacente ou fundamental.”
Como sustenta Ferrer Correia, (“Letra de Câmbio", pág. 196), "o fim próprio, a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário".
Sendo o aval uma forma específica de obrigar no âmbito do título cambiário, a ele não se sobrepõe uma qualquer fiança do respectivo dador, como relação jurídica subjacente.
Seguindo de perto o acórdão supra citado: (…)”Como bem anota a recorrente não há nenhuma relação fundamental ou causal do aval. Este tem a sua razão de ser no título cambiário e cessa quando este título desaparece do mundo jurídico.
Não se ignora que já se produziu alguma jurisprudência e mesmo doutrina que propendeu a ver no aval uma figura decalcada da fiança do direito civil, sustentando que aquele se apresentava essencialmente como uma fiança, aplicando-se-lhe os princípios reguladoras desta “desde que disposições cambiárias da lei cambiária os não afastem de modo explícito”.
Este decalque foi, todavia, desmontado pelo Prof. Ferrer Correia Lições de Direito Comercial, Lex, ed. de 1994, p. 522 e seguintes do seguinte modo:
“Mas tão pouco a teoria da fiança (a qual se pode dizer que é latina, enquanto a anterior é germânica) justifica cabalmente o regime jurídico do aval. Ela não explica porque é que nulidade intrínseca da obrigação avalizada não se comunica à do avalista (art.º 32 da LULL); a este só aproveita aquela nulidade que proceder de um vício de forma. Não assim na fiança: na fiança, a nulidade da obrigação principal aproveita ao fiador. É a doutrina do art.º 632 do Cód. Civil, que só conhece uma excepção: o caso de incapacidade do obrigado. Também a teoria da fiança não nos explica o direito de regresso do avalista contra os signatários anteriores ao avalizado. (…). Temos, portanto, de concluir que o aval, sendo uma garantia, não é rigorosamente uma fiança (…)”.
E não podendo sobejar do aval uma fiança, como negócio jurídico que lhe estaria subjacente, nenhuma relação obrigacional ou reconhecimento de dívida se pode extrair da fórmula “Bom para aval”, a qual não é passível de comportar um reconhecimento de dívida fora da vinculação e significação que lhe é emprestada pela Lei Uniforme, mais precisamente nos respectivos art.º 30º a 32º.”
Em todo o caso, a prestação de um aval ao aceitante de uma letra pode ter subjacente uma fiança que vise garantir o cumprimento da obrigação que emerge para o aceitante da letra do negócio jurídico subjacente ao aceite.
O art. 627º do CC, prevê que o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.
Assim, pela fiança um terceiro (fiador) responde com o seu património, cumulativamente com o património do devedor, pelo pagamento da dívida, de maneira que o credor fica a dispor de dois patrimónios como garantia do seu crédito.
Porém, para que tal se verifique, tem de haver alegação e prova, por parte da exequente, de que o avalista/executado se queria obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, i.e., que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado da relação subjacente ou fundamental – v. neste sentido Acs. R. P. de 28.05.2009 (Pº 3093/07.6TBSTS), de 10.05.2010 (Pº 1137/06.8TBPMS-A. P1) e de 20.03.2012 (Pº 2590/09.3 TBVLG-A. P1) e Ac. R.L. de 29.09.2011 (Pº 2161/06.6TCSNT-A. L1-8), todos disponíveis em dgsi.pt.
No caso em apreço, nada resulta da factualidade alegada, designadamente no requerimento executivo, quanto à vontade dos executados/oponentes de se obrigarem como fiadores, não estando, por isso, provado que a relação causal do aval radica na existência de uma fiança, de harmonia com a exigência prevista no art. 628º, nº 1, do CC.
E, não tendo a Recorrente alegado factos concretos de onde se possa concluir que os embargantes se assumiram como fiadores pelo cumprimento das obrigações decorrentes da relação subjacente, não podem os referidos documentos quirógrafos (letras de câmbio prescritas) valerem como título executivo relativamente à embargante.
Por outro lado, as 2ª e 3ª letras de câmbio referidas supra, (respectivamente, com os números 500792887066530342 e 500792887066530334), não prescritas, como vimos, contêm aval do embargante, mas não da embargante. Logo, esta não consta como obrigada nessas letras, pelo que elas não constituem título executivo relativamente à embargante.
Sucede que que o embargante já não figura na execução como executado, na sequência de decisão judicial proferida nos autos, transitada em julgado.
De todo o exposto, conclui-se pela total improcedência das conclusões do recurso e, em consequência, deve manter-se a sentença recorrida."
[MTS]
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