Ampliação do objecto do recurso;
obiter dictum*
1. O sumário de RL 7/4/2022 (9805/18.5T8LRS.L1-2) é o seguinte:
I – Não podendo concluir-se no sentido da parte principal na causa ter ficado vencida, por falência do pressuposto de legitimidade, e nos quadros do nº. 1, do citado artº. 631º, do CPC, deverá concluir-se pela inadmissibilidade do recurso subordinado interposto;
II – decidida tal inadmissibilidade, e enquadrando-se a situação descrita, no alegado recurso subordinado, na tipificação da ampliação do objecto do recurso, nomeadamente na previsão do nº. 2 do citado artº. 636º, do CPC – arguição de nulidades de sentença -, impõe-se aferir acerca da eventual possibilidade de proceder-se à convolação do recurso subsidiário apresentado em concreta ampliação do objecto do recurso, a requerimento do recorrido;
III – ressalvando-se que a admissibilidade de tal convolação do recurso subordinado em ampliação do objecto do recurso só pode ter lugar caso o Recorrente subordinado não preencha os requisitos ou pressupostos conducentes á admissibilidade daquele tipo de recurso, nomeadamente por ser carente de legitimidade recursória, em virtude de não pode ser considerado parte vencida;
IV – estando em equação apenas interesses dos ex-cônjuges, no âmbito da partilha pendente, e não interesses de terceiros, não se descortina qualquer razão para se afastar o entendimento fixado no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº. 12/2015, de 02/07/2015, no sentido de permitir ao Autor que prove, por qualquer meio, que o imóvel adquirido na pendência do casamento, celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos com a Ré, o foi apenas com dinheiro ou valores a si pertencentes;
V - e isto, ainda que o mesmo Autor, ao ter outorgado a escritura de aquisição de tal imóvel, não tenha feito constar a menção inscrita na 2ª parte da alínea c), do artº. 1723º, do Cód. Civil, ou seja, mencionar expressamente na escritura pública de aquisição acerca da proveniência própria do dinheiro ou valores aplicados em tal aquisição, com intervenção de ambos os cônjuges.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"- Da inadmissibilidade do recurso subordinado
Nas contra-alegações apresentadas relativamente ao recurso subordinado apresentado pelo Autor, veio a Ré pugnar pela sua inadmissibilidade, aduzindo, no essencial, o seguinte:
§ O Autor não indicou o valor do recurso por si interposto, e não pagou a respectiva taxa de justiça, limitando-se a pagar a devida pelas contra-alegações no recurso interposto pela Ré;§ Todavia, deveria ter pago a devida pelo recurso subordinado, pois este é, por definição, autónomo em relação àquele;§ Pelo que não deve o mesmo ser admitido;§ Por outro lado, o recurso subordinado, assim como o independente, tem por pressuposto que a parte tenha ficado vencida, assim mostrando o seu inconformismo ao segmento da sentença que lhe seja desfavorável;§ Todavia, o pedido reconvencional foi julgado improcedente, e o Autor viu julgado procedente o pedido accional deduzido;§ Pelo que “não está preenchido o requisito essencial para a interposição do recurso subordinado previsto no artº. 633º, nº. 1, do CPCivil – que o autor tenha ficado vencido”.
Apreciando:
Tendo a Ré suscitado tal inadmissibilidade, e tendo o Autor Recorrente subordinado fundamentado o recurso interposto, entende-se ser de dispensar a audição enunciada no nº. 2, do artº. 655º, do Cód. de processo Civil. [...]
No que respeita ao 2º fundamento invocado – ilegitimidade do Autor, em virtude de não poder ser considerada parte vencida --, a questão não é tão linear.
Decorre no estatuído no nº. 1, do artº. 631º, do Cód. de Processo Civil que “os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal da causa, tenha ficado vencido”.
Ora, o pedido accional deduzido pelo Autor traduziu-se no reconhecimento de que a fracção identificada é própria, e não integra o património comum do dissolvido casal.
Por sua vez, a sentença recorrida julgou no sentido de julgar a acção procedente e, consequentemente, declarou “que a fracção autónoma designada pela Letra “X”, do prédio descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Loures sob o número duzentos e vinte e um, da referida freguesia, e sito na Avenida…, inscrita na matriz correspondente sob o n.º ..., é um bem próprio do autor Manuel …”.
Donde, relativamente ao pedido accional, não é pertinente considerar-se que o Autor tenha ficado vencido, pois a sua pretensão foi atingida, qual seja o reconhecimento judicial que a identificada fracção tem a natureza de bem próprio, e não de bem integrante da comunhão conjugal do dissolvido casal.
Relativamente ao pedido reconvencional, na parte em que foi admitido – pedido de indemnização, a título de compensação, pela utilização, por parte do Autor/Reconvindo do imóvel objecto dos presentes autos -, decidiu-se na sentença apelada pela sua improcedência, tendo o Reconvindo/Autor sido absolvido do pedido contra si formulado.
Pelo que, relativamente a esta contra-acção, também não é possível concluir-se no sentido do Autor, ora Recorrente subordinado, ter ficado vencido.
O que sempre determinaria, por falência do pressuposto de legitimidade, e nos quadros do nº. 1, do citado artº. 631º, do CPC, juízo de inadmissibilidade do recurso subordinado interposto.
Todavia, escalpelizado o teor das conclusões recursórias relativamente ao recurso subordinado interposto, constata-se que o Autor insurge-se quanto ao facto da sentença recorrida ter adiantado “uma apreciação que ela própria entendeu caber à sede notarial”, assim “quantificando um direito de compensação da recorrida, aliás não pedido por aquela, contradizendo até a referência que faz a que deve ter este ponto, como sede, o Notário”.
Donde, considera que tal apreciação, por ir além do direito e do pedido, é nula, contradiz a improcedência da reconvenção, e concede uma vantagem à Ré, “que nada reclamara a este respeito, o que constitui até violação do artigo 609º-1 do NCPC”.
Assim acrescenta, deve a decisão, neste exclusivo ponto, ser considerada nula, por não caber “no objecto da presente acção e contraditória até com a decisão de improcedência do pedido reconvencional formulado pela R.”.
Deste modo, considera verificada a nulidade de sentença inscrita nas alíneas c) e d), do nº. 1, do artº. 615º, acrescida à nulidade supra exposta de ter atribuído, fora da sede própria e para mais quantificado, “um direito de compensação à recorrida que excedia o por ela pedido”, em contravenção do referenciado nº. 1 do artº. 609º, do mesmo diploma.
Conclui, no sentido de ser anulada e dada sem efeito, a referência feita na sentença, “no que toca ao reconhecimento a um direito quantificado de compensação” à recorrida.
Analisemos.
Referencia Abrantes Geraldes [Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 90 a 92 e 113 a 116.], em anotação ao artº. 633º, do Cód. de Processo Civil, que pode “ocorrer que o decaimento respeite apenas a algum ou alguns dos fundamentos da acção ou da defesa, sem afectar o resultado expresso na decisão. Nesta situação, a parte cujos fundamentos não foram total ou parcialmente aceites, mas que, apesar disso, acabou por obter vencimento quanto ao resultado final, não pode considerar-se vencida. No entanto, é admitida a promover a ampliação do objecto do recurso interposto pela contraparte, nos termos do art. 636º, precavendo-se, deste modo, contra o eventual acolhimento pelo tribunal ad quem dos argumentos de facto ou de direito que sejam suscitados pelo recorrente”.
Assim, interposto recurso por uma das partes, pode a contraparte aproveitar as contra-alegações “para ampliar o seu objecto, suscitando, a título subsidiário, questões de facto ou de direito relativamente às quais sucumbiu ou arguindo nulidades da sentença” [...].
Efectivamente, caso fosse impedido ao recorrido esta possibilidade de ampliar o objecto do recurso, “poderia ver-se definitivamente prejudicado pela resposta que o tribunal ad quem viesse a dar às questões suscitadas pelo recorrente, num momento em que já não teria capacidade para reagir”.
Assim interpondo a parte vencida recurso da decisão, “pode não ser indiferente para a contraparte (parte vencedora ou parcialmente vencedora) a resposta que o tribunal a quo tenha dado aos fundamentos de facto ou de direito por si invocados ou o facto de ocorrer alguma nulidade decisória” [...].
Efectivamente, caso o tribunal venha a reconhecer razão relativamente aos fundamentos invocados no recurso interposto pela parte vencida, poder-se-á revelar “importante para a defesa dos interesses do recorrido que sejam acolhidas no âmbito do mesmo recurso os fundamentos que oportunamente esgrimiu e que foram objecto de resposta desfavorável por parte do tribunal a quo. É esta a função e a utilidade da ampliação do objecto do recurso”.
No que concerne à específica possibilidade de arguição de nulidades da sentença, nos termos do nº. 2, do artº. 636º, acrescenta que “continuando a dar prioridade ao resultado final, e não ao caminho trilhado para o alcançar, pode revelar-se indiferente para a parte vencedora a eventual ocorrência de nulidades que afectem a sentença (v.g. omissão de pronúncia ou excesso de pronúncia). Todavia, a apreciação de tais nulidades já poderá revelar-se pertinente se houver interposição de recurso pela parte vencida, justificando-se, então, a iniciativa do recorrido no sentido de confrontar o tribunal ad quem com a sua apreciação.
Aqui se incluem designadamente as nulidades da sentença previstas no art. 615º, nº. 1, als. b), c) e d) (falta de especificação dos fundamentos de facto ou de direito, oposição entre os fundamentos e a decisão, ambiguidade ou obscuridade da decisão e omissão ou excesso de pronúncia), desde que, apesar da sua ocorrência, a parte seja de considerar vencedora quanto ao resultado final” [...].
Acresce que não se estando propriamente perante um verdadeiro recurso, a situação de ampliação do seu objecto “apenas será apreciada se acaso o tribunal ad quem vier a pronunciar-se sobre o mérito do recurso interposto, á semelhança do que ocorre com o recurso subordinado (art. 633º, nº. 3). Por outro lado, apenas fará sentido apreciar as questões suscitadas se porventura forem acolhidos os argumentos arrolados pelo recorrente (ou de que oficiosamente foram conhecidos) com repercussão na modificação da decisão recorrida”.
Ora, a situação descrita no alegado recurso subordinado, que, por ilegitimidade do Recorrente Autor, não poderá ser admitido, enquadra-se antes na tipificação da ampliação do objecto do recurso, nomeadamente na previsão do nº. 2 do citado artº. 636º, onde se prevê, por parte do recorrido, acerca da arguição das nulidades da sentença. E, como constatámos e explicitámos, é este o cerne do alegado recurso subordinado.
Pelo que, neste desiderato, impõe-se agora aferir acerca da eventual possibilidade de proceder-se à convolação do recurso subsidiário apresentado em concreta ampliação do objecto do recurso, a requerimento do recorrido Autor.
O que passaremos a fazer.
Enuncia Abrantes Geraldes [Ob. cit., pág. 91 e 92, nota 159.] não poder confundir-se o recurso subordinado com a ampliação do objecto do recurso.
Concretiza que, “para além de serem diferentes os objectivos que se pretendem alcançar com um e com outro instrumento processual, são diversas as circunstâncias que os motivam, já que o recurso subordinado implica que a parte ficou vencida em relação ao resultado declarado na sentença, ao passo que a ampliação do objecto do processo pressupõe apenas que não foi acolhido o fundamento (ou fundamentos) invocado pela parte para sustentar a decisão que, apesar disso, lhe foi favorável (…)”.
Desta forma, acrescenta que “a diversidade de pressupostos e de objectivos leva a que não possam qualificar-se como recurso subordinado as alegações complementares que o recorrido apresente ao abrigo do art. 636º (ampliação do objecto do recurso). Uma tal intervenção não poderá superar o caso julgado que se tenha formado relativamente à decisão que não foi objecto de oportuna reacção que apenas poderia traduzir-se na interposição de recurso autónomo ou de recurso subordinado”.
Todavia, no caso sub judice a questão é diferenciada, pois não se trata de aferir acerca da admissibilidade de transmutação ou convolação de uma apresentada ampliação do objecto do recurso em recurso subordinado, mas antes a situação inversa, ou seja, a transmutação ou convolação deste em ampliação do objecto do recurso.
Acerca desta problemática, consignou-se em Acórdão desta Relação e Secção de 07/02/2019 – Relatora: Gabriela Cunha Rodrigues, Processo nº. 19391/15.2T8LSB.L1-2, in www.dgsi.pt, no qual o ora Relator interveio como 1º Adjunto -, urgir proceder à clara destrinça entre o “recurso subordinado (a que alude o citado artigo 633.º), o qual implica que a parte ficou vencida em relação ao resultado declarado na sentença, da ampliação do objeto do recurso prevista no artigo 636.º do CPC, que pressupõe apenas que o fundamento ou fundamentos invocados para escorar a decisão favorável não foram acolhidos.
A diversidade de pressupostos e de finalidades leva a que não se possam ser qualificadas como recurso subordinado as alegações complementares apresentadas ao abrigo do mencionado artigo 636.º”.
Assim, subscrevendo-se, e citando-se, o entendimento de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa [Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 324 e 325.], acrescenta-se não dever-se “estabelecer-se qualquer confusão entre o recurso subordinado e a ampliação do objeto do recurso a que se reporta o art. 636º. No recurso subordinado, a parte é vencida quanto ao resultado da ação (ou seja, quanto a um pedido ou a um segmento do pedido), ao passo que nas situações reguladas no art. 636º releva a não aceitação de algum dos fundamentos de facto ou de direito que sustentavam a pretensão ou a defesa, ou a verificação de alguma nulidade decisória que não tenha interferido (ainda) no resultado final.
9. Assim, tratando-se de mera recusa de algum dos fundamentos da ação ou da defesa ou de nulidade que não tenham interferido, porém, no resultado que foi favorável à parte, a esta não cabe reagir mediante a interposição de recurso (nem subordinado, nem independente), antes mediante a ampliação do objeto do recurso nas contra-alegações, de forma a obter uma resposta favorável às questões que suscitou, prevenindo o eventual acolhimento pelo tribunal ad quem dos argumentos de facto ou de direito suscitados pelo recorrente»., GPS, p. 759.
O n.º 3 do artigo 193.º, introduzido pelo CPC de 2013, consagra um corolário do princípio da prevalência da substância sobre a forma na figura do erro no meio processual utilizado pela parte para a prática de determinado ato.
Em tais circunstâncias, em lugar do decretamento da nulidade do ato, impõe-se a correção oficiosa, determinando que sejam seguidos os termos processuais adequados.
A convolação imposta pelo preceito tem limites naturais, sendo o mais evidente o do esgotamento do prazo que porventura esteja previsto para o ato convolado.
Nas palavras de Lopes do Rego, a convolação «só poderá ter cabimento quando o meio erroneamente utilizado e o meio procedimental efectivamente adequados forem de algum modo homogéneos e até certo ponto equiparáveis, por dotados de uma análoga funcionalidade essencial» (cf. «O princípio dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, p. 808).
Na situação sub judice, existe uma certa equiparação entre o meio processual utilizado (recurso subordinado) e o meio processual pretendido (ampliação do objeto do recurso).
É certo que, ao contrário do que ocorre com a ampliação do recurso (deduzida a título subsidiário), a apreciação do recurso subordinado pelo tribunal superior não é meramente eventual. Com efeito, caso o recurso principal seja apreciado, então o recurso subordinado terá, obrigatoriamente, de ser decidido”.
Considerando que tal evidente diferença não é obstáculo, especifica que “o nomen iuris da peça apresentada pela Ré (recurso subordinado) não condiz minimamente com o seu conteúdo, o que equivale a dizer que se verifica uma desadequação formal que deve ser corrigida oficiosamente, de acordo com o disposto no citado n.º 3 do artigo 193.º do CPC.
Em face do exposto, ressalvado que está o princípio do contraditório, em face da efetiva pretensão da Ré, materializada na peça denominada recurso subordinado, determinamos a sua correção e convolação em ampliação do objeto do recurso por iniciativa da Recorrida, prevista no artigo 636.º, n.º 1, do CPC”.
Tal admissibilidade de convolação do apresentado recurso subordinado em ampliação do objecto do recurso, é ainda admitida pelo douto Acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 11/03/2021 – Relatora: Suzana Tavares da Silva, Processo nº. 02505/10.6BEPRT 0458/17, in www.dgsi.pt.
Efectuando a devida destrinça entre as duas figuras, nomeadamente o facto de, salvaguardada a ocorrência das vicissitudes inscritas no nº. 3, do artº. 633º, do Cód. de Processo Civil, o tribunal de recurso dever sempre conhecer do recurso subordinado interposto, contrariamente ao que acontece com a ampliação do objecto de recurso, que apenas é conhecida e apreciada caso proceda o recurso principal, reconhece que “a ampliação do âmbito do recurso é (ou pode ser) menos favorável do que o recurso subordinado face às pretensões que o Recorrido pretende fazer valer no processo”, podendo assim não ser suficiente ou bastante para assegurar totalmente a protecção dos seus interesses.
Donde, a “alegada convolação do recurso subordinado em ampliação do âmbito do recurso só poderia admitir-se, atenta a prevalência do princípio do dispositivo, se fosse legalmente justificada, designadamente, pelo facto de, no caso, não se verificarem os pressupostos de admissibilidade do recurso subordinado”.
Ou seja, e concretizando, “a convolação do recurso subordinado em ampliação do objecto do recurso só poderia ter lugar se o Recorrente Subordinado não preenchesse os requisitos para a apresentação daquele tipo de recurso, designadamente, por não ter legitimidade em razão de não poder ser considerado “parte vencida”” [...].
Na ponderação do pertinente argumentário exposto, transpondo-o para a situação concreta, bem como na aferição da efectiva pretensão exercida pelo Autor, que se materializou na peça processual apresentada como recurso subordinado, entendemos ser de determinar a sua correcção, transmutação ou convolação em ampliação do objecto do recurso, a requerimento do recorrido Autor, assim sendo devidamente apreciado e considerado."
*3. [Comentário] a) O acórdão da RL merece algumas considerações.
b) Segundo se encontra transcrito no acórdão, a Juíza de 1.ª instância decidiu o seguinte:
I. julgo a presente acção procedente, por provada e, em consequência, declaro que a fracção autónoma designada pela Letra “X”, do prédio descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Loures sob o número duzentos e vinte e um, da referida freguesia, e sito na Avenida … inscrita na matriz correspondente sob o n.º ..., é um bem próprio do autor Manuel ...;II. julgo improcedente, por não provada, a reconvenção deduzida pela ré Rosa … e, em consequência, absolvo o autor Manuel ... do pedido contra si formulado eIII. julgo improcedente, por não provado, o incidente de litigância de má-fé deduzido contra o autor.
Nas suas contra-alegações afirma o Autor Recorrido o seguinte:
21 - Sucede que, pese embora a grande qualidade, rigor e objetividade da decisão, nada referindo na conclusão decisória, entendeu a Ilustre Magistrada, movida, quiçá, mais que pelo direito, por uma apreciação, na sua ótica, de equidade, adiantar uma apreciação que ela própria entendeu caber à sede notarial ao que seria, quantificando um direito de compensação da recorrida [sic], aliás não pedido por aquela, contradizendo até a referência que faz a que deve ter este ponto, como sede, o Notário.
A verdade é que não há nenhuma decisão da 1.ª instância sobre este ponto, pelo que a referida afirmação só pode ser considerada um obiter dictum sem qualquer susceptibilidade de adquirir valor de caso julgado. Assim, a primeira coisa que deve questionar-se é o interesse do Recorrido em suscitar essa questão em recurso subordinado e mesmo através da ampliação do objecto do recurso.
É certo que o Recorrido invoca a nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a conclusão e por excesso de pronúncia. A verdade é que um obiter dictum que não tem nenhum reflexo na decisão não é susceptível de originar nenhum destes vícios.
Note-se que, se era intenção do recorrido afastar esse obiter dictum, tal desiderato não foi alcançado. Lembre-se que a RL decidiu o seguinte:
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Apelante ROSA …, em que figura como Autor/Apelado MANUEL …, confirmando-se a sentença recorrida/apelada;2. decorrente da improcedência do recurso, considerar prejudicado o conhecimento e apreciação da ampliação do objecto do recurso (em que se convolou o recurso subordinado apresentado pelo Autor); [...].
Quer dizer: o obiter dictum relativo ao direito de compensação da Recorrente não foi censurado pela RL e continua incólume na decisão recorrida. Tudo isto atesta a sua irrelevância.
c) Salvo melhor opinião, a RL desconsiderou um ponto relevante. O art. 636.º CPC tem, no que agora interessa, a seguinte estrutura:
-- No n.º 1 enuncia o que se pode designar como a ampliação principal do objecto do recurso: em caso de pluralidade de fundamentos de acção ou de defesa, a parte vencedora (que invocou esses vários fundamentos) pode ampliar o recurso ao fundamento em que tenha decaído;-- No n.º 2 enuncia o que se pode chamar de ampliação subsidiária do objecto do recurso: "a título subsidiário" (da ampliação principal), a parte principal pode, além do mais, arguir a nulidade da sentença recorrida.
Quer dizer: antes do mais, é preciso que o objecto do recurso seja ampliado quanto a um fundamento da acção ou da defesa; só depois disso, o objecto pode ser ampliado, a título subsidiário, quanto a uma nulidade da sentença.
Ora, no caso concreto, não consta que o Recorrido tenha ampliado o objecto do recurso a título principal, pelo que não deveria ter sido admitida a ampliação desse objecto à (aliás inexistente) nulidade da decisão recorrida e nem sequer deveria ter-se pensado na convolação do recurso subordinado em ampliação do objecto do recurso.
MTS