"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/10/2020

Jurisprudência 2020 (70)


Impugnação de despedimento;
coligação


1. O sumário de RP 31/3/2020 (2963/19.3T8MAI.P1é o seguinte:

I - A responsabilidade disciplinar é pessoal, decorrente dos factos que cada um dos trabalhadores cometeu, sendo, por consequência, autónoma a causa de pedir de cada uma das acções em que se pretendesse impugnar o despedimento de cada um deles.

II - Não obstante, sendo similar a factualidade imputada aos AA. nas respectivas decisões de despedimento e dependendo a apreciação e decisão da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, assim se verificando os pressupostos previstos no art. 36º, nº 2, do CPC, nada obsta à coligação dos mesmos.

III - A circunstância de às pretensões dos AA. corresponder a forma do processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento prevista nos arts. 98º-B e segs. do CPT não obsta a essa coligação.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"No caso está em causa a coligação activa, podendo relevar o nº 2 do art. 36º [o caso não cabe nas situações previstas nos nºs 1 e 3], sendo que cada um dos AA. foi objecto de decisão autónoma de despedimento (na mesma data) com base em factualidade idêntica, ainda que cometida individualmente por cada um deles e, por consequência, sendo autónoma a causa de pedir de cada uma das acções em que se pretendesse a impugnação dos respectivos despedimentos.

Com efeito, e pese embora a responsabilidade disciplinar seja pessoal, decorrente dos factos que cada um dos trabalhadores cometeu, a verdade é que, no caso, os factos imputados são, como decorre das decisões de despedimento (cfr. nº 3 dos factos assentes), idênticos, dependendo a apreciação jurídica essencialmente da apreciação de factualidade similar e da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.

A coligação de autores, tal como a apensação, tem a vantagem da economia e celeridade processuais, com a apreciação conjunta das acções, bem como a uniformidade de julgados, interesses esse que se nos afigura que se verificam na situação em apreço [sem prejuízo, naturalmente, da eventual necessidade de ponderação das circunstâncias pessoais, como por exemplo, antiguidade e passado disciplinar, de cada um dos trabalhadores que se possam porventura mostrar relevantes].

Por outro lado, a forma de processo – acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento – correspondente ao objecto da pretensão dos AA. é a mesma em relação a todos eles, não se verificando nenhuma dos demais obstáculos à coligação activa a que se reporta o art. 37º, nº 1, do CPC.

Mas será que a circunstância da forma de processo aplicável às três pretensões – acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento – obsta a essa coligação, tal como o entendeu a 1ª instância?

Afigure-se-nos que não, não se vendo razão justificativa para essa impossibilidade.

À impugnação do despedimento é aplicável a forma de processo especial prevista nos arts. 98º-B e segs. do CPT, impugnação essa que, de facto, se inicia com a apresentação, pelo trabalhador, do formulário a que se reportam os arts. 98º-C e 98º-D do mesmo e aprovado pela Portaria 1460-C/2009, de 31.12., o qual contém apenas um “campo” para a identificação do trabalhador impugnante.

Tal consubstancia, todavia e salvo melhor opinião, no que toca à coligação activa, um argumento essencialmente formal. Compreende-se que tal formulário disponha apenas de um “campo” para identificação do trabalhador. Como acima referido, a responsabilidade disciplinar do trabalhador é pessoal, individual, autónoma, pelo que a regra é a da não verificação dos pressupostos da coligação, sendo o formulário pensado e elaborado para as situações regra, não tendo em conta eventuais situações, que têm no contexto da responsabilidade disciplinar, natureza excepcional, como é o caso da coligação prevista com fundamento no art. 36º, nº 2, do CPC.

A questão da coligação activa, em que a pretensão essencial do trabalhadores é a mesma - impugnação do despedimento e declaração da sua ilicitude - deve, pois, ser apreciada no âmbito dos pressupostos previstos no citado art. 36º, nº 2.

Acresce que as vantagens da coligação, designadamente no que toca à economia e celeridade processuais e uniformidade de decisões decorrente da existência de um único processo e julgamento, deve prevalecer e/ou supera o argumento, de natureza essencialmente formal, assente na formulação do mencionado formulário. E, daí também, que não vejamos inconveniente, muito menos grave, a que as causas sejam discutidas e julgadas conjuntamente, não se vendo pois que se impusesse ao Tribunal, ao abrigo do art. 37º, nº 4, do CPC/2013, obstar à coligação dos AA..

Assim sendo, procedem as conclusões do recurso, impondo-se a revogação da decisão recorrida, com o consequente prosseguimento da tramitação legal do processo que deva ter lugar."

[MTS]