Compensação extrajudicial;
excepção peremptória, alegação*
1. O sumário de STJ 12/1/2022 (1686/18.5T8LRA.C1.S1) é o seguinte:
I. Atento o disposto no art. 266º, nº 2, al. c), do CPC, a defesa por compensação, mesmo nos casos em que esta já tenha sido invocada extrajudicialmente, deve ser deduzida através de reconvenção, instrumento processual que permite o exercício do contraditório por parte do autor através da apresentação de réplica, nos termos do art. 584º, nº 1, do CPC.
II. Toda a defesa deve ser apresentada com a contestação, não sendo admitido que o recorrente introduza nas alegações do recurso questões que, não sendo e conhecimento oficioso, deveriam ter sido oportunamente alegadas.
III. A apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto suscitada no recurso de apelação interposto da sentença revela-se desnecessária quando se verifique que os factos que a parte pretende que sejam considerados provados traduzem uma modificação não admitida da defesa que foi apresentada na contestação.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Tendo a A. formulado o pedido de pagamento das quantias que a R. recebeu dos adquirentes dos bens móveis, a R. contrapôs que já previamente tinha emitido uma fatura reportada a serviços e despesas que realizou e que alegadamente não estariam cobertas pela comissão que foi acordada, ou seja, pela percentagem de 10% na venda dos móveis e de 5% na venda dos imóveis.
Em termos de direito material, este meio de defesa corresponde à invocação da figura da compensação regulada nos arts. 847º e ss. do CC, na medida em que transporta a invocação de um contracrédito no valor correspondente ao crédito invocado pela A., redundando na extinção deste crédito.
Todavia, a invocação deste meio de defesa no decurso da ação declarativa não está sujeita ao livre-arbítrio da R., já que a norma do art. 266º, nº 2, al. c), do CPC, prescreve que deve ser formalizada através da dedução de reconvenção.
Explicitemos melhor.
Na vigência do anterior CPC de 1961 era discutida a forma que deveria ser utilizada pelo R. para deduzir o meio de defesa correspondente à compensação, isto é, se deveria ser sempre operada através de reconvenção ou se esta apenas era vocacionada a sustentar uma pretensão condenatória correspondente ao remanescente do contracrédito invocado pelo réu. Era esta a tese que prevalecia tanto na jurisprudência como na doutrina.
Contudo, com a aprovação do CPC de 2013, o legislador adotou a tese segundo a qual a compensação apenas pode ser suscitada por via reconvencional independentemente do montante do contracrédito que seja invocado.
Com a nova redação não ficou claro se tal mecanismo processual deve ser utilizado apenas nos casos em que a compensação é suscitada ex novo na contestação ou se também abarca os casos em que já foi invocada extrajudicialmente, nos termos do art. 848º, nº 1, do CC, como ocorreu no caso concreto, em face da troca de correspondência entre a R. e a A., acompanhada da fatura emitida pela R. por alegados serviços e despesas realizadas.
Tais dúvidas foram lançadas por diversos autores (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anot., vol. I, 4ª ed., pp. 531 e ss., Lebre de Freitas, Ação Declarativa Comum, 4ª ed., pp. 145 e ss., Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., pp. 199 e ss. e Teixeira de Sousa e Rui Pinto, em diversos escritos publicados em https://blogippc.blogspot.com).
As mesmas dúvidas também afloram em múltiplos acórdãos da Relação, nuns casos a afirmar a imprescindibilidade de dedução de reconvenção em todas as situações, noutros a defender que a compensação que já tenha sido declarada anteriormente pode ser deduzida por via de exceção, prevalecendo a tese de que, mesmo nos casos em que a compensação já tenha sido declarada extrajudicialmente, a sua discussão deve ser sempre veiculada através da via reconvencional (neste sentido cf. o Acs. da Rel. de Guimarães, de 23-3-17, 37447/15, e da Rel. do Porto, de 30-1-17, 976/15 e de 8-7-15, 19412/14, em www.dgsi.pt).
Efetivamente, sem embargo da pertinência de alguns dos argumentos que ainda se podem extrair do elemento literal extraído do art. 266º, nº 2, al. c), do CPC (a partir de uma interpretação estrita do segmento “obter a compensação”, por forma a justificar uma distinção entre os casos em que a compensação já operou anteriormente e aqueles em que o autor apenas é confrontado no âmbito da ação pendente), os precedentes históricos (em face do CPC de 1961) e a manifesta vontade do legislador de alterar o anterior paradigma levam a concluir que, sempre que o réu pretenda invocar um contracrédito com vista a obter a improcedência da ação (por extinção do crédito do autor) ou a obter a condenação do autor no pagamento do valor remanescente, deve fazê-lo através da dedução de um pedido reconvencional.
Nesta medida, o segmento normativo “obter a compensação” que, aliás, já vem do anterior CPC, tem o significado correspondente à pretensão no sentido da extinção do direito invocado pelo autor em consequência do reconhecimento do contracrédito do réu, independentemente de a compensação já ter sido anteriormente declarada, nos termos do art. 848º do CC, ou seja, oposta apenas através da contestação/reconvenção.
Tal entendimento encontra a sua justificação na circunstância de o fenómeno da compensação implicar sempre a invocação de uma outra relação jurídica da qual emerge o crédito invocado pelo réu, a qual é paralela à relação jurídica que sustenta o pedido do autor.
Ampliando-se, deste modo, o objeto do processo, pode percecionar-se, por detrás da alteração do preceito, a vontade de que tal seja veiculado através de uma forma mais solene – a reconvenção – que, atenta a posterior tramitação processual, assegure o adequado contraditório, por via da defesa a deduzir no articulado de réplica que apenas está previsto para os casos em que seja deduzida reconvenção (art. 584º, nº 1).
Ora, no caso concreto não foi esta a via seguida pela R. que se quedou na defesa por mera exceção, que, como tal, nem sequer poderia ser atendida em nenhuma das instâncias, por contrariar diretamente a exigência constante do art. 26[6]º, nº 2, al, c), do CPC."
*3. [Comentário] Salvo a muita consideração, discorda-se da solução adoptada no acórdão quanto à aplicação da via reconvencional do art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC para o réu alegar que o crédito invocado pelo autor já se encontra extinto por uma compensação extrajudicial e anterior à acção. Remete-se para o que se escreveu aqui.
A via para essa invocação não pode deixar de ser a da defesa por excepção peremptória, até porque não se pode provocar em juízo a extinção de um crédito que já se encontra extinto pela declaração emitida nos termos do art. 848.º, n.º 1, CC. É uma impossibilidade jurídica voltar a provocar a extinção de um crédito que já se extinguiu, pelo que a única coisa que pode ser invocada em juízo é que o crédito alegado pelo autor já não existe.
MTS