"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



09/09/2022

Jurisprudência 2022 (19)


Processo executivo;
recursos ordinários


1. O sumário de STJ 18/1/2022 (400/20.0T8CHV-C.G1.S1) é o seguinte:

I. Nas execuções, atento o regime específico previsto nos art.ºs 852.º e 854.º, ambos do CPC, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução, ressalvados os casos em que o recurso é sempre admissível.

II. Não sendo admissível a revista, está vedado o acesso à revista excepcional, pelo que não haverá lugar à apreciação dos respectivos pressupostos específicos pela formação, nos termos do n.º 3 do art.º 672.º do CPC, devendo ser logo rejeitado o recurso interposto.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"No despacho objecto da presente reclamação pode ler-se a seguinte fundamentação:

«No que tange ao recurso de revista de decisões proferidas no processo executivo, rege o disposto nos art.ºs 852.º e 854.º, ambos do CPC.

De acordo com esse regime específico, ressalvados os casos em que o recurso é sempre admissível, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução (citado art.º 854.º).

É o que consta deste artigo que dispõe:

Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.

Daqui resulta, a nosso ver, de forma clara, que, além dos casos em que é sempre admissível recurso (cfr. art.º 629.º, n.º 2, do CPC) e dos previstos no art.º 671.º, n.º 2, b) do mesmo Código, a revista só pode ser interposta, nos termos gerais, “dos acórdãos da relação proferidos sobre a apelação das decisões finais do incidente de liquidação, da acção de verificação e graduação de créditos e dos embargos de executado”[Cfr. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª edição, Coimbra Editora, pág. 423. No mesmo sentido, Recursos no Novo Código de Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 5.ª edição, Almedina, pág. 516.].

Em consequência, forçoso é concluir que já não será admissível revista de quaisquer acórdãos da Relação que tenham recaído sobre decisões proferidas no próprio processo executivo e nos apensos declarativos que não sejam os especialmente contidos na citada previsão legal, quer os mesmos respeitem a decisões finais ou a decisões interlocutórias. Não será, designadamente, admissível recurso de revista dos “acórdãos da Relação proferidos a respeito da oposição à penhora (arts. 784.º e 785.º), do incidente de comunicabilidade suscitado pelo exequente ou pelo executado (arts. 741.º e 742.º) ou que, sem determinarem a extinção da instância, apreciem exceções dilatórias”.[ Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 280.]

Relativamente às decisões interlocutórias, só é admissível revista nos casos previstos no n.º 2 do art.º 671.º, ou seja, quando é sempre admissível recurso [al. a)], cujas previsões constam do art.º 629.º, n.º 2, ou quando haja contradição directa com outro acórdão do STJ nos moldes contemplados na al. b).

Daqui resulta que, fora desses casos, não admitem recurso de revista os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias da 1.ª instância sobre questões de natureza adjectiva, previstas no art.º 644.º, n.º 2, do CPC. Considera-se que, nestas situações, é bastante o duplo grau de jurisdição, encontrando-se excluídas do âmbito da revista[Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, págs. 358 e 360.].

Por outro lado, o acesso à revista excepcional, prevista no art.º 672.º do CPC, “depende naturalmente dos pressupostos do recurso de revista “normal”, designadamente os que respeitam à natureza ou conteúdo da decisão, em face do art.º 671.º”[António Santos Abrantes Geraldes, Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, págs. 387 e 388.].

No presente caso, não se verificam os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, atinentes à natureza e conteúdo da decisão, previstos nos números 1 ou 2 do art.º 671.º do CPC.

Desde logo, a decisão recorrida não integra o seu n.º 1.

Com efeito, o acórdão recorrido não incidiu sobre decisão da 1.ª instância que tenha conhecido do “mérito da causa”, mas tão somente sobre o despacho da 1.ª instância que apreciou a arguição de uma nulidade, indeferindo-a.

 E não pôs termo ao processo, “absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos”. O acórdão da Relação, apreciando o recurso interposto do despacho nele impugnado, limitou-se a “julgar improcedente a apelação” e a confirmar a “decisão recorrida”. E fê-lo apreciando uma decisão interlocutória.

Porém, não cabe na previsão do n.º 2 do citado art.º 671.º, nem tal é sustentado pela recorrente, sendo que, caso coubesse, a revista seria a normal e não a excepcional como foi interposta.

É manifesto que não se trata de nenhum dos procedimentos previstos no art.º 854.º do CPC.

E também não é caso em que é sempre admissível recurso para o STJ.

Não é, como é óbvio, caso subsumível à alínea b) do n.º 2 do art.º 671.º, nem a qualquer das alíneas do n.º 2 do art.º 629.º, ambos do CPC, nomeadamente à alínea d), porquanto os quatro acórdãos indicados como fundamento, a propósito de cada um dos pontos autonomizados pela recorrente, não decidiram em sentido contrário ao acórdão recorrido, não se vislumbrando contradição entre eles.

Com efeito, para que tal sucedesse era necessário, à semelhança do que tem entendido a Formação para a verificação do pressuposto da alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC, verificar-se:

“(i) uma relação de identidade entre a questão que foi objeto de cada um dos acórdãos em confronto, a qual pressupõe que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual; (ii) a natureza essencial da questão de direito formulada para o resultado que foi alcançado em ambas as decisões; (iii) a identidade substancial do quadro normativo em que se verifica a divergência.”[ Cfr. acórdão de 29/9/2021, processo n.º 377/18.1T8VNF-A.G1.S2.]

E, no caso, não se verifica, como resulta da sua simples leitura, desde logo, por não ter sido apreciada a mesma questão na decisão recorrida e nos acórdãos fundamento, no âmbito de uma identidade factual, processual e substancial.

Não há dúvida de que, no caso sub judice, o acórdão impugnado recaiu sobre decisão proferida no próprio processo executivo.

Assim, não se enquadrando tal acórdão em nenhum dos casos em que o recurso de revista é admissível nos termos gerais (art.º 854.º, conjugado com o art.º 671.º, n.ºs 1 e 2, do CPC) e também não sendo subsumível a qualquer das hipóteses de admissibilidade irrestrita do recurso (art.º 629.º, n.º 2, do CPC), a revista é, in casu, inadmissível.

De resto, tem sido este o entendimento do STJ, como se pode ver, entre outros, nos seguintes acórdãos cujos sumários aqui se transcrevem:

“I - Não é admissível o recurso de revista que tem por objeto um acórdão da Relação que, perante a alegação de diversas vicissitudes ocorridas no âmbito da venda de um bem penhorado, revogou as decisões da 1.ª instância que as havia desconsiderado e declarou nulo o leilão eletrónico realizado, dando sem efeito a venda executiva, por não estar em causa qualquer das situações de admissibilidade da revista previstas para os processos executivos no art. 854.º do CPC.

II - As garantias de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, contempladas no art. 20.º, n.º 1, da CRP, não são naturalmente incompatíveis com a existência de regras processuais, dispondo o legislador de ampla liberdade de conformação nesta matéria.

III - É isso que sucede relativamente à norma constante do art. 854.º do CPC, quanto à ação executiva, a qual inequivocamente traduz uma adequada e proporcionada ponderação de todos os interesses em presença por parte do legislador ordinário. (…)”

22-11-2018, Revista n.º 19920/12.3YYLSB.L1.S1 - 7.ª Secção.

“I - Nos termos do disposto no art. 854.º do CPC, “sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.

II - Uma interpretação a contrario da norma leva à conclusão de que não é admissível revista de decisões respeitantes à instância executiva principal, mas tão-só de decisões respeitantes aos seus enxertos declarativos.”

31-01-2019Revista n.º 4698/17.2T8VNF-B.G1.S1 - 7.ª Secção.

“I - O art. 854.º do CPC contém uma regra específica sobre a admissibilidade da revista no âmbito do processo de execução, consistente na limitação da sua admissibilidade aos acórdãos da Relação proferidos em determinados procedimentos – liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, verificação e graduação de créditos e oposição deduzida contra a execução -, o que significa, a contrario, que não é admissível revista de quaisquer acórdãos da Relação proferidos no procedimento executivo e nos apensos declarativos que não sejam os especialmente contemplados na norma, respeitem estes a decisões interlocutórias ou finais.

II - Não se integrando o acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1.ª instância, indeferiu liminarmente o requerimento executivo por falta de título, nos casos ressalvados pelo art. 854.º do CPC (em que o recurso é sempre admissível), nem nos casos especialmente contemplados na norma (em que o recurso de revista é admissível nos termos gerais), é de concluir pela inadmissibilidade da revista, ficando prejudicada, por irrelevante, a apreciação do impedimento recursório da dupla conformidade.”

11-07-2019, Revista n.º 1101/15.6T8PVZ.1.G1-A.S1 - 2.ª Secção.

No mesmo sentido temos vindo a decidir, designadamente, no despacho de 22/1/2021 e no acórdão que sobre ele incidiu, de 20 de Abril seguinte, na conferência do processo n.º 3141/07.0TBLLE.L1-A.S1, por mim relatado.

Não estamos perante caso em que é sempre admissível recurso para o STJ, nem tal foi invocado. Também não é caso subsumível a qualquer das alíneas do n.º 2 do citado art.º 629.º. Nem a recorrente o sustenta, pois, se o fizesse, não podia haver lugar ao recurso de revista excepcional, único que interpôs.

Também não se trata, manifestamente, de nenhum dos procedimentos ali previstos: liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, verificação e graduação de créditos ou oposição deduzida contra a execução.

Nem se diga, como faz agora a recorrente, que se trata de uma oposição à execução.

Esta é feita por meio de embargos (cfr. art.º 728.º, n.º 1, do CPC), os quais constituem uma verdadeira acção declarativa, que corre por apenso ao processo de execução, a apresentar no prazo de 20 dias após a citação (ou notificação nos termos do n.º 4 do mesmo artigo) e só pode fundar-se, no caso de execução baseada em sentença, nalgum dos fundamentos previstos no art.º 729.º do CPC.

Não se verifica, como é evidente, este meio de oposição.

Ainda que se considerasse válida a oposição por requerimento, não obstante a taxatividade resultante do citado art.º 729.º, não se verificariam os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, atinentes à natureza e conteúdo da decisão, previstos nos números 1 ou 2 do art.º 671.º do CPC, como se deixou dito supra.»

Os Juízes Conselheiros que compõem este colectivo concordam, na íntegra, com a fundamentação acabada de transcrever, por estar em conformidade com a lei, a melhor doutrina e a jurisprudência que vem sendo seguida por este Supremo Tribunal, como bem consta do despacho reclamado."

[MTS]