"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/09/2022

Jurisprudência 2022 (25)


Petição inicial; 
ineptidão; efeitos*


1. O sumário de RP 10/1/2022 (865/21.2T8AMT.P1) é o seguinte:

I - Gera o vício da ineptidão da petição inicial a falta de densificação ou concretização de factos essenciais em que se possa ancorar a pretensão deduzida.

II - Não estando desenhado o real núcleo factual essencial integrador da causa petendi, mas mera presunção ou, mesmo, suposição/dedução do sujeito ativo, esta não surge caraterizada, ocorrendo a sua falta.

III - E a falta de causa de pedir gera ineptidão da petição inicial e nulidade de todo o processo, exceção dilatória, de conhecimento oficioso a conduzir à absolvição do Réu da instância (al. a), do nº2, do art. 186º, al. b), do nº1, do art. 278º, nº2, do art. 576º e al. b), do art. 577º, todos do CPC).

IV - Contudo, na ineptidão da petição inicial, ante a verificação de manifesta inviabilidade da pretensão formulada, visando aquela exceção dilatória tutelar interesses do sujeito passivo que beneficiado sai com uma decisão de absolvição do pedido (na medida em que impedirá a repetição da causa por força do caso julgado), o desfecho da causa é de mérito, com a desejada e imposta, prevalência da substância sobre a forma, consagrada no nº3, do art. 278º, do CPC.

V - E a entender-se estar, apenas, insuficientemente densificada a causa de pedir, vício suscetível de sanação, ainda assim, inútil seria despacho de aperfeiçoamento na situação de inviabilidade da pretensão formulada, pois nenhuma utilidade acrescentaria à apreciação de mérito.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Começaremos por analisar a questão da ineptidão da petição inicial e se, na procedência de tal exceção dilatória, é de anular todo o processo e de absolver a Ré da instância-

Aferindo-se tal exceção pelo próprio requerimento inicial, deste resulta vir formulado pedido de suspensão da deliberação social que deu origem ao registo comercial identificado por DEP ../2021-03-25 11:16:18 UTC – Transmissão de quota.

A requerida, na defesa que apresenta, invoca que a Requerente não alegou factos suscetíveis de fundamentarem o referido pedido, não vindo alegados factos constitutivos do direito, pelo que falta a causa de pedir do que, contra si, vem pedido, sendo que o que deu origem ao registo foi um ato não seu mas, sim, do ex-marido da Autora.

Cumpre, pois, analisar da ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir.

Estatui o artigo 186.º (que reproduz, sem alterações o anterior art. 193º), que tem a epígrafe Ineptidão da petição inicial que:

“1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2 - Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
3 - Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.

A ineptidão da petição inicial é uma exceção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição do Réu da instância e tal exceção é de conhecimento oficioso do tribunal, conforme os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b).

Assim, se faltar ou for ininteligível seja o pedido seja a causa de pedir, se houver contradição insanável do pedido com a causa de pedir ou se ocorrer uma cumulação de pedidos substancial ou intrinsecamente incompatíveis ou inconciliáveis entre si, ou se houver contradição entre as causas de pedir, a petição é inepta, o que provoca a nulidade de todo o processo (art. 186º, nº1), sendo esta uma das causas que determinam a absolvição do réu da instância (arts, 557º, b) e 576º, 2), a decretar no despacho saneador (art. 595º, 1, a)), se antes não tiver sido indeferida liminarmente a petição, se houver despacho liminar (art.590º, 1)[...].

Como refere Alberto dos Reis, se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, se se serviu “da linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretende obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta. [Alberto dos Reis, Comentários ao Código de Processo Civil, 2º, 364.]” [...] 

Como bem refere o mencionado autor, “podem dar-se dois casos distintos: a) a petição ser inteiramente omissa quanto ao acto ou facto de que o pedido procede; b) expor o acto ou factos, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos ou ininteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. Num e noutro caso a petição é inepta, porque não pode saber-se qual a causa de pedir” [Ibidem, pág. 371].

Mais desenvolve “importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente… Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a ação naufraga” [Ibidem, pág 372] (situação de manifesta inviabilidade).

O nº 4 do indicado artigo 581.º define a causa de pedir como sendo o facto jurídico de que o autor faz proceder o efeito pretendido, precisando que a causa de pedir nas ações de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito jurídico pretendido. [...]

Vista a Doutrina, analisemos, agora, a Jurisprudência.

Esta tem vindo a considerar que a petição inicial é inepta, por falta de causa de pedir, quando o Autor não indica o núcleo essencial do direito invocado, tornando ininteligível a sua pretensão.

A ineptidão da petição inicial supõe que o A. não haja definido factualmente o núcleo essencial da causa de pedir invocada como base da pretensão que formula, obstando tal deficiência a que a ação tenha um objeto inteligível. A mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida (implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendiomite a densificação, ao nível tido por adequado à fisionomia do litígio, de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial) não gera o vício de ineptidão, apenas podendo implicar a improcedência, no plano do mérito, se o A. não tiver aproveitado as oportunidade de que beneficia para fazer adquirir processualmente os factos substantivamente relevantes, complementares ou concretizadores dos alegados, que originariamente não curou de densificar em termos bastantes. [Acórdão do STJ de 26/3/2015, Processo 6500/07.4TBBRG.G2.S2, in dgsi.net].

No referido Acórdão do STJ, relatado pelo Ilustre Conselheiro Lopes do Rego, escreve-se, “a insuficiência na densificação ou concretização da matéria litigiosa … nunca poderia gerar o vício de ineptidão – devendo distinguir-se claramente esta figura (que implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objecto inteligível) da mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida (implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, omita a densificação, ao nível tido por adequado à fisionomia do litígio, de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial).

É que, neste caso, movemo-nos já no plano, não do vício de ineptidão da petição, mas da insuficiente alegação de um facto concretizador dos factos essenciais efectivamente alegados, podendo tal insuficiência de concretização factual (mesmo que não haja sido oportunamente detectada, em termos de originar a formulação de um convite ao aperfeiçoamento, na fase de saneamento) ser ainda suprida em consequência da aquisição processual de tais factos concretizadores, se revelados no decurso da instrução, nos termos do nº3 do art. 264º do velho CPC, vigente na data da realização da audiência nos presentes autos.

E, como é evidente, se tal falta de densificação ou concretização adequada dos factos substantivamente relevantes, - de que depende, afinal, a procedência da pretensão do A. - nem mesmo assim se puder ter por suprida, a consequência de tal insuficiência da matéria de facto processualmente adquirida não será a anulação de todo o processo, mas antes a improcedência, em termos de juízo de mérito, da própria acção, por o A. não ter logrado, afinal, apesar das amplas possibilidades processuais de que beneficiou, alegar e provar cabalmente todos os elementos factuais constitutivos de que dependia o reconhecimento do direito por ele invocado…

Ora, no caso dos autos, a originária insuficiência de alegação … nunca tornaria a petição inepta, sendo tal insuficiência de densificação factual suprível durante o processo, nos termos em que está admitida a aquisição processual de factos concretizadores dos que integram o núcleo essencial da causa de pedir invocada pelo A. – e conduzindo uma irremediável insuficiência da matéria de facto, caso o A. não tenha aproveitado as oportunidades que a lei de processo lhe confere para suprir durante o processo tal originária deficiência na densificação factual dos factos substantivamente relevantes que alegou na petição, não à absolvição da instância do R., mas à improcedência da acção, por insuficiência do acervo factual constitutivo do direito por ele invocado. Importa, por outro lado, realçar que – independentemente de tal preclusão – a insuficiência na densificação ou concretização da matéria litigiosa, notada no acórdão recorrido (e de algum modo acentuada pelo decidido pelo STJ no Ac.de 19/2/13, ao apagar da matéria de facto provada a conclusão de que a parcela física em litígio fazia parte do prédio reivindicado pelos AA.) , nunca poderia gerar o vício de ineptidão – devendo distinguir-se claramente esta figura (que implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objecto inteligível) da mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida (implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, omita a densificação, ao nível tido por adequado à fisionomia do litígio, de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial)”.

Verificando-se exceção dilatória sanável, o juiz deve convidar a parte a suprir a falta ou, em determinadas situações, acionar, mesmo oficiosamente, os mecanismos de suprimento (arts. 6º, nº2 e 590º, nº2 a)). E sendo insanável ou não trazendo a diligência aventada qualquer utilidade para a apreciação do mérito da causa, deve haver absolvição da instância, a não ser que, atento o disposto no nº3, prevaleça a apreciação do mérito da causa, o que deve suceder quando, destinando-se o requisito formal a tutelar exclusivamente o interesse de uma parte, a decisão de mérito lhe seja integralmente favorável e não haja qualquer outro obstáculo à apreciação de mérito[14].

Com efeito, estatui este nº 3 do art. 278º,

“3 - As exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte”.

E, na verdade, consagra tal preceito o princípio da prevalência da decisão de mérito, pressupondo distinção entre pressupostos processuais dispensáveis e não dispensáveis, de modo que, a não se encontrar preenchido um pressuposto processual destinado a proteger interesses das partes, importa verificar se o conhecimento de mérito pode ser favorável à parte que seria beneficiada com a proteção que resultaria do preenchimento do pressuposto e, em caso afirmativo, a decisão que prevalece, a proferir, é a de mérito, sendo esta a situação dos autos, adianta-se. [...]

Neste conspecto, se, apesar da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, se verificar manifesta inviabilidade da pretensão formulada, visando aquela exceção dilatória tutelar interesses do sujeito passivo que sai beneficiado com uma decisão de absolvição do pedido, na medida em que impedirá a repetição da causa por força do caso julgado, prevalente sendo a substancia sobre a forma, cabe proferir decisão de fundo [v. Ac. RP de 21-2-18, proc, 604/17 [...]].

In casu, pede a Requerente a suspensão da deliberação social que deu origem ao registo comercial identificado por DEP ../2021-03-25 11:16:18 UTC – Transmissão de quota. E alegando a “revogação da doação” invoca, também deliberação social.

Entendeu o Tribunal a quo que vem alegado no requerimento inicial a existência de uma deliberação de revogação da doação da quota à Requerente contendo, por isso, a causa de pedir.

Ora, assim não acontece, pois que foi alegada no requerimento inicial a “revogação de doação” e o registo, efetivado, do ato (cfr. designadamente arts. 12º e 13º, do requerimento inicial) e bem resulta do registo, afirmado naquele requerimento, que o que lhe deu origem foi um ato praticado pelo doador (o sujeito ativo), com intervenção da Senhora Notária. Não foi alegada uma real e efetiva deliberação da Requerida – cfr. designadamente art. 14º, do referido requerimento, bem traduzindo este a mera suposição em que a Requerente laborou, confirmada no artigo 8º, da resposta (“tinha de presumir que se tratava de deliberação social”). Assim, sequer especificada vem qualquer deliberação nos seus termos, tempo, âmbito e conteúdo, antes conclui a requerente por de “capciosa artimanha” do seu ex-cônjuge se tratar (cfr. art. 22º, do mencionado requerimento inicial).

Sustenta a Requerida faltar causa de pedir, pois que o pedido formulado pela recorrente na providência cautelar de suspensão de deliberações sociais se consubstancia na “suspensão da deliberação social que deu origem ao registo comercial identificado por DEP ../2021-03-25 11:16:18 UTC – Transmissão de quota” e essa menção está suportada em ato de E… (figurando este no registo do ato praticado por notário como o sujeito ativo).

E, na verdade, não vem invocada real, efetiva, específica, concreta deliberação, faltando a causa de pedir.

Bem se defende a requerida invocando falta de factos suscetíveis de fundamentarem o pedido, não vindo alegados factos constitutivos do direito a suspensão de concreta e específica deliberação social, pelo que falta a causa de pedir do que, contra si, vem pedido, sendo que, como foi alegado e resulta do próprio registo invocado, o que deu origem ao mesmo foi um ato ( de “revogação de doação” efetuada) do ex-marido da Autora (doador), praticado por escritura pública, sendo que ele mesmo nem parte é nos autos, e não uma concreta deliberação da requerida.

Efetivamente, a Requerente não alega quaisquer factos concretos, suscetíveis de consubstanciar uma causa de pedir quanto à Requerida, antes invoca uma dedução, uma suposição, um juízo conclusivo que efetuou.

Na verdade, não alega concreta deliberação antes vem mesmo, até, sustentar a falta de conhecimento, pela requerida, da “revogação da doação” e a falta de consentimento no ato, por parte desta, certo sendo que nada tendo a requerida doado, nenhuma doação tinha para revogar.

Tendo a causa de pedir de ser concretizada ou determinada, consistindo em factos ou circunstâncias reais, concretas e individualizadas, verifica-se que tal, no caso dos presentes Autos, manifestamente, não sucede, apenas vindo invocada a revogação da doação (a praticar, necessariamente, pelo doador) sendo à Requerente, que invoca a titularidade de um direito, que cabe fazer a alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência do direito – art. 5º do CPC.

Assim, e não tendo a Requerente alegado, quanto à Requerida, quaisquer factos específicos, concretos que possam integrar a causa de pedir, verifica-se a falta desta e, consequentemente, a ineptidão do requerimento inicial o que, nos termos do disposto art. 186º, nº1, al. a) do CPC, acarretaria nulidade de todo o processo, exceção dilatória a obstar ao conhecimento do mérito da causa e a dar lugar à absolvição do sujeito passivo da instância (cf. arts. 576º, nº 1 e 2 e 577º, al. b) do CPC).

*

De qualquer modo, ainda que se não considerasse a petição inicial inepta, sempre, como vimos, a pretensão formulada seria inviável, pois que, do próprio registo aludido, bem resulta que o que deu “origem ao registo comercial identificado por DEP ../2021-03-25 11:16:18 UTC – Transmissão de quota da sociedade requerida” foi um ato praticado pelo ex-marido da Requerente.

E ainda que se entendesse que apenas, não está suficientemente densificada a causa de pedir, despacho de aperfeiçoamento, no sentido de ser completada, nenhuma utilidade teria face ao que resulta do próprio registo invocado e, mesmo, atenta a posição assumida pela requerente, na resposta que apresentou às exceções em causa, a qual, afirma não ter a sociedade tido conhecimento da escritura de revogação da doação nem consentido a transmissão da quota. Desse modo, como a própria Requerida sustenta, nenhuma deliberação esteve na base do registo em causa, pois que se deliberação tivesse havido a sociedade requerida não podia deixar de dela ter conhecimento (por tomada em assembleia geral sua).

Ora, pedindo a Requerente seja decretada a suspensão da deliberação social que deu origem ao registo comercial identificado por DEP ../2021-03-25 11:16:18 UTC – Transmissão de quota da sociedade requerida e bem resultando dos autos que o que deu origem ao referido registo foi a escritura pública de “Distrate de Doação, junta como doc. nº7, com a oposição, tendo sido a Exma Senhora Notária quem requereu e foi responsável pelo registo do ato, como do próprio registo consta (cfr. f.p. nº2), nenhuma concreta/específica deliberação social foi alegada e nenhuma esteve na base da referida apresentação, nunca podendo deixar de se verificar falta de causa de pedir.

Estamos, pois, perante o vício de ineptidão, já que não obstante a alusão a deliberação social, se verifica ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, carecendo, em bom rigor, aos autos de um objeto inteligível já que na base do registo em causa (cfr. pretensão deduzida) se não encontra, como desse próprio registo resulta, uma deliberação social da Requerida.

Assim, e por se verificar nulidade de todo o processo, por falta de causa de pedir, a gerar ineptidão do requerimento inicial, na procedência da referida exceção dilatória, anulado teria de ser todo o processo e a Requerida absolvida da instância, nos termos da al. b), do nº1, do art. 278º, nº2, do art. 576º e da al. b), do art. 577º, todos do CPC.

Porém, como referido, sempre a pretensão é manifestamente inviável, o que resulta evidente do confronto do pedido com o registo nele referido. Na verdade, o que deu origem ao registo comercial identificado por DEP ../2021-03-25 11:16:18 UTC – Transmissão de quota foi, como dele consta, um ato praticado perante a referida Senhora Notária que lavrou a mencionada escritura pública de “Distrate de Doação”, no Cartório Notarial sito na Rua … nº …, ….-… Porto, outorgada em 2 de Fevereiro de 2021 e em que figura como outorgante E… (o sujeito ativo no registo).

Assim, e face ao estatuído no nº3, do artigo 278º, do CPC, que privilegia a substância à forma, sempre a providência, manifestamente improcedente (dado na base do registo nenhuma deliberação social da requerida estar), tem de ser indeferida, não sendo de ordenar."


*3. [Comentário] Não se suscitam nenhumas dúvidas sobre a ineptidão da petição inicial.

O que, salvo o devido respeito, pode considerar-se duvidoso é que, com base no disposto no art. 278.º, n.º 3, CPC, se entenda que uma petição inicial inepta pode conduzir ao indeferimento do que nela é pedido ou requerido. Aliás, não é sem razão que o art. 590.º, n.º 1, CPC distingue entre a manifesta improcedência e a ocorrência de excepções dilatórias insupríveis (como é a nulidade decorrente da ineptidão da petição inicial).

MTS