Recurso para uniformização de jurisprudência;
requisitos; reclamação; decisão; irrecorribilidade*
I - A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer estar vedado ao legislador suprimir, sem mais, em todo e qualquer caso, a prerrogativa ao recurso, admitindo-se, todavia, que o mesmo estabeleça regras/normas sobre a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.
II - A lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.
III - É pressuposto substancial de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, a existência de uma contradição decisória entre dois acórdãos proferidos pelo STJ, no domínio da mesma legislação, e sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que a contradição dos julgados, não implica que os mesmos se revelem frontalmente opostos, mas antes que as soluções aí adoptadas, sejam diferentes entre si, ou seja, que não sejam as mesmas, importando, assim, que as decisões, e não os respectivos fundamentos, sejam atinentes à mesma questão de direito, e que haja sido objecto de tratamento e decisão, quer no acórdão recorrido, quer no acórdão fundamento, sendo em todo o caso, que essa oposição seja afirmada e não subentendida, ou puramente implícita, a par de que é necessário que a questão de direito apreciada se revele decisiva para as soluções perfilhadas num e noutro acórdão, desconsiderando-se argumentos ou razões que não encerrem uma relevância determinante.
IV - Por outro lado, exige-se ao reconhecimento da contradição de julgados, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais ou institutos jurídicos, sendo que as soluções em confronto, necessariamente divergentes, têm que ser encontradas no “domínio da mesma legislação”, de acordo com a terminologia legal, ou seja, exige-se que se verifique a “identidade de disposição legal, ainda que de diplomas diferentes, e, desde que, com a mudança de diploma, a disposição não tenha sofrido, com a sua integração no novo sistema, um alcance diferente, do que antes tinha”.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Importa anotar [...] desde já, que a decisão fundamento não constitui um acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, porquanto se trata de uma decisão singular proferida pelo relator do consignado processo (Processo n.º 2340/16.8T8LRA.C2.S1-A, datado de 11 de Julho de 2019).
A exigida contradição, para efeitos de uniformização de jurisprudência, tem de assentar em dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, sendo que no caso presente não há dois acórdãos, mas apenas um acórdão e uma decisão singular, daí que não está preenchido, desde logo, um dos fundamentos formais previstos no já enunciado art.º 688º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Porém, mesmo concebendo que não concedendo que todos os pressupostos formais estão verificados, sublinhamos, para que se possa afirmar que as soluções adoptadas nos dois acórdãos, são opostas, é de exigir, desde logo, a identidade dos respectivos pressupostos de facto.
Neste particular, cremos também poder afirmar, sem reservas, ser evidente que a facticidade adquirida processualmente, quer no acórdão recorrido, quer na invocada decisão fundamento, nada têm em comum, sendo em substância, diferentes, importando, forçosamente, as diferentes soluções jurídicas encontradas.
Na verdade, o acórdão recorrido, reconhecendo a manifesta falta de fundamento legal da reclamação para o Pleno das secções cíveis, consignou no respectivo dispositivo indeferir a reclamação apresentada pelos Recorrentes/Autores/AA e BB que, notificados do acórdão da Conferência que indeferiu a reclamação apresentada contra a decisão liminar do relator que havia rejeitado o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, vieram “reclamar para o pleno das secções cíveis”.
Por sua vez, a invocada decisão singular fundamento, admitindo o recurso para uniformização de jurisprudência, decidiu suspender a instância, até que fosse proferido acórdão para uniformização de jurisprudência no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1.
Tudo visto, é manifesta a falta de fundamento do recurso para uniformização de jurisprudência interposto pelos Recorrentes/Autores/AA e BB.
E não se diga, como fazem os Recorrentes/Autores/AA e BB que o acórdão recorrido, ao rejeitar o recurso de uniformização, ao invés de ter decidido pela suspensão da instância, viola várias normas constitucionais, pois, é por demais evidente que o acórdão recorrido apenas e só, reiteramos, reconhecendo a manifesta falta de fundamento legal da reclamação para o Pleno das secções cíveis - art.º 692º n.º 4 do Código de Processo Civil - consignou no respectivo dispositivo indeferir a reclamação apresentada pelos Recorrentes/Autores/AA e BB que, notificados do acórdão da Conferência que indeferiu a reclamação apresentada contra a decisão liminar do relator que havia rejeitado o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, vieram “reclamar para o pleno das secções cíveis”, donde, não se compreende que os Recorrentes/Autores/AA e BB invoquem no final do presente requerimento a violação do princípio da igualdade (art.º 13º da Constituição da República Portuguesa); a violação do princípio do Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva (art.º 20º, n.º 4 Constituição da República Portuguesa) que consagra a exigência de um processo equitativo; e a violação do princípio da função jurisdicional, previsto no art.º 202º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, associando à enunciada violação dos consignados princípios constitucionais a prolação de um acórdão que não é objecto do presente recurso para uniformização de jurisprudência.
De igual modo, não distinguimos como é que se pode afirmar, como fazem os Recorrentes/Autores/AA e BB que o acórdão recorrido descurou a apreciação da questão invocada - a questão da suspensão da instância - quando o Tribunal ad quem foi inequívoco ao sustentar que, como decorre expressamente do direito adjectivo civil - art.º 692º, n.º 4, 1ª parte, do Código de Processo Civil - o acórdão da conferência que decide a reclamação apresentada contra a decisão do relator é irrecorrível, importando, assim, por manifesta falta de fundamento legal, o indeferimento da reclamação para o Pleno das secções cíveis, daí se tornar prejudicado a apreciação de qualquer outra questão invocada pelos Recorrentes/Autores/AA e BB.
Cremos, pois, ser também patente não se evidenciar, no caso sub iudice, contradição jurisprudencial que admita pôr em causa um acórdão transitado em julgado, nos termos estabelecido no nosso ordenamento jusprocessual - art.º 688º do Código de Processo Civil -."
*3. [Comentário] Segundo se percebe, o que sucedeu foi o seguinte:
-- O STJ revogou o acórdão recorrido da Relação;
-- Os Autores interpuseram recurso para uniformização de jurisprudência;
-- O STJ revogou o acórdão recorrido da Relação;
-- Os Autores interpuseram recurso para uniformização de jurisprudência;
-- O recurso foi rejeitado por decisão singular;
-- Os autores reclamaram para a conferência;
-- A conferência indeferiu a reclamação;
-- Os Autores reclamaram para o "pleno das secções cíveis";
-- Os autores reclamaram para a conferência;
-- A conferência indeferiu a reclamação;
-- Os Autores reclamaram para o "pleno das secções cíveis";
-- O STJ voltou a pronunciar-se, invocando agora que, atendendo ao disposto no art. 692.º, n.º 4, CPC, o acórdão da conferência sobre a verificação dos pressupostos do recurso para uniformização de jurisprudência é irrecorrível.
Se assim foi, o STJ decidiu bem.
MTS