"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/09/2022

Jurisprudência 2022 (20)


Competência material;
trânsito em julgado; decisão ineficaz


1. O sumário de RL 9/2/2022 (977/15.1T8BRR.L1-4) é o seguinte:

1– Em presença de acórdão proferido pelo Tribunal de Conflitos no qual se decide atribuir a competência para conhecer da ação aos tribunais judiciais, não viola o caso julgado o Juízo do Trabalho que se declara incompetente em razão da matéria.

2– Proferidas no âmbito do processo quatro decisões, transitadas em julgado, sobre a competência material do tribunal, sendo três delas em sentido contrário ao da primeira, dá-se violação do caso julgado, devendo ser cumprida a que passou em julgado em primeiro lugar.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"A 1ª questão que cumpre apreciar prende-se com a violação do caso julgado.

Alega a A. que em presença do Acórdão proferido pelo Tribunal de Conflitos foi atribuída competência ao Juízo do Trabalho do Barreiro, razão pela qual a sentença violou o caso julgado formado quanto à questão da competência.

O Apelado BBB contrapõe que em presença da decisão proferida pelo Tribunal de Conflitos não se pode concluir que a competência foi deferida ao Juízo do Trabalho, mas sim aos tribunais judiciais, razão pela qual não há violação do caso julgado pois o Juízo do Trabalho do Barreiro não se reconheceu competente enquanto um dos vários tribunais judiciais para conhecer da questão em apreço.

Cumpre decidir!

A questão da in/competência material em razão da matéria foi apreciada no âmbito destes autos por diversas vezes – quatro vezes!

Na primeira vez o Tribunal julgou a exceção improcedente e nas demais declarou-se incompetente.

Porém, a questão da violação do caso julgado não vem alegada no pressuposto de tais decisões.

Antes se invoca tal vício na contraposição entre a decisão proferida pelo Tribunal de Conflitos com a última das decisões proferidas nestes autos pelo Juízo do Trabalho do Barreiro, juízo esse que não deixou, contudo, de previamente conhecer de uma questão para a qual é pressuposto ter competência!

O Tribunal de Conflitos foi chamado a resolver o alegado conflito entre o Juízo do Trabalho do Barreiro e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, órgãos jurisdicionais que tinham para decidir a reparação de um acidente que a A. qualifica como de trabalho.

Ambas as ações foram direcionadas a distintos réus, tendo sido formulados pedidos distintos – num caso o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho e subsequente reconhecimento da existência de um acidente de trabalho com condenação no pagamento de um capital de remição, indemnização por IT, despesas, prestação de assistência médica., hospitalar e de enfermagem e, no outro, condenação na reparação dos danos sofridos.

O Tribunal de Conflitos debruçando-se sobre a questão “de saber qual a jurisdição competente quando está em causa um acidente sofrido por um trabalhador no âmbito de execução de um contrato emprego-inserção+” decidiu “atribuir a competência para conhecer da presente ação aos tribunais judiciais”. Fundamentou, em síntese, que “atento o disposto no Artº 4º/4-b) do ETAF é de concluir, tal como tem vindo a decidir o Tribunal de Conflitos em casos idênticos, que o acidente em causa nos autos não pode considerar-se abrangido pelo DL 503/99 de 20/11. Antes devendo ser considerado um acidente de trabalho, nos termos da Lei 98/2009, razão pela qual a competência para conhecer do presente processo deve ser atribuída aos tribunais judiciais”.

Ora, em presença desta decisão, tem razão o Tribunal recorrido quando afirma que o Tribunal de Conflitos não se pronunciou “quanto a ser a competência deferida aos juízos do Trabalho ou quaisquer outros juízos”.

Efetivamente, os tribunais judiciais comportam a existência de diversos juízos com distintas competências.

Em presença da decisão do Tribunal de Conflitos do que não podem restar dúvidas é que a jurisdição administrativa é incompetente para a questão apreciada, sendo competente a jurisdição comum. Aliás, foi essa a questão elencada para decisão, tendo o tribunal, nos termos do disposto na Lei 91/2019 de 4/09, resolvido definitivamente o conflito de jurisdição que se lhe perspetivou.

Deste ponto de vista não se nos afigura, pois, que a sentença viole o caso julgado que emerge do acórdão proferido pelo Tribunal de Conflitos, acórdão ao qual devemos obediência.

Porém, o que a decisão não pode escamotear é o facto de, no âmbito deste processo, a questão da competência material já ter sido abordada e decidida com trânsito em julgado.

Efetivamente, [...], no despacho saneador datado de 3/04/2017, foi julgada improcedente a exceção de incompetência em razão da matéria.

O recurso interposto para esta Relação do qual resultou a revogação da decisão não incidiu sobre a questão da competência material do tribunal. Logo, tal decisão transitou em julgado, pelo que tem força obrigatória dentro do processo nos termos do disposto no Artº 620º do CPC.

Posteriormente foram proferidas três decisões – em 25/02/2018, 15/05/2018 e 5/11/2021 -, todas elas incidentes sobre a questão da competência material do tribunal, e todas elas declarando o tribunal incompetente.

Nestas circunstâncias tem aplicação o disposto no Artº 625º/1 e 2 do CPC, ou seja, dada a contraditoriedade registada, cumpre-se a decisão que passou em julgado em primeiro lugar.

E, assim, o processo deverá prosseguir em sintonia com a primeira das decisões em referência - no âmbito do Juízo do Trabalho onde deu entrada a demanda.

Conclui-se que se mostra violado o caso julgado, porém, por razões não coincidentes com a invocada.

Nessa medida, os autos devem prosseguir na jurisdição comum para apreciação das demais questões suscitadas e ainda não decididas. Com o que se obedece também ao Tribunal de Conflitos."

[MTS]