Notificação;
falta de resposta; efeitos
1. O sumário de RG 7/5/2020 (3956/15.5T8VCT-B.G1) é o seguinte:
I- A venda por negociação particular de imóvel penhorado pode ser validamente efectuada por valor inferior ao valor base do bem fixado para a venda por propostas em carta fechada, que se frustrou, desde que:
- Haja acordo de todos os interessados;
- Ou caso tal não ocorra, exista um despacho judicial que pondere as circunstâncias pelas quais apenas foi obtido pelo encarregado da venda um valor inferior ao inicialmente fixado, e decida se, em face das mesmas, é de autorizar a venda pelo valor proposto, assim assegurando a defesa de todos os interesses em presença.
II- O princípio do contraditório é hoje entendido um direito de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
III- Notificado o Executado de proposta de venda por um valor inferior ao valor fixado, sem a expressa advertência para, querendo, se opor à venda, ou então de que o seu silêncio seria considerado como anuência quanto à proposta feita, parece incontornável que, nos termos do artº. 217.º do CC, quedando-se o mesmo inerte e não tomando qualquer posição, existiu aceitação tácita, pois que o silêncio aqui só pode valer como aceitação, já que por força dos usos em matéria de notificações judiciais, tal significação do silêncio como concordância, é usual.
IV - A verificação de uma irregularidade processual, que possa influir no exame ou decisão da causa ou que a lei expressamente comine com a nulidade, terá de ser arguida segundo o seu próprio regime, não podendo, nunca – a não ser que o processo tenha de ser expedido em recurso antes do fim do prazo da respectiva arguição -, ser atacada por via de recurso.
2. Na fundamentação do acórdão alega-se o seguinte:
"Sem embargo da plena consciência que temos de que o objecto da presente apelação consistir numa alegada omissão de acto processual relevante gerador de uma alegada nulidade, entendemos por conveniente tecer algumas considerações sobre a substancia das questões conexas ou subjacentes a essa alegada omissão.
Assim, e desde logo, face à factualidade demonstrada, cumprirá questionar se de facto houve ou não uma violação do princípio do contraditório, e bem assim, se terá ou não havido uma venda ilegal por falta de acordo de todos os interessados ou de autorização judicial, como pretende a Recorrente.
Como é consabido, o princípio do contraditório é hoje entendido “como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirectamente, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”. (Cfr. Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, págs. 7-8).
Logo, por decorrência do princípio do contraditório, entendido, não no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, mas no sentido positivo, de direito de participar activamente no desenvolvimento e no êxito do processo, como necessária consequência resulta que qualquer das partes tenha sempre de ser notificada de quaisquer actos relevantes a praticar no processo e, designadamente, daqueles cuja prática dependem da sua anuência, como sucede com a venda judicial por valor inferior ao valor base do bem fixado para a venda, que, para ser validamente efectuada necessita que haja acordo de todos os interessados, ou , caso tal não ocorra, que exista um despacho judicial que pondere as circunstâncias pelas quais apenas foi obtido pelo encarregado da venda um valor inferior ao inicialmente fixado, e decida se, em face das mesmas, é de autorizar a venda pelo valor proposto, assim assegurando a defesa de todos os interesses em presença.
Assim, por decorrência desta acepção do princípio do contraditório, como necessária consequência resulta que qualquer das partes tenha sempre de ser notificada de todos os actos desta natureza, seja qual for o entendimento que o tribunal possa ter sobre a sua relevância, ou seja, tal notificação não deve apenas ser efectuada nas situações em que, no seu citério, o tribunal as considere ou lhes venha a conferir relevância.
Ora, considerado o exposto, temos que, na situação vertente a Recorrente foi notificada em 26/09/2019, “da junção da proposta apresentada por S. R. em 17/09/2019, de que se junta cópia”, no valor de 55.600,00 €, sendo seu entendimento que terá existido uma nulidade porque não foi notificada para, querendo, se opor e dessa forma aplicar o principio do contraditório, conforme dispõe o artigo 3º do C.P.C., com a cominação de nada dizendo considerar-se o seu acordo por prestado.
Ora, salvo o muito e devido respeito, a notificação efectuada não poderia ter sido interpretada com outro sentido que não fosse o de que se pretendia que a Recorrente se pronunciasse no sentido que entendesse sobre a proposta efectuada, rejeitando-a ou a ela anuindo, sem possibilidade de uma qualquer outra terceira via ou sentido.
E assim sendo, mesmo sem cominação, parece-nos incontornável que, nos termos do artº. 217.º do CC existiu aceitação tácita, pois que o silêncio aqui só pode valer como aceitação, já que por força dos usos em matéria de notificações judiciais, tal significação do silêncio como concordância, é usual (art.º 217.º do CC).
Como refere Manuel de Andrade, para que haja uma declaração tácita o que deve verificar-se é “aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões”, prevalecendo aqui um critério prático, social, e não rigorosamente lógico ou formal (Cfr P. de Lima e A. Varela, C. Civil Anotado, anotação ao artigo 217, do C.C), pelo que, bem sabendo a Recorrente que a notificação efectuada não poderia ter outro sentido que não fosse o de que se pretendia que ela se pronunciasse no sentido que entendesse sobre a proposta efectuada, rejeitando-a ou a ela anuindo, sem possibilidade de uma qualquer terceira via ou sentido interpretativo, dúvidas não podem restar de que se não adoptou um comportamento activo, opondo-se, é porque com ela concordou ou, pelo menos, dela não discordou.
Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 13/11/2012, numa “razoável interpretação concatenada destes preceitos, importa concluir que a decisão-surpresa a que se reporta o artigo 3º, nº 3 do CPC, não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito.
A lei, ao referir-se à decisão-surpresa, não quis excluir delas as decisões que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas.
O que importa é que os termos da decisão, rectius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstractamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspectivado como sendo possível. [...]
Na verdade, tendo a Recorrente optado por nada dizer, bem sabendo qual era o alcance e objectivo da notificação que lhe foi efectuada, ou seja, tendo sido informada do conteúdo e intenção de alienação do imóvel pelo referido valor, e tendo-se a mesma remetido ao silêncio, não teria qualquer sentido e violaria as legítimas expectativas criadas e desprotegeria a confiança das restantes partes e do próprio tribunal, dar relevância a uma omissão de um acto absolutamente inócuo para a compreensão do sentido e objectivo da notificação que lhe foi feita.
E assim sendo, não se nos afigurando que tenha havido violação do princípio do contraditório, igualmente se nos afigura como incontornável não ter havido violação da regra sobre a obrigatoriedade de fixação do valor base dos bens, pois que, exceptuando-se desta regra os casos de acordo unânime entre o executado e os credores previstos no art. 832.º, al. a) e b), do nCPC, respeitante à venda por negociação particular, na presente situação, como se deixou dito, houve aceitação tácita, pois que o silêncio aqui só pode valer como aceitação, já que por força dos usos em matéria de notificações judiciais, tal significação do silêncio como concordância, é usual."
[MTS]