"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/01/2023

Jurisprudência 2022 (98)


Bens comuns do casal; 
benfeitorias; prescrição


1. O sumário de STJ 21/4/2022 (463/13.4TMMTS-B.P1.S1) é o seguinte:

Para efeitos de compensação entre o património comum e os patrimónios próprios de ex-cônjuges, que foram casados em regime de comunhão de adquiridos, o prazo de prescrição do crédito por benfeitorias realizadas com meios comuns num bem próprio de um dos cônjuges começa a contar no momento da partilha.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"5. A dúvida que [...] se coloca é a de saber se, para determinar se ocorreu ou não a extinção do direito a compensação por benfeitorias, por prescrição, o prazo de prescrição (invocada pelo cônjuge proprietário da fracção na qual as benfeitorias foram realizadas) começa a correr a partir do trânsito em julgado da sentença de divórcio, que determina a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, ou apenas da liquidação e partilha, por se tratar de direito apenas exigível com a partilha.

Entende-se que é o momento da partilha que deve relevar. Excluído que se possa retirar da lei que o crédito se torne exigível na vigência do casamento (cfr. o princípio que resulta do n.º 2 do artigo 1726.º do Código Civil, que, literalmente, se reporta à hipótese haver lugar a compensações entre patrimónios, caso tenham sido adquiridos bens “em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns”), o diferimento da exigibilidade para o momento da partilha é a solução expressamente acolhida, quer para a exigibilidade de créditos decorrentes de pagamento de dívidas comuns por bens próprios (artigo 1697.º, n.º 1), quer para o pagamento de dívidas próprias por bens comuns (n.º 2 do mesmo artigo 1697.º), quer para os créditos de um dos cônjuges sobre o outro (n.º 3 do artigo 1689.º).

Decisivo, na verdade, é o regime definido pelo n.º 1 do artigo 1689.º, ao determinar como se apura o património comum e a meação de cada cônjuge (“conferindo o que cada um deles dever a este património”). Rita Lobo Xavier (Limites à Autonomia Privada na Disciplina das Relações Patrimoniais entre os Cônjuges, Coimbra, 2000, pág. 394 e segs.) observa que desta norma se pode retirar “um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges, e entre estes e o património comum, sempre que um deles, no final do regime, se encontre enriquecido em detrimento de outro” (pág. 395).

Cristina Araújo Dias, “Compensações Devidas pelo Pagamento de Dívidas do casal, Coimbra, 2003, escreve, impressivamente, que “A inevitável osmose patrimonial que ocorre em virtude da comunhão de vida exige a previsão de determinados mecanismos destinados a realizar um justo equilíbrio patrimonial entre os cônjuges. Na constância do matrimónio é possível que ocorram transferências de valores entre as diferentes massas de bens em presença. Tais transferências darão origem, no final do matrimónio” – “em rigor, a lei não prevê tais mecanismos no momento da dissolução do casamento mas no momento da partilha” (nota 3) – “a créditos e débitos recíprocos: os patrimónios próprios podem ser credores do comum, este daqueles e os próprios de cada um podem ser devedores dos próprios do outro” (pág. 13).

E acentua por que razão as “compensações são exigíveis” apenas no momento da partilha porque “só nesse momento” (da partilha) “se apura o saldo final” “das contas de compensação” (n.ºs 1 e 2 do artigo 1697.º).

Conclui-se assim, tal como o acórdão recorrido, que o início do prazo de prescrição se verifica no momento da partilha. Só desta forma se faz coincidir esse início com o momento a partir do qual o direito de crédito pode ser exercido.

Ora, para ser possível fazer as contas entre os patrimónios envolvidos e encontrar o saldo final que há-de relevar no caso presente, o crédito por benfeitorias, que não se extinguiu por prescrição, porque só se torna exigível com a partilha, deve ser relacionado.

O acórdão recorrido não merece assim qualquer censura quando conclui que o processo deve prosseguir “para apreciação e quantificação do crédito comum referente às benfeitorias realizadas na fracção autónoma (…)”.

[MTS]