"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



11/04/2023

Jurisprudência 2022 (160)


Acção de divisão de coisa comum;
cumulação de pedidos; pedido de compensação de despesas*


1. O sumário de RG 13/7/2022 (1889/21.5T8VCT.G1) é o seguinte:

Em acções de divisão de coisa comum é admissível a dedução de pedidos de compensação por parte dos comproprietários relativamente aos montantes que pagaram para além da quota respectiva, sendo os mesmos apreciados e decididos em sede de processo comum e só depois se avançando para a fase executiva.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Questões a decidir

Delimitação do objecto do recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artº 635º-nº3 e 608º-nº2 do CPC), atentas as conclusões dos recursos de apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar, cfr. conclui o apelante:

- “deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar-se o douto despacho datado de 10/01/2022 proferido pela Mma juiz do tribunal a quo na parte em que não admitiu os pedidos que o Recorrente formulou nas als. a), b) e c) do seu requerimento inicial, substituindo-se por uma outra que determine que a ação deve seguir os termos de processo comum para que sejam decididos tais pedidos, entrando-se só depois na fase executiva com o agendamento de data para a conferência de interessados”? [...]

Fundamenta-se na sentença recorrida:

(…) os pedidos formulados [pelo Autor] – com excepção do pedido de adjudicação ou venda do imóvel – extravasam o objecto e os fins do processo especial de divisão de coisa comum. Os pedidos formulados sob as alíneas a), b) e c) são próprios de um processo comum declarativo. Os referidos processos têm naturezas distintas e divergentes, com tramitações distintas e incompatíveis.

Neste contexto, não sendo processualmente admissível a cumulação realizada pelo Requerente, os autos prosseguirão como processo especial de divisão de coisa comum, destinando-se a pôr termo à situação de compropriedade existente quanto à fracção autónoma designada pelas letras “AP”, destinada a habitação, no sexto andar direito traseiras, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número .. e inscrito na matriz predial urbana sob o número ….

Perante o acima exposto, não se admitem os pedidos formulados sob as alíneas a), b) e c), absolvendo-se da instância os requeridos, quanto aos mesmos.

Os autos prosseguem apenas para apreciação do pedido formulado sob a alínea d).”.

A questão em discussão no presente recurso reporta-se a determinar se, e como defende o apelante, em acções de divisão de coisa comum é admissível a dedução de pedidos de compensação por parte dos comproprietários relativamente aos montantes que pagaram para além da quota respectiva, sendo os mesmos apreciados e decididos em sede de processo comum e só depois se avançando para a fase executiva.

A questão objecto de recurso tem vindo a ser decidida na jurisprudência, de forma uniforme, no sentido preconizado pelo apelante, designadamente no STJ, Ac. de 26/1/2021, P. 1923/19.9T8GDM-A.P1.S1; Ac. STJ de 1/10/2019, P. 385/18.2T8LMG-A.C1.S2, e, na Relações, entre muitos outros, Ac. TRL de 15/3/2018, P.2886/15.5T8CSC.L1.L1-8, Ac. TRL de 4/2/2021, P.11259/18.7T8SNT.L1-6, Ac. TRL de 2473/2022, P.823/20.4T8CSC-A.L1-2, TRG de 4/11/2021, P.4876/19.0BRG-A.G1; TRG de 25/9/2014, P.260/12.4TBMNC-A.G1, todos in www.dgsi.pt.

Acompanhamos a jurisprudência citada, pelos seus fundamentos, designadamente, e citando Ac. STJ de 26/1/2021: “Na ação especial de divisão de coisa comum, (...) quando tenha sido suscitada a compensação de alegado crédito por despesas suportadas para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao Requerente, devendo a ação seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados. (...) III. Traduzindo-se as diversas formas de processo - especial e comum - no único obstáculo formal à admissibilidade da reconvenção, mas não seguindo as mesmas uma tramitação manifestamente incompatível, tanto mais que é expressamente admissível a convolação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum, de acordo com o art. 37.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, o Juiz pode autorizar a reconvenção, “sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio”. IV. O poder-dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, em circunstâncias como as dos presentes autos. V. Está em causa o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos. Importa evitar que o Requerido se veja compelido a propor uma outra ação para ver o seu direito reconhecido”.

A acção de divisão de coisa comum tem como objectivo pôr termo à indivisão de coisa comum, processando-se nos termos dos artº 925º e seguintes do Código de Processo Civil.

Dispõem os artº 926º, n.ºs 2 e 3 e seguintes, do citado diploma:

2. Se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294º e 295º;

3. Se, porém, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número anterior, mandará seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.

Tendo sido deduzida contestação e verificando-se que a questão não pode ser sumariamente decidida, seguir-se-ão os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.

Conforme definição de A. Reis, in Processos Especiais, Vol II, pg. 19 a 23, a acção de divisão de coisa comum caracteriza-se, a par de outro tipo de acções, por uma “fisionomia sui generis; desenvolvem-se em duas fases distintas: a) uma fase nitidamente declarativa, b) uma fase de índole acentuadamente executivaNa primeira fase define-se o direito; na segunda procura dar-se execução ao direito declarado”.

Concluindo-se, nos termos expostos, pela procedência do recurso de apelação, devendo a acção prosseguir os termos de processo comum para conhecimento da parte declarativa nos termos do artº 926º-nº 3 do CPC, entrando-se só depois na fase executiva do artº 929º do citado Código.

*3. [Comentário] Não se opõe nenhuma objecção ao decidido pela RG, mas importa chamar a atenção para que o que estava em causa nos citados STJ 1/10/2019 e STJ 26/7/2021 era a admissibilidade de um pedido reconvencional de compensação de um crédito por despesas suportadas para além da quota respetiva. Faltou, portanto, dizer que o que vale para a admissibilidade desse pedido reconvencional também vale para a cumulação inicial de um semelhante pedido na acção de divisão de coisa comum.

MTS