Taxa de justiça;
comprovativo; integração de lacuna
1. O sumário de RP 10/1/2022 (1087/21.8T8STS.P1) é o seguinte:
I - Não tendo a secretaria recusado a petição inicial por falta de comprovação do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário com a consequente distribuição da acção, e, não prevendo a lei a solução a adoptar nestes casos, deve recorrer-se a analogia para integrar a respectiva lacuna (artigo 10.º, nº 2 do CCivil).
II - A nova redação, decorrente do disposto no DL 97/2019, de 26/07, conferida ao artigo 560.º do CPCivil, apenas prevê a recusa nas situações em que não seja obrigatória a constituição de mandatário, razão pela qual não pode ser aplicado às situações em que seja obrigatória aquela constituição.
III – Deverá, por conseguinte, recorrer-se ao previsto para a ausência de pagamento de taxa de justiça com a contestação com as devidas adaptações (cfr. artigo 570.º do CPCivil), antes de se recusar o recebimento da petição inicial.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Tal como supra se referiu é apenas uma a questão que cumpre apreciar e decidir:
a)- saber se existe, ou não, fundamento para a recusa do recebimento da petição inicial.
Como se evidencia da decisão recorrida aí se propendeu para o entendimento que no caso em apreço estava verificada a facti species dos artigos 552.º, nº 7 e 558.º, nº 1 al. al. f) do CPCivil, ou seja, de que com a petição inicial não foi comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça nem a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
É contra este entendimento que se insurge a recorrente.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
Preceitua o artigo 552.º, nº 7 do CPCivil sob a epígrafe “Requisitos da petição inicial” que:
(…) 7 - O autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º. (…)
Por sua vez o artigo 558.º, nº 1 al. f) do mesmo diploma legal sob a epígrafe “Recusa da petição pela secretaria” estatui que:
1 - São fundamentos de rejeição da petição inicial os seguintes factos: (…)
f) Não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, exceto no caso previsto no n.º 9 do artigo 552.º (…).
Portanto, a falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e daquele que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos previstos no nº 9 do artigo 552.º a possibilidade da secretaria recusar a petição inicial [artigo 558.º, nº 1 al. f)].
Do acto de recusa cabe reclamação para o juiz e da decisão deste que confirme a recusa cabe recurso para a Relação, nos termos previstos no artigo 559.º do CPCivil.
Não sendo a petição recusada pela secretaria e fora dos casos previstos no nº 9 do artigo 552.º, a falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência que deve ser recusada a distribuição da petição (cfr. artigo 207.º, 1 do CPCivil).
Acontece que, no caso concreto, a petição não foi recusada pela secretaria, nem foi rejeitada a sua distribuição.
Quid iuris?
Como supra já se referiu, nesta situação, o tribunal recorrido recusou o recebimento da petição.
Não cremos, todavia, respeitando-se entendimento diferente, que essa seja a decisão correcta.
Com efeito, a dinâmica subjacente ao processo civil atual privilegia soluções materialmente justas, sem desequilíbrio entre as partes e com benefício para aquelas decisões que atinjam o desiderato último do processo, qual seja a justa composição dos litígios, sendo que, o acesso ao direito e aos tribunais é um direito constitucionalmente consagrado, com mecanismos próprios para ser posto em prática, não podendo a lei ordinária conflituar com tal princípio.
Por esse motivo, a proposta adoptada pela primeira instância parece-nos não ser de aceitar, pois que, não resolve a situação e apenas obrigaria a Autora a propor nova ação e, além disso, estimula a prática de novos atos processuais, novos articulados, novos actos de citação, etc., com evidente desperdício de meios e de tempo, o que também é proibido pelo artigo 130.º CPCivil.
A recorrente defende aqui a aplicação, por analogia, do disposto no artigo 560.º do CPCivil.
Este normativo sob a epígrafe “Benefício concedido ao autor” tem a seguinte redacção:
“Quando se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, a parte não esteja patrocinada e a petição inicial seja apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º, o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a ação proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo”.
Ora, a nova redação, decorrente do disposto no DL 97/2019, de 26/07, conferida a este normativo torna o mesmo imprestável para a situação dos autos, posto que ali se refere poder ser apresentada nova petição inicial – em caso de recusa da primeira-nas situações aí previstas: causa em que não seja obrigatória a constituição de mandatário (o que não é o presente caso).
Aliás, diga-se, em abono da verdade, que a aludida alteração legislativa tem suscitado bastante controvérsia, mormente, ao nível do princípio da igualdade das partes, destacando-se, neste concreto particular, o doutrinado por Miguel Teixeira de Sousa [A (muito estranha) nova redacção do art. 560.º CPC : “- Admitir-se a sanação do fundamento da rejeição ou do indeferimento liminar da petição inicial apenas quando o autor não esteja representado por mandatário judicial; nesta hipótese, a discriminação verifica-se entre autores que litigam em nome próprio (que beneficiam de um regime de sanação) e autores representados por advogados (que não beneficiam de um idêntico regime); - Admitir-se a sanação do fundamento da rejeição ou do indeferimento liminar da petição inicial apenas quando o autor, não representado por advogado, não a tenha entregue por via electrónica; nesta situação, a discriminação ocorre entre autores não representados por advogado que não tenham apresentado a petição inicial por via electrónica (que beneficiam da sanação do vício) e autores que, também não estando representados por advogado, tenham entregue a petição por essa via (que não beneficiam dessa sanação); - Excluir-se a sanação do fundamento da rejeição ou do indeferimento liminar da petição inicial, mas admitir-se a sanação de um idêntico vício quando se verifique em relação à contestação (e a um possível pedido reconvencional) do réu; nesta hipótese, a discriminação verifica-se entre autores (que não beneficiam de um regime de sanação quando estiverem representados por advogado) e réus (que beneficiam sempre desse regime).”
Como assim, devemos centrar-nos, nas soluções que a lei dita para situações concretas semelhantes (recurso à analogia), num esforço de integração da lacuna legal para o caso (cfr. artigo 10.º, n.º 2 do CCivil).
Nesta senda, o artigo 570.º CPCivil, na ausência de pagamento da taxa de justiça prevista para a contestação, não impõe, desde logo, a sua rejeição, mas sim o pagamento de multas, razão pela qual e pela mesma ordem de razões o sistema normativo preceituaria caso tivesse previsto o mesmo problema para a petição inicial.
De modo que, na ausência daquele pagamento ou da junção do comprovativo da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, deverá proceder-se à notificação do demandante, nos termos do artigo 570.º, n.ºs 3 e 4: a secretaria notifica o autor para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC. Caso o não faça, ocorre a solução da segunda parte do nº 5: o juiz profere despacho convidando o autor a proceder ao pagamento, em 10 dias, da taxa de justiça omitida e da multa aplicada, acrescida de multa de igual valor ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC.
Se o autor nada fizer, então é que é de ponderar se o efeito será o de aguardarem os autos que o faça, sem prejuízo do prazo de deserção da instância, ou eventualmente, o desentranhamento da petição inicial, com absolvição do réu da instância.
Diante do exposto, não devia a Sra. Juiz ter recusado o recebimento da petição com aquele fundamento, devendo antes ter seguido o procedimento supra aludido e que se encontra plasmada para a contestação.
Aliás, no caso em apreço, não tendo a secretaria recusado, desde logo, o recebimento da petição, e tendo a Autora solicitado a apensação a estes autos da providencia cautelar de suspensão desta deliberação a correr termos sob o nº 879/21.2T8STS, do Juízo de Comércio de Santo Tirso–J3 e dado nota de forma expressa, na parte final do articulado inicial, da junção do comprovativo de pedido de apoio, o juízo de valor do julgador deveria ter sido mais cauteloso, ou seja, considerando insuficiente a mera junção do documento comprovativo do formulado pedido de apoio judiciário, deveria ter dado uma oportunidade à Autora, concedendo-lhe um prazo para demonstrar nos autos, a concessão daquele apoio. [Veja-se a este propósito a síntese formulada no acórdão da Relação de Lisboa de 20/4/2010, proferido no âmbito do processo 6612/09.0TVLSB.L1-1, segundo a qual “[...] - Não recusando a secretaria o recebimento da petição inicial, deverá o juiz conceder um prazo ao autor, para demonstrar nos autos a concessão de apoio judiciário, emanado dos serviços competentes para o efeito”.]
[MTS]
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