"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/10/2020

Jurisprudência 2020 (76)


Reclamação de custas;
apelação autónoma; prazo*


1. O sumário de RG 23/4/2020 (283/08.8TBCHV-B.G1é o seguinte:

- Nos termos do art. 644º, nº 1, al. a) do CPC, é admissível recurso de apelação da decisão proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;

- Assim, de harmonia com tal preceito legal, a apelação autónoma, na parte relativa aos incidentes, apenas abrange os processados autonomamente, ou seja, somente os incidentes que a lei processual civil expressamente prevê e regula de forma autónoma relativamente à acção principal, nos art. 296º a 361º do CPC.

- Não se inserindo a decisão recorrida (que pôs termo ao incidente de reclamação das custas) em nenhum dos mencionados incidentes de instância, o respectivo recurso não se enquadra na previsão do referido art. 644º, nº 1, al. a), mas sim no nº 2, al. g) de tal artigo, sendo, por isso, o respectivo prazo interposição de 15 dias, nos termos do art. 638º, nº 1, do CPC.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"[...] nos termos do disposto no art. 644º do C.P.C., beneficiam de apelação imediata as decisões finais e as decisões interlocutórias procedimentalmente significativas conforme, respectivamente, os nºs 1 e 2 do referido artigo (cfr. Rui Pinto, C.P.C. Anot., Vol. II, pag. 297 e ss).

Sujeitam-se a apelação diferida todas as demais decisões interlocutórias, atento o disposto no nº3 do citado artigo.

Deste modo, o nosso regime processual civil prevê a possibilidade de algumas decisões interlocutórias merecerem recurso de apelação imediata e autónomo (em excepção à regra do nº3 do art. 644º do C.P.C.), as quais se encontram elencadas de modo típico e descriminado no nº2 do art. 644º do C.P.C., à semelhança das decisões finais.

Do elenco de tais decisões, prevê-se que beneficiam de apelação imediata, entre outras, a decisão proferida depois da decisão final (cfr al. g) do nº2 do referido art. 644º do C.P.C.).

Tecidos estes considerandos e passemos agora à análise da concreta situação.

O despacho reclamado sustenta que a reclamação da conta de custas é um incidente que corre nos próprios autos, que faz parte da tramitação normal da causa e que ocorre após a sua decisão, não se está perante um incidente que tem um processado próprio e específico, mas sim perante um incidente que se insere na tramitação normal e típica da acção. E conclui que ocorrendo este incidente após a decisão da causa, deve ser inserido na al. g) do nº 2 do art. 644º do CPC.

Por sua vez, os reclamantes sustentam que o incidente da reclamação da conta deve ser entendido, face a sua tramitação própria relativamente ao processado que conduz à decisão final da ação, como um incidente processado autonomamente, para efeitos do disposto no 644, n°1, al. a) parte final do CPC., e, por isso, ao recurso de decisão da 1ª instância que ponha termo, ainda que tal decisão seja proferida depois da sentença que colocou termo à causa principal, aplica-se o prazo de interposição de 30 dias, “ex vi” do nº 1, a) do artº 644º e da 1ª parte do nº 1 do artº 638º, ambos do CPC,.

Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, discordamos deste entendimento dos reclamantes.

Com efeito, os n.ºs 1 e 2 do citado artigo 644.º preveem um elenco taxativo de situações que o legislador consagrou como estando sujeitas a impugnação imediata, - no caso do n.º 2, mesmo apesar de não ter havido ainda decisão que ponha termo ao processo -, sendo que as restantes decisões que ali não se encontram elencadas apenas podem ser impugnadas nos termos previstos no n.º 3.

Assim, não se encontrando expressamente prevista a decisão relativa à reclamação da conta de custas, o recurso interposto não é admissível nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 644º.

Na verdade, de harmonia com o disposto no art. 644º, nº 1, al. a), a apelação autónoma, na parte relativa aos incidentes, apenas abrange os incidentes processados autonomamente. No dizer de A. Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, pg. 204, aqui a lei reporta-se “aos incidentes de instância processados por apenso, como ocorre com a habilitação, mas que é extensiva a outros incidentes tramitados no âmbito da própria acção, desde que sejam dotados de autonomia. Tal como ocorre com os incidentes de intervenção de terceiros, com o da liquidação ou com o de verificação do valor da causa, cada um deles a implicar trâmites específicos que não se confundem com os da acção em que estão integrados”.

Assim, e tendo presente que qualquer incidente dispõe sempre de algum grau de autonomia, afigura-se-nos que foi intenção do legislador incluir na referida al. a) do nº1 do art. 644º apenas os incidentes que a lei processual civil expressamente prevê e regula de forma autónoma relativamente à acção principal, nos art. 296º a 361º do CPC. Neste sentido, o Ac. do STJ de 16.06.2015, CJ, III, 123, refere que esses incidentes “são apenas aqueles a que a lei atribui tal processado independentemente do que é próprio das acções em que se possam suscitar, encontrando-se regulados nos art. 296º a 361º: verificação do valor da causa, intervenção de terceiros, liquidação”.(…)- veja-se também no mesmo sentido, entre outros, o Ac. da RE. de 15.12.2016, relatado por Albertina Pedroso.

Deste modo, não se inserindo a decisão recorrida em nenhum dos mencionados incidentes de instância, o respectivo recurso não se enquadra na previsão do referido art. 644º, nº 1, al. a), mas sim no nº 2, al. g) de tal artigo, sendo, por isso, o respectivo prazo interposição de 15 dias, nos termos do art. 638º, nº 1, do CPC."

[MTS]