Mais alegaram que o ponto 6 do citado acordo não está a ser cumprido, pois as RR. continuam a utilizar as referidas quantias em seu benefício próprio e exclusivo, aproveitando-se agora dos poderes de movimentação exclusivos que lhe foram concedidos através do acordo citado. [...]
As RR. apresentaram contestação, por exceção e por impugnação. Arguiram o caso julgado por efeito das decisões proferidas no proc. nº …… (execução e embargos). Mais invocaram a inutilidade superveniente da lide, uma vez estar em curso processo de inventário, o qual deu entrada a 17 de outubro de 2019, e que corre termos no Cartório Notarial do F., sendo no inventário que estas questões devem ser debatidas, pelo que a presente ação deixa de ter qualquer efeito útil. No mais, impugnaram a factualidade atinente à apropriação das quantias monetárias.
Em 30/01/2020 foi proferida decisão que declarou a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide.
Por acórdão desta Relação foi a referida decisão revogada e determinado o prosseguimento dos autos.
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A factualidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a que consta do relatório antecedente.
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelas apelantes e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).
Assim, a única questão a decidir consiste em aferir da verificação dos pressupostos da admissibilidade da ampliação do pedido.
Nos termos do disposto no nº. 2 do art. 265º. do CPC., o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Observado o requisito temporal - a ampliação foi requerida até ao encerramento da discussão em 1ª instância – há que aferir do requisito substantivo.
Como já ensinava Alberto dos Reis, Comentário ao Código de processos Civil, vol. III, pág. 93-94, “limite de qualidade de nexo a ampliação há-de ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, quer dizer, a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial.
Exemplo característico: pediu-se em acção de reivindicação, a entrega do prédio; pode mais tarde fazer-se a ampliação, pedindo-se também a entrega dos rendimentos produzidos pelo prédio durante a ocupação ilegal. (…)
Em vez de ser uma consequência, pode ser um desenvolvimento. Pediu-se o pagamento de uma dívida; pode depois alegar-se que a dívida vencia juros e pedir-se o pagamento destes (…).
A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado acto ou facto, se junta outro, fundado em acto ou facto diverso”.
E como refere Castro Mendes, in Direito Processual Civil, Vol. II, p. 347-348:
“Exemplo de ampliação, no sentido rigoroso do termo, haverá “verbi gratia” se se pedir 100 contos de indemnização por certo acto danoso, que posteriormente é causa de novo prejuízo no valor de 20: o pedido de indemnização pode ser ampliado para 120 contos.
O que é necessário é que a ampliação ou o pedido cumulado seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, e que por conseguinte tenham essencialmente origem comum – causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.”
“Há, no entanto, duas maneiras de conceber o nexo de consequência ou de desenvolvimento a que se refere (para o pedido) a norma em apreço, consoante o conceito de que se parta de causa de pedir nesta matéria de alteração do objecto.
Assim o adverte Mariana França Gouveia fazendo notar que no instituto de alteração do objeto e da cumulação sucessiva são susceptíveis de utilização dois diferentes conceitos de causa de pedir que desembocam, um numa causa de pedir mais estreita, e outro, numa mais ampla.
Respetivamente, e como essa autora o refere, «ou se entende que a causa de pedir se identifica com a previsão da norma, ou melhor, com o acervo de factos constitutivos que compõem essa previsão; ou se entende que a causa de pedir, enquadrando todos esses factos constitutivos, se identifica com aquela que é comum ao objecto inicial e sucessivo». Concluindo: «Na primeira hipótese, só não haverá alteração da causa de pedir nos casos em que se mantêm idênticos todos os factos essenciais (…). Na segunda hipótese, a causa de pedir altera-se apenas se nenhum dos factos constitutivos das várias normas for idêntico».
E esclarece este último ponto, acrescentando: «Ou seja, se houver coincidência meramente parcial entre as previsões normativas onde se inserem os factos alegados, já não haverá alteração».
A circunstância de o legislador de 2013 (não obstante ter prescindido da possibilidade da alteração conjunta, e à partida inteiramente livre, do pedido e da causa de pedir, na réplica, por já não admitir esse articulado com essa função) ter mantido a norma do nº 6 do anterior art. 273º (que corresponde à do nº 6 do atual art. 265º), permitindo assim, como já se referiu, a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida, parece que implicará a sua adesão, pelo menos nesta matéria, ao acima referido conceito amplo de causa de pedir.
Que é aquele a que Mariana França Gouveia adere na matéria em apreço, quando procede à definição da causa de pedir através do facto principal comum a ambas as pretensões. Acrescentando: «Pretensões processuais, se houver também alteração do pedido, pretensões materiais, se houver apenas alteração da norma invocada». E mais adiante conclui: «A causa de pedir, para efeitos de cumulação sucessiva e alteração do objecto, superveniente ou não, deve ser definida como o facto principal comum às pretensões materiais alegadas originária e sucessivamente, em substituição ou em cumulação». – Ac. RC de 26/01/2021, www.dgsi.pt.
Revertendo ao caso dos autos.
Na petição inicial as AA. formularam, além do mais, o(s) pedido(s) de condenação solidária das RR. a restituírem as quantias de que se apropriaram pertencentes à herança deixada por óbito de AC, de que AA. e RR. são as únicas herdeiras, no montante global de € 17.079,52, por delas se terem apropriado ilegitimamente (designadamente mediante levantamentos e transferências bancárias), acrescido dos juros legais devidos desde a data de citação e até integral pagamento, bem como de condenação solidária das RR. a devolver quaisquer outras quantias, propriedade da herança e que, entretanto, se venham a apurar.
A petição inicial foi apresentada em 07/11/2019.
Na ampliação do pedido, deduzido em 13/04/2021, as AA. vieram alegar que no dia 11/12/2020 tiveram conhecimento de que as RR. efetuaram uma transferência bancária da conta da herança no valor de 5.000,00 € (cinco mil euros), para provisão despesas e honorários de advocacia para intervenção no processo de inventário nº 0000 e intervenção na presente ação, quantia que foi utilizada pelas RR., em 27 de novembro de 2020 para pagar aos seus mandatários, pelo que deve ser contabilizada na presente ação e de acordo com o peticionado 3º parágrafo, passando a reclamar a quantia de € 22.079,52.
A apropriação da quantia de € 5.000,00 da conta bancária, pertencente à herança, integra-se no mesmo complexo de factos da causa de pedir inicial (reivindicação de bens da herança, apropriação ilícita desses bens pelas RR.), constituindo a sua restituição, por um lado, mero desenvolvimento do pedido de condenação na restituição da quantia de € 17.079,52 e, por outro lado, concretização do pedido de condenação na restituição das quantias, propriedade da herança, que, entretanto, se viessem a apurar.
Verifica-se, assim, que não foi deduzida causa de pedir diversa, uma vez que, como se refere no acórdão da RC de 26/01/2021, acima citado, “nestas situações de consequência e desenvolvimento, o autor tem necessariamente que no âmbito da mesma causa de pedir, trazer aos autos factos que ainda não alegara, e que se consubstanciem, relativamente aos primitivamente alegados, como consequência ou desenvolvimento daqueles.”
Nos termos do disposto no artº 611º, nº 1 do CPC “deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”, o que se conjuga com o princípio da economia processual, na vertente de procurar solução definitiva num único processo do maior número de litígios existentes entre as mesmas partes.
É exatamente o que se passa na ação. É inaceitável, além do mais, à luz deste princípio, que as AA. tenham que instaurar novo processo para possam fazer valer a pretensão de restituição relativamente a uma transferência bancária; mais, que o tenham de fazer sempre que tenham conhecimento de uma transferência ou levantamento de quantia monetária pertencente à herança, na pendência da presente ação."
[MTS]