Reg. 650/2012;
sucessão; lei aplicável
1. O sumário de RE 30/6/2022 (1119/21.0T8LLE-A.E1) é o seguinte:
I.- O Regulamento (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4-07-2012, atribui, como regra geral, à lei da residência habitual do de cujus à data do óbito a competência para regular a sua sucessão.
II.- Mas o falecido pode escolher a lei da sua nacionalidade, mesmo que tenha lavrado testamento antes da entrada em vigor do Regulamento, nos termos do disposto no artigo 83.º/4.
III.- Se o de cujus escolheu a lei de Grenada como lei da nacionalidade a aplicar e, após a data da celebração do testamento, contraiu matrimónio, por aplicação do artigo 13.º da Lei de Testamentos, Capítulo 340 das Leis de Grenada, as disposições testamentárias são revogadas, incluindo a que escolheu a lei da nacionalidade para regular a sua sucessão.
IV.- O que implica o ressurgir da lei geral a que alude o artigo 21.º/1, do Regulamento (UE) 650/2012, sendo, por isso, competente para regular a sucessão a lei portuguesa, porque lei da residência habitual no momento do óbito.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"2.- A interpretação do testamento, à luz do Regulamento (EU) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4-07-2012, da Lei de Testamentos de Grenada e do Direito Sucessório Português.
A questão a dirimir resume-se nestes termos:
- (…) tinha nacionalidade de Grenada;- Residia habitualmente em Portugal;- Em 30 de novembro de 2011, lavrou testamento, em Faro, Portugal;- Em 12 de dezembro de 2011 contraiu matrimónio com (…), em Portugal;- Faleceu em 10 de novembro de 2020, na sua residência habitual, em Portugal.
“Que revoga todos os seus testamentos feitos no estrangeiro e que esta disposição lhe é permitida pela lei pessoal”.
Na data do óbito já se encontrava em vigor o Regulamento (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu.
No seu artigo 21.º dispõe esta lei da União Europeia que: Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao conjunto da sucessão é a lei do Estado onde o falecido tinha a residência habitual no momento do óbito.
Mas, o artigo 22.º dispõe: 1. Uma pessoa pode escolher como lei para regular toda a sua sucessão a lei do Estado de que é nacional no momento em que faz a escolha ou no momento do óbito.
Ora, apesar de residir habitualmente em Portugal, a falecida escolheu para regular a sua sucessão testamentária a lei da sua nacionalidade, ou seja, Grenada.
Com efeito, se o de cujus escolheu para revogar os testamentos feitos anteriormente a lei da sua nacionalidade, é evidente que também nesse ato escolheu para regular a sua sucessão testamentária a lei da sua nacionalidade, como manifestação da professio iuris, ou seja, da autonomia da vontade no direito internacional privado.
Acompanhamos neste entendimento Helena Mota in A Autonomia Conflitual e o Reenvio no Âmbito do Regulamento (UE) n.º 650/2012 de PE e do Conselho, FDUP, janeiro de 2014, disponível on-line, onde realça que “(…) o legislador comunitário, mais do que tentar restringir a liberdade contratual entendeu que a professio iuris serve (ainda) nesta sede como corretor dessa putativa limitação ao permitir-lhe que, no momento em que faz a disposição por morte, escolha a própria lex sucessionis; será até normal que o faça sabendo que a escolha desta lei, nos termos do artigo 22.º, n.º 2, deve revestir a forma de uma disposição por morte ou resultar, tacitamente, dos termos desta disposição. Não será crível que o de cujus, ao fazer, por hipótese um testamento e tendo a preocupação de escolher a lei aplicável à sua validade material, também não o acoste à lei sucessória que também pode escolher nesse mesmo momento”.
É o caso dos autos.
Uma interpretação que concluísse pelo afastamento da lei da nacionalidade a todas as cláusulas do testamento apenas se poderia estribar numa declaração testamentária inequívoca de afastamento dessa lei.
Ora, no caso presente, tal declaração não foi contemplada, o que se consagrou foi o contrário.
Logo, ao testamento é aplicável a lei de Grenada, tendo a falecida afastado a regra geral prevista no artigo 21.º do Regulamento, o que este veio a permitir pelo artigo 83.º/4.
Aqui chegados, importa agora aplicar a lei de Grenada.
Não contestam os interessados que os tribunais portugueses são os competentes para decidir a relação material controvertida (artigo 4.º do Regulamento) e que a lei de Grenada permite a revogação dos testamentos anteriores, por nova declaração testamentária, o que implica a validade da referida declaração.
Bem como que o Regulamento, no citado artigo 83.º/4, permite a escolha da lei da nacionalidade para regular a sucessão, quanto aos testamentos efetuados antes de 17-08-2015, data da sua entrada em vigor.
Também se mostra incontestado que a lei de Grenada manda revogar o testamento que seja lavrado antes do casamento (artigo 13.º da Lei de Testamentos, Capítulo 340 das Leis de Grenada), pelo que o casamento celebrado entre a falecida e o interessado (…), em 10-11-2020 [sic], teve o efeito de revogar o testamento celebrado em 12-12-2011 [sic].
De onde se conclui que (…) faleceu sem testamento, pelo que é ineficaz a sua declaração de vontade de que escolhia a lei pessoal para regular a sua sucessão, o que tem como consequência o reenvio, pela Lei de Grenada, da competência à lei do país da sua residência habitual para regular a sua sucessão por morte.
Com efeito, falecendo sem disposição de última vontade, a lei aplicável à sucessão é a portuguesa, onde residia habitualmente à data do óbito, por ressurgimento da regra geral do artigo 21.º/1, do Regulamento 650/2012.
Porque seguiu o mesmo raciocínio lógico-dedutivo, à mesma conclusão chegou o parecer que o recorrente juntou aos autos, onde se analisa o caso em apreço."
[MTS]