Embargos de executado;
intervenção acessória
1. O sumário de RC 5/4/2022 (2136/18.2TBACB-D.C1) é o seguinte:
I - Em execução por dívida provida de garantia real, decorrente de crédito à habitação, e em que haja sido celebrado contrato de seguro de vida, não é admissível a intervenção principal da seguradora nos embargos de executado.
II - Mas tendo direito de regresso sobre a seguradora pelo prejuízo que lhe possa causar a satisfação coactiva da obrigação exequenda, pode o executado chamá-la a intervir acessoriamente nos embargos.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"A configuração [...] das relações do banco mutuante com a seguradora, por um lado, e com o mutuário/segurado, por outro, permitem [...] que se coloque a seguradora como titular de uma relação jurídica conexa com a relação jurídica material controvertida objecto da causa principal, o que permite – como já o permitia no âmbito do anterior chamamento à autoria – que o executado possa utilizar nos embargos de executado a intervenção acessória [Veja-se neste sentido o Ac R C 27!0/2019 [...] (Mª João Areias)].
Efectivamente, a seguradora, na arquitectura [...] resultante das ligações ao banco mutuante e ao mutuário, não se mostra titular ou contitular da relação material controvertida, mas configura-se como sujeito passivo de uma relação jurídica material controvertida conexa com a que é objecto da execução – a que resulta do eventual direito de regresso do executado- sendo, por isso titular de situação jurídica afectável, ainda que só economicamente, pelo resultado da causa.
Refere o art 321º que «o réu que tenha direito de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal», acrescentando o nº 2 que «a intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento».
A intervenção do terceiro na demanda do réu a requerimento deste para o auxiliar na defesa encontra a sua razão de ser no interesse comum dos dois em que a acção improceda: esse é, naturalmente, o resultado mais benéfico para o réu, e esse resultado é igualmente o mais conveniente para o terceiro que, em função dele, não se verá futuramente importunado com uma acção de regresso referente ao reembolso do que aquele haja pago. Mas o interesse de ambos na referida intervenção não deixa de existir na procedência da acção: o réu, porque evita ver-se confrontado na acção de regresso com a acusação por parte do terceiro de que não se soube defender e que, por isso, «se não conseguir provar que foi diligente e que usou adequadamente todos os meios processuais que, nos limites de uma actuação processual de boa fé lhe eram acessíveis, sibi imputet [«Se o chamamento for omitido, não bastará ao réu na futura acção de indemnização, invocar a sentença que o condenou; terá também de provar que foi diligente e, portanto, usou adequadamente todos os meios processuais que, nos limites de uma actuação processual de boa fé (cfr art 542º) lhe era licito usar para evitar a condenação». Lebre de Freitas Freitas/Isabel Alexandre CPC 3ª ed , 2013 I , 636]; e o terceiro sabe que ajudando o réu na defesa se está em princípio a ajudar a si próprio.
O que se vem de dizer é válido nas acções declarativas -campo natural de aplicação do incidente de terceiro em referência - e não deixa de o ser nos embargos de executado, em situações como a dos autos, em que se verifica interdependência funcional entre a relação jurídica material controvertida que se estabelece entre o exequente e o executado e a relação jurídica material controvertida que para garantia dessa outra abrange o terceiro, não obstando a esse entendimento a circunstância de a sentença nos embargos à execução não se analisar numa condenação.
A verdade é que «a sentença de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda», como hoje o diz claramente o nº 5 do art 732º CPC, e tanta basta para que, tendo tido lugar nesse processo a intervenção acessória do terceiro, aquela sentença constitua (também) caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no art 332º CPC, «sendo o terceiro obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e a decisão que a decisão judicial tenha estabelecido», embora apenas «relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização», como se refere no nº 4 do art 323º CPC.
Para Lebre de Freitas o alcance deste caso julgado justificava o chamamento à autoria em embargos de executado, como hoje, por maioria de razão, justifica a intervenção principal acessória [Código de Processo Civil Anotado com Isabel Alexandre, Vol I , 3ª ed, 2013, p 631, anotação ao art 321º.].
Como o explica o autor em causa, «quando se produza caso julgado perante o chamado à intervenção acessória, o seu alcance torna indiscutíveis, no confronto do chamado, os pressupostos do direito à indemnização, a fazer valer em acção posterior, que respeitem à existência e ao conteúdo do direito do autor», mas fica em aberto para a acção de indemnização a discussão sobre «todos os outros pontos de que dependa o direito de regresso». «Assentes ficam só os pressupostos desse direito que, por respeitarem à relação jurídica existente entre autor e réu, condicionam a relação (dependente) entre este e o chamado». A relação jurídica de regresso depende da que é discutida na acção na medida em que o estabelecimento desta implica a verificação de um pressuposto do direito de regresso ou a existência do dito do autor contra o réu. «O terceiro é chamado para que, quanto a essa verificação, se possa constituir perante ele o caso julgado».Aqui chegados, e concluindo-se pela inadmissibilidade da intervenção principal provocada, mas pela admissibilidade da intervenção acessória provocada, não se vê por que se não haja de proceder à convolação daquela nesta [Cfr Ac R L 2/12/2008 (Rui Vouga)].
A objecção a essa convolação que parece conter-se na decisão recorrida - falta da alegação da acção de regresso enquanto fundamento do chamamento - não poderá proceder, desde o momento em que constitui também fundamento da intervenção principal provocada a efectivação do direito de regresso – cfr art 317º - que, por isso, não terá deixado de residir nas alegações da embargante."
[MTS]