"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



04/01/2023

Jurisprudência 2022 (92)


Inventário; legitimidade processual;
indignidade sucessória


1. O sumário de RG 7/4/2022 (815/20.3T8BGC-B.G1) é o seguinte:

1) Até à declaração de indignidade, caso ocorra, mantem-se a posição do alegado indigno e, declarada a indignidade, a devolução da sucessão ao indigno, é havida como inexistente, sendo ele considerado, para todos os efeitos, possuidor de má-fé dos respetivos bens;

2) Tem legitimidade para prosseguir no inventário, em substituição do seu falecido marido e herdeiro, a sua esposa, conjuntamente com os filhos de ambos, independentemente de estar pendente uma ação de declaração de indignidade daquele, dado que sendo declarada tal indignidade, em função do seu âmbito, deixa de se justificar legalmente a sua permanência (artigo 2037º nº 1 Código Civil), havendo apenas lugar ao direito de representação dos descendentes (artigo 2037º nº 2 Código Civil).


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Conforme se refere no despacho recorrido, decorre no Juízo Local Cível de Bragança – J1, a ação declarativa nº 422/20.0T8BGC, onde se peticiona a declaração de indignidade do interessado falecido A. J., para suceder ao inventariado, nos termos do disposto nos artigos 2036º e 2037º nº 1 e 2 do Código Civil.

Também aí se refere que caso a indignidade venha a ser declarada, a mesma produzirá efeitos retroativos à data da abertura da sucessão, eliminando a referida vocação sucessória.

Como decorre do disposto no artigo 2037º nº 1 do Código Civil até à declaração de indignidade, caso ocorra, mantem-se a posição do alegado indigno e “declarada a indignidade a devolução da sucessão ao indigno, é havida como inexistente, sendo ele considerado, para todos os efeitos, possuidor de má-fé dos respetivos bens.”

Por outro lado, na sucessão legal, a capacidade do indigno não prejudica o direito de representação dos seus descendentes (artigo 2037º nº 2 Código Civil).

Do exposto resulta que até à declaração (eventual) da indignidade, o herdeiro, ou herdeiros, deverão permanecer nessa qualidade.

No caso presente, face ao falecimento do interessado A. J., foram julgados notarialmente habilitados C. S., viúva do falecido com quem foi casada sob o regime imperativo de separação de bens e os filhos A. F., casado com M. V. no regime de comunhão de adquiridos, A. M., solteiro, maior e L. M., divorciado.

Conforme se refere no Acórdão da Relação do Porto de 13/03/1974, (BMJ 236/198) verificando-se a declaração de indignidade depois de aberta a herança, ela atua como facto resolutivo da vocação sucessória operada.

No entanto, enquanto não se verificar a declaração judicial de indignidade, no caso de falecimento do interessado, que tem pendente uma ação de declaração de indignidade, são chamados à sucessão os herdeiros deste, dado que a indignidade sucessória não opera automaticamente (cfr. Acórdão STJ de 17/12/2019, processo 590/17.9T8EVR.E1.S2, www.dgsi.pt).

Importa, por isso, saber se a apelante também é herdeira do seu falecido marido A. J.

Ora, conforme se viu, o falecido A. J. de Jesus e a apelante C. S. estavam casados segundo o regime de separação de bens, segundo o qual, cada um deles conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros, podendo dispor deles livremente (artigo 1735º do Código Civil).

Sendo certo que a apelante não é herdeira direta na herança dos pais do seu falecido marido, no entanto, não deixa de ser herdeira deste e ainda não se mostra partilhada a herança dos seus pais, dado que se assim não fosse o inventário requerido careceria de fundamento.

Poder-se-á objetar que remanesce a questão da ação de declaração de indignidade que ainda não se mostra decidida e, sendo esta julgada procedente, o primitivo herdeiro, A. J. de Jesus, perde essa qualidade, no âmbito em que for decidido e, como tal, não fica prejudicado o direito de representação dos descendentes deste (artigo 2037º nº 2 Código Civil), ficando assim excluída a intervenção da apelante, enquanto viúva daquele herdeiro A. J. de Jesus, uma vez que o direito de representação apenas beneficia os descendentes deste e, já não, os demais herdeiros (cfr. artigo 2039º Código Civil).

O critério, nesta fase, não é, porém, o de saber se existe direito de representação, só relevando tal direito depois da declaração de indignidade e em função do seu âmbito, se a mesma ocorrer, até lá, tudo se passa como se não existisse indignidade.

Como se refere no citado Acórdão do STJ de 17/12/2019, processo 590/17.9T8EVR.E1.S2, www.dgsi.pt, a indignidade sucessória não opera automaticamente, por isso, a posição jurídico-sucessória de outro herdeiro legal do de cujus apenas se consolida com a declaração judicial de indignidade do chamado que praticou atos delituosos contra o autor da sucessão ou alguns dos seus familiares mais próximos.

Pelo exposto, resulta que a apelante tem legitimidade para prosseguir nos autos em substituição do falecido A. J., juntamente com os demais herdeiros deste, enquanto não for judicialmente declarada a indignidade daquele, em função do seu âmbito, termos em que a apelação deverá proceder e, em consequência, revogar-se a douta decisão recorrida.

[MTS]