Prova testemunhal; contradita;
prova documental*
1. O sumário de RP 27/4/2020 (1776/19.7T8MTS-A.P1) é o seguinte:
I - Os documentos são um dos meios de prova contemplados no CPC, que devem ser apresentados: (i) com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes; (ii) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sob multa, excepto se a parte provar que os não pôde oferecer com o articulado; (iii) no caso de a apresentação não ter sido possível até ao segundo momento; (iv) quando a apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
II – A apresentação dos documentos deve ser “controlada” pelo juiz na fase da instrução do processo, quer quanto à sua temporalidade na apresentação, quer quanto ao seu interesse/importância para a apreciação do objecto da causa, tendo em atenção, mormente, a causa de pedir, a descoberta da verdade material e o princípio da livre apreciação judicial das provas.
III - Nas situações (iii) e (iv), descritas em I., deve o requerente fazer a respectiva prova, acto essencial para o tribunal poder decidir em conformidade e de modo plausível.
IV – Inexiste a violação dos princípios de igualdade, equidade e imparcialidade quando a parte apresenta a acção em juízo e exerce o direito ao processo em todas as fases processuais. Se o faz indevidamente, sibe [sic] imputet.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"3.1. - Os documentos são um dos meios de prova contemplados no CPC (serão deste diploma as normas citadas sem menção de origem), a par da prova por confissão das partes, pericial, inspecção judicial e testemunhal – cf. título V, capítulos II, III, IV, V e VI do CPC.
Atento o disposto no artigo 362.º do Código Civil (CC), “Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.”.
Nos termos do artigo 63.º - Indicação das provas - do CPT, “1 - Com os articulados, devem as partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.”.
Por seu lado, o artigo 423.º - Momento da apresentação – do CPC, prevê três momentos para a apresentação de documentos: (i) com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes; (ii) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sob multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado; e (iii) cuja apresentação não tenha sido possível até ao segundo momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
E, ao contrário do que sucede com a prova testemunhal (salvo casos de inabilidade, impedimento ou recusa) - o juiz não pode “escolher”, do rol apresentado pela parte, as testemunhas a ouvir em audiência, essencialmente, por ser um meio de prova de natureza subjectiva, apenas perceptível pelo respectivo depoimento no momento e local, próprios -, os restantes meios de prova podem, e devem, ser “controlados” pelo juiz na fase da instrução do processo, quer quanto à sua temporalidade na apresentação, quer quanto ao seu interesse/importância para a apreciação do objecto da causa, tendo em atenção, mormente, a causa de pedir, a descoberta da verdade material (para o que releva o princípio do inquisitório, expressamente, admitido no artigo 411.º do actual CPC, à semelhança do que já consagrava o CPT) e o princípio da livre apreciação judicial das provas.
3.2. - No caso em apreço, o primeiro documento (junto a fls. 67v. destes autos) não foi admitido por dois motivos: (i) “o mesmo não se destina a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa (nos moldes previstos pelo art. 423º do CPC), antes visando aferir ou afetar a credibilidade das testemunhas em causa”; (ii) “inexiste qualquer prova de o trabalhador não ter tido possibilidade de ter juntado o documento em apreço em data anterior (documento esse que, reitera-se, é da sua própria autoria e está datado de Abril de 2018, ou seja, de data anterior àquela em que a acção deu entrada em juízo)”.
O documento em causa é a cópia de um e-mail enviado, pelo próprio autor, a “D…”, a 13 de abril de 2018, ou seja, muito antes de 28 de março de 2019, data da apresentação em juízo do formulário previsto no artigo 98.º-D do CPT.
O segundo documento (junto a fls. 68 destes autos) também não foi admitido por dois motivos: (i) não estão previstos os legais pressupostos tendentes a tal junção (art. 423º do CPC)”, (ii) e “a mensagem do mesmo constante reporta-se ao serviço a realizar no dia “17/02/2018” e não no dia “24” desse mês, sendo que aquela primeira data não está em discussão na factualidade que foi imputada ao trabalhador.”.
Nas conclusões de recurso, o autor alegou:
“II. O decidido, violou o disposto no artigo 423.º n.º 3 e por consequência o disposto nos artigos 411.º (princípio do inquisitório) e 436.º do CPC, pois o fim último é a busca da verdade material e bem assim, por inerência, o princípio processual da aquisição.
III. Revelando-se um documento essencial para a descoberta da verdade material, ainda que extemporâneo, deverá o Tribunal admitir a sua junção aos autos para livre apreciação e buscar o fim último da justiça que é a verdade material. ”.
Ou seja, em sede de recurso, o enfoque da junção dos dois documentos já não é a eventual prova “dos problemas de relacionamento pessoal com a pessoa que comunicou à Ré as alegadas facturações indevidas de horas de trabalho” – a testemunha E… -, mas a violação dos artigos 423.º, n.º 3, e 411.º do CPC.
Como supra referido, o n.º 3 do artigo 423.º, prevê duas situações: (i) a apresentação não tenha sido possível até ao segundo momento (20 dias antes da data em que se realize a audiência final), (ii) bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
No requerimento indeferido, o autor apenas invoca a primeira situação -“razões de natureza informática, que o impediram de aceder à conta de correio eletrónico” -, sem, no entanto, fazer a respectiva prova, acto essencial para o tribunal poder decidir em conformidade e de modo plausível, tanto mais que o primeiro documento/e-mail é da sua (do recorrente) autoria e está datado de Abril de 2018; e o segundo documento – e-mail recebido pelo autor - está datado de 16 de fevereiro de 2018, tendo a acção entrada em juízo no dia 28 de março de 2019, mais de um ano depois.
Improcede, assim, a alegada violação do artigo 423.º, n.º 3, do CPC.
3.3. – Nos termos do artigo 411.º do CPC - Princípio do inquisitório – “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”.
E o artigo 5.º - Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal - dispõe:
“1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz.a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”.
O autor não alegou qual a concreta factualidade - da causa de pedir ou da defesa -, que pretendia provar com a junção dos dois documentos, que o juiz devesse conhecer e justificasse a sua intervenção, ao abrigo do artigo 411.º do CPC.
Na verdade, no que reporta ao primeiro documento, o autor limitou-se a alegar: “Tal documento, (…), contribuirá para a descoberta da verdade material, contrariando os depoimentos da mencionadas testemunhas”.
Qual a factualidade que precisa ser descoberta e que os “depoimentos das mencionadas testemunhas” contrariaram?
O autor não indicou qual, nem no requerimento indeferido, nem nas conclusões de recurso, sendo certo que o segundo documento se refere a uma obra a realizar “sábado dia 17/2” – “obra no hall de entrada” – e não no dia 24 de fevereiro de 2018, como é mencionado no requerimento indeferido.
Improcede, também, a alegada violação do artigo 411.º, do CPC.
*3. [Comentário] Ainda que o enquadramento que o recorrente deu ao recurso não tenha sido o adequado, talvez a RP pudesse ter chegado a outra conclusão quanto ao primeiro documento.
O recorrente fundamenta o seu recurso no uso dos poderes inquisitórios do tribunal. A RP rejeitou -- e bem -- o recurso com este fundamento. No entanto, o que o recorrente devia ter alegado era que a junção do primeiro documento se tinha tornado indispensável para contraditar os depoimentos das testemunhas e que, por isso, a sua apresentação se tornou necessária em virtude dessa ocorrência posterior ao momento normal da junção da prova documental (art. 423.º, n.º 3, CPC).
É claro que, em regra, o tribunal superior está vinculado ao fundamento do recurso. Se, por exemplo, o tribunal recorrido rejeita a excepção de pagamento invocada pelo demandado e esta parte recorre da decisão condenatória sem pôr em causa essa rejeição, é evidente que o tribunal de recurso não pode analisar se a rejeição dessa excepção foi justificada.
O problema talvez possa merecer uma resposta distinta quando o tribunal recorrido aprecia uma pura questão de direito, isto é, uma questão que não depende da apreciação de nenhum facto e que é puramente valorativa. O caso em análise é precisamente deste tipo, dado que tudo está em saber se a junção tardia do documento é justificada quando se pretende contraditar depoimentos testemunhais. Note-se que nada impede que a contradita da testemunha seja realizada através de prova documental, isto é, nada obsta a que os fundamentos da contradita enunciados no art. 521.º CPC sejam provados documentalmente.
Assim, não teria sido impossível que a RP tivesse apreciado o fundamento da rejeição do documento pela 1.ª instância, apesar de estranhamente o recorrente, em vez de ter questionado esse fundamento, ter optado por suscitar no recurso uma verdadeira questão nova.
MTS