"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/09/2022

Jurisprudência 2022 (23)


Prova documental:
junção


1. O sumário de RC 25/1/2022 (3933/19.7T8LRA-B.C1) é o seguinte:

I) Em momento posterior ao prazo de 20 dias antes da data em que se realize a audiência, apenas se admite a junção de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

II) Indeferida a junção de documentos requerida com o fundamento aludido em I) não há lugar a condenação em custas.

III) O tribunal só deve intervir na obtenção de documentos se a parte nisso interessada alegar que não tem facilidade em os obter ou que os não pode obter, devendo tal dificuldade ou impossibilidade ser justificada.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Como resulta do exposto, circunscreve-se o objecto do presente recurso à questão de saber se são ou não, de admitir os documentos cuja junção foi requerida pela autora, já no decurso da audiência de discussão e julgamento.

Como resulta dos autos e do relatório que antecede, pretendeu a ora juntar aos autos, uma cópia do alvará de licença de demolição, emitida pela Câmara Municipal de ... , em 4 de Outubro de 2001; alvará de autorização de utilização, emitida pela mesma Câmara, em 28 de Maio de 2009 e guia de receita devida pela emissão de alvará de licença de construção, emitida pelo mesmo Organismo, em 4 de Outubro de 2001; um orçamento, referente a armação de ferro, datado de 25 de Outubro de 2001 e um outro de armação de sapatas, pilares e vigas, com  a mesma data  e diversas facturas e guias de transporte, emitidas nos anos de 2001 e 2002.

Como acima referido, a autora justifica a entrega tardia, com o facto de o filho dos réus ter levado consigo as pastas onde estavam estes documentos, só agora os tendo obtido do empreiteiro, regressado de França.

Trata-se, pois, da questão de averiguar das condições de admissibilidade de documentos no decurso da marcha processual, designadamente, já no decurso da audiência de discussão e julgamento.

Rege quanto ao momento da apresentação dos documentos, o disposto no artigo 423.º do CPC, nos termos do qual, em caso de junção de documento em momento posterior ao de 20 dias antes da data em que se realize a audiência, apenas se admite a junção daqueles cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior – cf. seu n.º 3.

In casu, nada resulta da acta de julgamento, que “legitime” que só nessa fase tenha sido requerida a junção da ora referida certidão.

Ora, nesta fase, tais documentos apenas seriam admissíveis no caso de a respectiva apresentação não ter sido possível até aquele momento ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior – cf. n.º 3 do citado artigo 423.º.

Trata-se de documentos que a autora já anteriormente podia ter obtido, como agora o fez, bastando, para tal, realizar as diligências que agora encetou, reiterando-se que nada se alegou no sentido de que a sua obtenção não foi possível anteriormente.

A actuação que a autora agora terá feito no sentido de vir a obter tais documentos, poderia e deveria ter sido feita em data anterior, se tivesse agido com normal diligência, que mais não exigia do que dirigir-se à Câmara Municipal de ... e requerer a passagem de cópias dos documentos por esta emitidos, de que tinha conhecimento, uma vez que tinham sido emitidos em seu nome e alega ter pago os respectivos custos.

De igual modo, quanto aos demais, o contacto que agora fez junto do empreiteiro, podia e devia tê-lo feito antes,

Efectivamente, a autora não alega que desconhecia o paradeiro do empreiteiro, nem que não o pode contactar antes e, alegando, como alega, que pagou os respectivos custos, sabia da sua existência.

Nem sequer alegou, que a pessoa em cuja posse, alegadamente, se encontravam tais documentos, se recusou a entregar-lhos ou que o tenha contactado para tal.

Não o tendo feito atempadamente, a recorrente apenas de si própria se poderá queixar.

O que não se pode é ter como preenchido o requisito a que se alude no artigo 423.º, n.º 3 do CPC, para que fosse admitida a junção dos referidos documentos.

De resto, saliente-se e reitere-se, que a recorrente não alega que não tinha conhecimento dos referidos documentos ou que tenha existido recusa em os disponibilizar por parte de quem os detinha (caso em que poderia ser deferida a junção – cf. Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, 3.ª Edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, a pág. 250 (corpo do texto e nota 66) e CPC, Anotado, Vol. 2.º, 3.ª Edição, Almedina, Julho de 2017, a pág.s 240 e 241).

Reiterando, nesta obra, pág. 239 que “Após os referidos 20 dias (anteriores à data da audiência final), a parte pode ainda apresentar o documento na 1.ª instância, mas só em caso de superveniência (objectiva ou subjectiva) do documento (que foi impossível apresentar antes) ou em caso de ocorrência posterior que tenha tornado necessária a apresentação do documento.”.

Assim, não se pode concluir que a recorrente os não tenha podido apresentar anteriormente, pelo que não poderiam os mesmos ser admitidos, nos termos legais, como o não foram.

A autora intentou a presente acção no dia 21 de Novembro de 2019 e logo nessa data ou até anteriormente (com vista à sua propositura) podia e devia encetar todas as diligências com vista a demonstrar os factos em que assenta a sua pretensão, em que se inclui a recolha dos referidos documentos.

Os actos e factos retratados nos referidos documentos são todos anteriores à propositura da acção e, como é óbvio, bastante anteriores à data em que se realizou a audiência de julgamento, pelo que, atempadamente, podia a autora ter obtido os documentos que ora pretende sejam juntos aos autos.

Assim, repete-se, não fica justificada a junção dos documentos ora em causa, não sendo, pois, os mesmos de admitir.

Apesar de a recorrente, nas suas alegações, pretender justificar a junção dos documentos, ao abrigo de uma hipotética aplicação do disposto no artigo 411.º do CPC, o certo é que os documentos não foram admitidos apenas com base no disposto no artigo 423.º, n.º 3, do CPC e não por razões que decorrem do princípio do inquisitório que subjaz a tais preceitos.

Ainda assim, não deixaremos de referir que igualmente não teria viabilidade a pretensão da recorrente, para que os mesmos sejam admitidos ao abrigo do disposto nos artigos 411.º e 436.º do CPC (só a esta luz se entendendo a referência à “justa decisão da causa”, como preceitua o artigo 602.º, n.º 1, in fine, do CPC).

O inquisitório que subjaz a tais preceitos não pode servir para “remediar” a inércia da parte, a quem incumbe a alegação e prova dos factos (a que está inerente a junção/indicação dos respectivos meios probatórios) em que assenta a sua pretensão, só se justificando, em nosso entender, o recurso a estes preceitos quando a parte não tem facilidade em os obter ou os não pode obter, devendo esta justificar a dificuldade de, ela própria obter o documento, como refere Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª edição, 2004, Almedina, a pág. 474, em anotação ao disposto no artigo 535.º do CPC (a que corresponde o actual 436.º).

Ora, nada é alegado no sentido de justificar a substituição do tribunal à parte na apresentação dos documentos, pelo que, igualmente, por este prisma, não pode proceder o recurso.

Em suma e em conclusão, não se nos afiguram preenchidos os requisitos legalmente previstos, para que os documentos em apreço pudessem ser recebidos, pelo que o recurso em apreço não pode ter sucesso, em função do que é de manter a decisão recorrida."

[MTS]